segunda-feira, 16 de março de 2009

Um Ardil Que Tornou Possível a Invasão

Este artigo foi extraído do livro de Allan A. Michie que constitue a história definitiva da guerra aérea na Europa, e será publicado este ano. O sr. Michie tem oportunidade extraordinária de adquirir informações sobre o assunto. Chegou a Londres no primeiro dia da guerra e acompanhou as actividades da RAF e das forças aéreas americanas até o final. Encontrava-se com o estado maior de Eisen-hower no dia da invasão da Europa. Para compilar este livro, leve acesso aos arquivos confidenciais da RAF e aos da f orça aérea alemã que não foram destruídos.


Um ardil que tornou possível a invasão
POR ALLAN A. MICHIE
 


A história completa, mantida em segredo durante muito tempo, do modo como   os   alemães   foram   enganados quanto ao local da invasão
 
Depois do ensaio geral em Diepe, realizado em 1942, os alemães gabavam-se sem cessar do modo como receberiam a invasão dos aliados. No entanto, quando, em 6 de junho de 1944, se realizou a invasão, perto de 6 mil navios aliados navegaram tranquilamente em direção à costa da Normandia e começaram a desembarcar tropas antes que os alemães dessem por isso. Nessa hora crítica os nazistas foram apanhados de surpresa e caíram no maior logro desta guerra, uma invasão simulada que levou os operadores de radar do inimigo a acreditar que o desembarque se efetuava no Passo de Calais, a 320 quilometros de distância do verdadeiro ponto da invasão.
Esse ardil engenhoso do dia «D» foi o episódio culminante da guerra no espaço _a batalha secreta de rádio que se desenrolou, durante quatro anos, lado a lado com a guerra de munições, entre as forças aéreas aliadas e as alemãs. Dessa batalha encoberta resultou decisiva vitória anglo-americana, poupando aos aliados perdas desastrosas de aparelhos, permitindo-lhes manter a supremacia do ar e, finalmente, preparando-lhes o caminho para um ataque total à Alemanha.
A velocidade tremenda dos combates aéreos da guerra tornava ambos os lados vitalmente dependentes das comunicações rádio-telefónicas e da telegrafia sem fios, necessárias para reunir e dirigir gigantescas flotilnas de bombardeiros, assim como para dirigir os aviões de caça contra os bombardeiros inimigos. O principal fator da defesa aérea—tanto alemã como inglesa—era o radar, o «olho» de rádio que descobre e localiza aparelhos que se aproximam. Consequentemente, o objetivo da guerra no espaço era destruir as comunicações de rádio e as instalações de radar do inimigo.
Essas contra-medidas, em abreviatura designadas por R.C.M. (Radio Counter-measures),—foram iniciadas em fins de 1940, quando os bombardeiros de Goe-ring empreenderam incursões noturnas contra as cidades inglesas. As equipagens dos bombardeiros alemães eram conduzidas aos seus alvos voando ao longo de faixas estreitas de rádio, emitidas das bases da França e Bélgica e algumas vezes cruzadas por outras faixas transmitidas da Holanda e da Noruega, sinal de que se aproximavam do alvo.
Os ingleses resolveram agir. As ondas de rádio tentam seguir em linha reta; no entanto, muitas causas naturais produzem desvios. Assim, os técnicos do R.C.M. trataram de reproduzir e exagerar esses desvios naturais. Como em geral, os alemães emitiam as faixas horas antes do ataque, os técnicos ingleses tinham tempo de as descobrir e duplicar. Desse modo eram capazes de retransmitir as faixas e gradualmente «curvá-las» em sentido diferente do alvo. Uma inclinação de dois graus era bastante para desviar os bombardeiros inimigos a perto de 15 quilómetros de distância, numa rota de 400 quilómetros.
Quando se tratava de Londres e outros portos facilmente identificáveis, a intercepção das faixas era relativamente ineficaz. Quando, porem, o ataque era dirigido a cidades menores, do interior, as faixas «curvas» levavam, muitas vezes, os bombardeiros alemães a lançar as cargas de morte em campos desertos. O maior êxito de «curvar» as faixas conseguiu-se numa noite em que perto de 200 aparelhos alemães lançaram 400 bombas, matando duas galinhas...

