quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Homem Mais Perigoso da Europa


Onde estará o ousado chefe dos sabotadores de Hitler?

O homem mais perigoso da Europa
(Condensado de «Argosy») Por Thomas M. Johnson

UM GIGANTE de cabelo castanho, belo tipo de homem, com uma cicatriz que vai da orelha esquerda até o queixo, entra no Quartel General norte-americano perto de Salzburg, na Áustria, no dia 17 de maio de 1945. Em continência, leva a mão à pala do quepe tombado para a direita, onde se vê a insígnia da Guarda de Elite de Hitler, e declara com toda a calma:
—O tenente-coronel Otto Skorzeny, da S.S., entrega-se.
Para o praça americano de serviço, a rendição de alemães já era coisa tão comum quanto a sua própria ração alimentar. Indolentemente gesticulou com o polegar, dizendo:
—Muito bem, Otto. Pode ir para o xadrez.
O oficial lançou um olhar com o sobrolho carregado e fez meia-volta. A luz se projetou sobre filas de medalhas, sobre um par de olhos azuis que revelavam frieza. Um oficial do Serviço de Informação, metido numa farda velha, fitou o pulso do recem-chegado. —O relógio de Mussolini, disse calmamente ao praça. —E o tal Skorzeny, o mais importante agente secreto inimigo que estava em nossa lista para ser apanhado.
Nossos caçadores de espiões não tinham inimigo mais perigoso que esse astuto e ousado aventureiro de 1,90 m de altura e 100 quilos de peso. Ele chefiara o maior plano de sabotagem jamais dirigido contra as forças norte-americanas, hábil truque pelo qual alguns nazistas, com uniforme das forças dos Estados Unidos, haviam disseminado confusão na retaguarda das linhas norte-americanas na Normandia e, sob ameaça de assassinato, tinham forçado o Estado-Maior do general Eisenhower a manter o irado supremo comandante das forças aliadas virtualmente prisioneiro em seu próprio Quartel General, durante dez dias.
Mais de um ano antes, com menos de 50 homens, ele arrebatara Mussolini a uma guarda de 400 italianos, no pico de uma montanha, deixando o Duce tão surpreso quanto radiante. Esse rapto, levado a efeito com planadores e aviões pequenos, permitiu a Mussolini estabelecer um novo governo no norte da Itália e contribuiu para que os alemães prolongassem a resistência. O ditador italiano presenteou-o com um relógio de pulso, trabalhado; Hitler lhe deu a Cruz de Cavaleiro... e outras missões delicadas.
Em outubro de 1944, espiões alemães haviam informado que o almirante Nicholas Horthy, regente da Hungria, estava para renunciar à sua aliança com Hitler e se unir a Stalin. Skorzeny escalou o muro do castelo de Horthy, verificando então que o almirante fugira depois de irradiar a rendição de seu país. Alguém revelou o esconderijo de Horthy e, enquanto os russos procuravam forçar os portões, Skorzeny levou-o cativo para Munique. Na Jugoslávia, Skorzeny ajudara a impedir que Mihailovitch e Tito se unissem contra os alemães. Foi depois do incidente com Horthy que Hitler entregou ao seu homem de confiança a missão que viria coroar-lhe a carreira. O Fuehrer estava planejando um último e frenético golpe, uma estratégia de desespero. Contra a frente norte-americana, na acidentada região das Ardenas, fracamente guarnecida afim de poupar tropas para serem usadas em outros ataques, ele iria lançar suas últimas reservas estratégicas, encabeçadas por divisões blindadas de elite. Essas unidades avançariam para o norte, cercariam metade das tropas norte-americanas, inglesas e canadenses que se achavam na Europa, e se apoderariam dos seus enormes suprimentos bem como do seu melhor porto—Antuérpia. Segundo esperava Hitler, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha ficariam, assim, paralisados por tempo suficiente para que os alemães produzissem bombas V, aviões de propulsão a jacto e submarinos de novo tipo em quantidade capaz de assegurar-lhe a vitória final, apesar dos reveses já sofridos.
"Existe, porem, um obstáculo," confessou Hitler secretamente a alguns de seus auxiliares. "Como tomaremos as pontes sobre o Mosa de maneira que nossas divisões blindadas o possam cruzar?... Ah, já sei! Tragam aqui o Skorzeny!"
Em uma sala secreta, onde se discutiam planos de guerra, no dia 22 de outubro, o Fuehrer—apresentando ainda contrações dos músculos faciais em consequência da explosão da bomba com que em julho pretenderam tirar-lhe a vida—confiou a Skorzeny seu audacioso estratagema. Skorzeny teria que escolher, entre as forças armadas, um destacamento especial composto de 2 mil indivíduos destemidos, todos capazes de falar inglês. Eles usariam fardas de norte-america-nos prisioneiros ou mortos, e seriam enviados para as linhas ianques como espiões, sabotadores e disseminadores de notícias tendentes a destruir o moral das tropas. A eles competiria tomar as pontes sobre o Mosa e garantir a passagem do grosso das tropas. Skorzeny tinha de estar pronto para agir em menos de dois meses.
Skorzeny reuniu os seus homens em Friedenthal (Vale da Paz!), perto de Oranienburg, e os familiarizou com o equipamento, as armas, as formações, a hierarquia e os costumes dos norte-americanos. "Não sejam demasiado marciais," ordenou ele. "Nada de batida de calcanhares."Dando-lhes cigarros norte-americanos, ensinou aos subordinados como acendê-los à maneira dos ianques. Receberam cartões de identidade do Exército ianque, dinheiro americano e até cartas e fotografias dos Estados Unidos. A operação foi cognominada de «Greif», ou seja, «Grifo», o animal mitológico.
Mas a operação não podia permanecer totalmente secreta. O Serviço de Informação do Primeiro Exército Norte-Americano interceptou uma ordem para que os soldados alemães que falassem inglês se apresentassem a Skorzeny. Conhecida, como era, a reputação deste, o coronel americano Benjamin A. Dickson fez uma comunicação, em 10 de dezembro, na qual declarava: "A ordem é obviamente um presságio de operações especiais de sabotagem, ataques a centros de comando e outras instalações vitais, por especialistas infiltrados nas fileiras ou lançados em para-quedas." E acrescentou: "Um prisioneiro inteligente, cujas declarações coincidiram perfeitamente com fatos apurados, informou que se estão coordenando todos os meios possíveis para uma grande contra-ofensiva que se avizinha."
Oficiais de alto posto, do Serviço de Informação dos Aliados, estavam, porém, em dúvida. Não foram mais enviadas tropas norte-americanas para a frente das Ardenas. E no dia 16 de dezembro os nazistas atacaram.
Enquanto 17 divisões alemãs, a que se seguiram mais 12, avançavam destruidoramente na batalha que se tornou uma das maiores da guerra, milhares de canhões alemães abriam caminho através das acidentadas Ardenas, então envoltas em neve. Entrementes, os "americanos" de Skorzeny, em jeeps americanos capturados, agiam livremente. Fazendo, para as unidades alemãs, sinais combinados, como o erguer de capacetes ou o piscar de lâmpadas de bolso com luz colorida, eles trafegaram pela agitada frente norte-americana, localizando pistas de aterrissagem de aviões e depósitos de suprimentos e explorando as vias por onde os reforços norte-americanos lutavam para alcançar o seu destino. Isso contribuiu para que a artilharia alemã infligisse pesadas perdas ao adversário. Os sabotadores obstruíram as estradas com troncos de árvores, arrebentaram fios de telefone, atrapalharam o tráfego, trocando as placas indicativas e, com a remoção de avisos dos campos minados, destruíram caminhões. Um deles, envergando a farda da polícia militar norte-americana, postou-se-numa encruzilhada e fez sinal a um regimento ianque indicando o caminho errado.
A princípio, poucos americanos se aperceberam de que entre eles havia inimigos disfarçados, agindo de maneira tão nociva. Mas no dia 18 de dezembro, em Aywaille, na Bélgica, a polícia militar interrogou três soldados que não conheciam a senha. Possuíam documentos segundo os quais eles pertenciam à Quinta Divisão Blindada e contaram histórias muito persuasivas, mas "eram excessivamente corteses". Isso foi o bastante para os levar a depender da misericórdia do tenente Frederick Wallach, ex-juiz alemão, evadido de Dachau e encarregado de interrogar os nazistas capturados pelo Primeiro Exército Norte-Americano. A estratégia que ele adotou consistiu em censurá-los por não terem vergonha de usar outro uniforme que não o do Exército Alemão. O truque surtiu efeito. "A história que eles contaram corrobora aquela ordem capturada," Wallach relembrou aos seus superiores. Para muitos dos oficiais ianques, porem, o plano parecia "fantástico demais". Em breve, oficiais da Contra-Informação deram com um rádio e um código alemães em um jeep recapturado, e radiotelegrafistas norte-americanos ouviram tripulantes de jeeps enviar relatórios de danos infligidos a coberto de uniformes norte-americanos.
Isso motivou uma colossal caça a espiões. Soldados da polícia militar norte-americana e do Serviço de Contra-Informação, sempre que desconfiavam da nacionalidade dos tripulantes de jeeps e outros veículos, encostavam-lhes o cano do fuzil nas costelas e faziam-lhes uma série de perguntas corriqueiras, mas que só podiam ser respondidas com acerto por quem tivesse morado nos Estados Unidos. Alguns motoristas, amedrontados pelas perguntas, denunciavam-se involuntariamente, procurando acelerar o carro; outros, tentando varar as barreiras das estradas.
No dia 19 de dezembro, agentes da Contra-Informação descobriram dois supostos segundos-tenentes ianques em um jeep observando a passagem de reforços americanos. Inquiridos, exibiram atestados de vacina e medalhas de identificação, contando minuciosas histórias de sua vida militar. Tinham sido treinados, disseram eles, em Camp Hood. Quase satisfeito, um dos agentes perguntou:
—Já estiveram no Texas?