Quando depois os alemães abandonaram o sistema de raios e adotaram í transmissão de ordens pela telegrafia sem fios a partir das bases do continente, os ingleses tinham contribuído com uma nova ideia para a guerra de rádio. Quando um navegador alemão pedia, pela telegrafia sem fios, informações para determinar a posição do seu bombardeiro, o operador inglês, que utilizava a mesma frequência da Luftwaffe, transmitia-lhe uma informação errada. Os pilotos tantas vezes recebiam informações contraditórias que tinham de dar voltas,.perdidos sem remédio até nascer o dia, e depois aterravam no sul da Inglaterra, pensando que era a França.
Foram os alemães que lavraram o primeiro tento na interferência de radar. Em fevereiro de 1942, os navios de guerra alemães Scharnhorst, Gneisenau, e Prince Eugen safaram-se de Brest e subiram o Canal da Mancha. Os peritos ingleses de radar, que dirigiam as estações costeiras, notaram essa aglomeração de faixas que, ligeira a princípio, aumentava em intensidade quase imperceptivelmente. Quando a flotilha alemã chegou ao estreito de Dover, a aglomeração de raios era contínua, impedindo os técnicos ingleses de ver e dirigir seus navios e aviões. Os barcos alemães completaram a salvo sua travessia do estreito.
Nessa altura é que os ingleses descobriram que o radar do inimigo estava sujeito a interferências. As equipagens dos bombardeiros da RAF, ao regressar de missões, relataram que, quando ligavam o seu aparelho de I.F.F. (Identificação de aparelhos amigos ou inimigos: transmissores de rádio que automaticamente davam um sinal de código indicando o avião), os holofotes de radar do inimigo se desvaneciam algumas vezes ou desapareciam. O exame do equipamento alemão de radar—adquirido numa ousada incursão feita por Comandos e para-quedistas—confirmou a informação de que alguns aparelhos de I.F.F. acidentalmente faziam aglomerar o radar alemão. Os aparelhos I.F.F. foram, pois, imediatamente equipados com dispositivos para tal fim, que tornavam mais eficaz essa interferência, até aí obra de simples acaso. Alem disso, transmissores de alta potência, colocados ao longo da costa meridional da Inglaterra, começaram a interferir com o radar do inimigo. Paralela a esta interferência, a RAF começou também a confundir o rádio-telefone vital da Luftwaffe e as comunicações sem fios.
Na guerra no espaço não havia momentos monótonos. Assim que se iniciou a ofensiva da R.C.M., observava-se uma caça noturna permanente; os alemães tentavam por todos os meios encontrar o comprimento de ondas livre de interferência; os ingleses incessantemente perseguiam as ondas para as eliminar. Na sua procura de comprimento de ondas, os alemães modificavam ou substituíam com frequência o radar e o equipamento de comunicações. Logo, porem, que o novo equipamento estava em funcionamento, os ingleses introduziam outros métodos para interferir.
Um desses métodos, aperfeiçoadp depois de se lutar com dificuldades técnicas quase insuperáveis, era um aparelho bastante leve para ser instalado num bombardeiro de interferências. Era muito engenhoso. Um receptor automaticamente procurava os raios e, quando interceptava um sinal, aparecia uma luz no mostrador. O operador verificava primeiro a origem, transmitia depois uma nota que se movia dum lado para outro, impedindo assim qualquer conversa.
Esse   dispositivo   de   interferências,designado por «charuto aéreo», obteve tanto êxito que os alemães se viram forçados a recorrer a um transmissor de alta potência para rádio-telefonar instruções faladas aos seus caças noturnos. A RAF instalou então uma estação de alta potência para transmitir na mesma frequência e «vozes fantasmas» começaram logo a espalhar confusão, transmitindo ordens contraditórias. Os «fantasmas» não só falavam alemão correntemente, como se aperfeiçoavam em imitar as vozes dos mecânicos alemães.-
Essa técnica, denominada operação «Corona», foi usada, pela primeira vez, na noite de 22 para 23 de outubro de 1943, quando os bombardeiros da RAF fizeram um forte ataque a Kassel. Durante a incursão, os alemães descobriram que qualquer coisa não ia bem, e os monitores de -rádio da RAF ouviram os alemães dizer aos pilotos dos aviões de caça noturnos que tomassem «cuidado com outras vozes», prevenindo-os que «não se deixassem desviar pelo inimigo». Depois de exclamações um tanto violentas do controlador alemão, a voz «fantasma» disse: «O inglês está dizendo nomes feios...» O alemão gritou: «Não é o inglês, sou eu!» No fim do ataque era tal a confusão que os pilotos alemães se descompunham uns aos outros.
Os peritos da R.C.M. calcularam que os alemães poderiam de repente tentar vencer a «voz fantasma» colocando urna voz feminina ao microfone. Por isso foram recrutadas três mulheres do corpo feminino, que falavam alemão, para se manterem alerta. Uma semana depois, quando os alemães de fato colocaram uma mulher ao microfone, uma das moças do corpo feminino inglês começou a imitá-la e os pilotos da Luftwaffe ficaram tão confusos como dantes.
Uma das contra-medidas mais eficazes e espectaculares era o uso de tiras de alumínio conhecidas por «janelas», para confundir os operadores alemães de radar. Os cientistas da RAF descobriram que certo número de fitas metálicas pendentes, próximas umas das outras mas sem se tocar, simularia o reflexo dum avião num indicador do equipamento de radar. Se fossem lançadas bastantes fitas, intervaladas, produzir-se-ia o obscurecimento completo do indicador nos mostradores do inimigo ou resultariam «ecos» falsos, de modo que os operadores de radar não seriam capazes de distinguir entre os «ecos» e os aviões propriamente ditos.
O processo da «janela» foi inicialmente empregado no primeiro dos quatro reides maciços que virtualmente destruíram Hamburgo na última semana de julho de 1943. Cada um dos 791 .bombardeiros que saíram naquela noite deixou cair um feixe de 2 mil tiras de alumínio em cada minuto ao longo da rota para o alvo. Considerando que cada feixe produziria um «eco» nos mostradores do inimigo, de 15 minutos de duração, o número total de «ecos» durante a incursão representaria 12.500 aviões!
O efeito sobre a defesa alemã baseada no radar foi imediato e devastador. As equipagens dos bombardeiros relataram que os holofotes controlados pelo radar varriam o horizonte por todos os lados, enquanto se abria um fogo de barragem às cegas, na direção donde vinham os «ecos». Os caças noturnos alemães, que dependiam do radar em terra para a sua rota e do radar aéreo para a intercepção final, encontravam-se impossibilitados de agir com eficácia. Os 12 bombardeiros da RAF que se perderam naquela noite— apenas 1,5 por cento dos aparelhos que saíram—foram atingidos unicamente por acaso.
Com a sua direção de radar grandemente inutilizada pelo método «janela», os caças noturnos da Luftwaífe tiveram de usar o sistema de intercepções por tentativa, guiados parcialmente por observadores de terra que localizavam os bombardeiros a olho ou pelo som, auxiliados por focos ou projetores com localizadores de som. Essa defesa era rudimentar, comparada ao sistema que precedera o da «janela», e seus pontos fracos permitiram ao Marechal Harris, comandante do Grupo de Bombardeiros da RAF, bombardear o alvo mais ambicionado, isto é, Berlim.
Na primavera de 1944, os alemães já se encontravam tão atormentados pela ofensiva anglo-americana de interferências que seus transmissores já enviavam mensagens simultâneas por vinte comprimentos de onda, com a esperança de que uma, pelo menos, fosse captada.
A recompensa de toda a campar, ha da R.C.M. chegou durante as horas críticas, antes da hora H, no dia da invasão.
Embora os ataques aéreos preliminares tivessem reduzido seriamente a eficácia do sistema de radar alemão na costa ocidental, muitas das mais de cem estações conhecidas de radar, entre Chergurgo e o Scheldt, ainda funcionavam na véspera da invasão. Afim de assegurar o êxito dos desembarques, era essencial que essas vigias de radar fossem enganadas ou confundidas. Na área escolhida, o radar do inimigo tinha de ser aniquilado, pois que o êxito inicial da invasão dependia grandemente do elemento surpresa. Noutras e determinadas áreas os operadores alemães de radar teriam de ver coisas que sugerissem uma força invasora a aproximar-se.
Para atingir esses fins, os técnicos da R.C.M. produziram e ensaiaram um programa enganoso em cinco partes: operações «Taxable», «Glimmer», «ABC Patrol», «Titanic» e «Mandrel». Na noite de 5 para 6 de junho, enquanto a armada invasora atravessava o Canal da Mancha em direção à península de Cherburgo, entraram simultaneamente em ação as cinco partes do programa.
Os alemães ficaram convencidos de que os aliados tentariam desembarcar acima do Havre, provavelmente no Passo de Calais, e dessa convicção dependia o êxito de toda a operação de engano. Fazendo parte da operação «Taxable», 18 navios pequenos da marinha inglesa navegavam a nove nós, rumo ao Cabo de Antifer, mesmo acima do Havre, com o fim de produzir a impressão de um desembarque naquele ponto da costa francesa.- Cada navio rebocava vários balões que produziriam um «eco» de navios grandes nos mostradores de radar do inimigo. Como, no entanto, os operadores de radar do inimigo poderiam em breve descobrir o tamanho limitado dessa flotilha, cada um dos doze aviões que a acompanhavam deixou cair um feixe de tiras de alumínio do sistema «janela» a intervalos dum minuto, dando a impressão dum grande comboio dirigindo-se vagarosamente para a França. Os dispositivos de interferência em cada avião funcionavam sem descanso, afim de evitar que o radar alemão reconhecesse claramente a burla das «janelas». Eram necessárias uma sincronização meticulosa e uma obediência cuidadosa ao programa, mas durante três horas e meia os aviões voaram numa órbita contínua duma área de 19 por doze quilometros.
Simultaneamente a operação «Glimmer» executava uma manobra enganosa idêntica, em direção a Bolonha, e na região entre estes dois simulacros 29 aviões l .ancaster—a patrulha «ABC»—voavam para trás e para diante, durante quatro horas, ao largo da costa inimiga, com o fim de mistificar os caças noturnos alemães sobre a verdadeira área da invasão. E esses 29 bombardeiros continuamente interferiam com o radar inimigo, auxiliados por nada menos de 82 aparelhos de interferência. Uma razão secundária da operação «ABC Patrol» era a esperança de que os alemães tomariam esses aviões como uma cobertura aérea da invasão simulada pelas operações «Taxable» e «Glimmer».
Ao mesmo tempo, realizava-se a operação «Titanic», destinada a distrair os alemães enquanto as tropas paraquedistas desciam na Normandia. Pouco antes de começar a descida do exército de paraquedistas, uma pequena força da RAF voou por cima do Havre e lançou centenas de bonecos de madeira em paraque-das, que flutuaram sobre a área de Fé-camp. No mesmo instante, outros aviões deixavam cair mais bonecos na península de Cherburgo, no flanco direito das verdadeiras tropas paraquedistas. Junto aos bonecos, lançaram as fitas do processo «janela» com o fim de convencer os operadores de radar do inimigo de que o ataque simulado dos paraquedistas era vinte vezes maior.
Entretanto, a verdadeira armada da invasão era encoberta por meio duma operação intensíssima de interferências de radar. Vinte e quatro bombardeiros da RAF e americanos, equipados com os dispositivos de interferências, voavam para trás e para diante, a perto de seis mil metros de altitude, ao longo de 8o quilómetros da costa do inimigo, confundindo as estações alemãs de radar na península de Cherburgo durante horas consecutivas. Essa barragem não só escondia a chegada dos bombardeiros aliados à Normandia, para bombardear fortemente as defesas costeiras e o longo comboio de aviões de transporte de tropas e planadores que tomavam parte na invasão, como também evitava que o inimigo descobrisse a esquadra de invasão. Quando os navios chegaram a distância conveniente, também começaram a tomar parte na barragem de interferência.
O resultado foi perfeito. Os alemães convenceram-se de que a operação «Glimmer» perto de Bolonha era uma ameaça genuína; dirigiram para esse ponto toda artilharia e projetores. Enviaram navios para interceptar o comboio imaginário. A maioria dos caças alemães disponíveis sairam para atacar os aviões que tomavam parte na operação «ABC Patrol», sob a impressão de que se tratava da cobertura aérea da esquadra de invasão. Esta, a mais importante diversão daquela noite, atraiu a maior parte dos caças noturnos do inimigo, que abando-raram a área da Normandia onde operavam os aviões, transportes de tropas e planadores aliados. Os bonecos em para-quedas, lançados pela operação «Titanic », também produziram no inimigo uma reação imediata. Enquanto os alemães se apressavam a cercar os paraquedistas de madeira, as verdadeiras tropas aéreas tiveram tempo de consolidar as posições nos flancos orientais e ocidentais das praias de desembarque. A interferência combinada dos aviões e navios espalhou uma confusão completa no sistema de radar alemão e em certa altura os telegrafistas aliados ouviram o inimigo identificar a «ABC Patrol» como a guarda avançada de grande força de bombardeiros em direção a Paris.
Atingiram-se os objetivos das cinco operações com grande êxito. Somente quando a artilharia naval aliada iniciou o bombardeio preliminar às cinco e meia da manhã, em ponto, é que os alemães compreenderam onde e quando se realizara a invasão.




(Texto extraído das Seleções Reader's Digest de janeiro de 1947)


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