—Não, nunca, respondeu um dos alemães.
—Mãos ao alto! bradou o agente, puxando a pistola. —Camp Hood é no Texas!
Em Liége—num cruzamento do rio Mosa, um dos objetivos especiais de Skorzeny—tripulantes de um jeep arrojadamente indagaram onde ficava o quartel general da Zona de Comunicações. Instantaneamente, os homens se viram rodeados por soldados da polícia militar fortemente armados. Wallach foi chamado para aplicar a técnica da "vergonha" a um tenente recém capturado. Este em breve passou a dar nomes, descrevendo todos os oficiais de Skorzeny e fornecendo pormenores: a 150ª Brigada Panzer, também sob o comando de Skorzeny, usando tanques americanos, estava se fazendo passar por tropas ianques em retirada até que pudesse apoderar-se das pontes sobre o Mosa.
Levado ao quartel do Primeiro Exército para novo interrogatório, o tenente começou por dizer que contara tudo quanto sabia.
"Muito bem," responderam-lhe. "Vamos levá-lo ao Comissário."
Como a maioria dos alemães, o tenente tinha pavor dos russos e, diante de um gigante em uniforme do Exército Vermelho que lhe fazia perguntas em alemão com sotaque estrangeiro (pois era norte-americano), empalideceu, confessando com voz rouca: "Queremos pegar Eisenhower também. Skorzeny e outros farão o papel de oficiais americanos conduzindo generais alemães capturados para o Supremo Quartel General em Versalhes, afim de serem interrogados. Eles viajarão em automóveis americanos. Uma vez lá dentro do quartel-general, voltarão as armas para os membros do Estado Maior, e Eisenhower será raptado ou morto pelo próprio Skorzeny. "
A história podia ser pura invenção, mas o Supremo Quartel General das Forças Expedicionárias Aliadas (SHAEF), conhecendo Skorzeny, achou mais prudente acautelar-se. O Hotel Trianon e outros edifícios que alojavam o SHAEF foram cercados de arame farpado, tanques e quase mil soldados e elementos da polícia militar bem armados. Estes, nas estradas, examinavam os passes em pontos distantes e "saudavam" com interrogatórios e metralhadoras todos os que se aproximavam. Cinco agentes da Contra-Informação estavam encarregados de exigir que todos os visitantes de Eisenhower fossem identificados por um ajudante de ordens. O general mudou-se para uma casa no mesmo conjunto murado, cujas portas, janelas e teto estavam sob contínua vigilância. Por vários dias ele não saiu de casa, pois a Contra-Informação receava que atiradores inimigos o alvejassem de longe. Mas seu espírito ativo acabou por se rebelar e ele exclamou: "Às favas tudo isso! Eu vou dar uma volta!" Atendeu, porém, aos pedidos do seu Estado-Maior quando soube que, se não ficasse dentro de casa, os seus auxiliares imediatos destacariam, para protegê-lo, ainda mais soldados, tão necessários em outros setores da luta.
Entrementes, na Normandia, cerca de 50 tanques norte-americanos da 150ª Brigada Panzer haviam pegado de surpresa um batalhão blindado americano e liquidado metade dele. "Nossos próprios tanques estão atirando contra nós!" correu o alarme. Foram então destacados alguns soldados da polícia militar com instruções de comunicar qualquer movimento de tanques não estabelecido no plano de operações. Foi suspenso o tráfego no Rio Mosa, ambas as margens passaram a ser patrulhadas e quem quer que tentasse atravessar o rio era preso e examinado. Por esse meio, foram presos 54 alemães em uniformes aliados ou à paisana.
Disseminando notícias de derrotas, os sabotadores da 150ª Brigada Panzer disfarçada estavam a ponto de atingir a última linha de defesa norte-americana avançada sobre o Mosa. Em Malmédy, Skorzeny encontrou a artilharia americana pronta para entrar em ação. Assim, antes de atacar, mandou soldados a pé para indagarem dos artilheiros quantas peças tinham, e de que espécie eram. Os espertos artilheiros agarraram os impostores, e os canhões deram a resposta. Os tanques americanos roubados foram destruidos e de suas ruinas foram retirados numerosos alemães, mortos e vivos, todos com fardamento americano.
O Primeiro Exército começou no dia 22 de dezembro a julgar os sabotadores em um tribunal militar. As alegações que faziam em sua defesa podiam ser assim resumidas:
Oficial: "Eu cumpro ordens. Se me mandassem atirar em minha mãe, eu atiraria."
Soldado: "Pela mãe-pátria praticamos até mesmo os atos mais vis."
Todos foram condenados por terem violado as leis de guerra ao usarem uniforme do inimigo atrás de suas linhas, para ludibriá-lo e praticar atos de espionagem e sabotagem. A sentença de morte foi executada em Henri Chapelle, na Bélgica, por um pelotão de fuzilamento.
Ninguém sabe quantos participantes da "Operação Greif" morreram em batalha, mas é certo que uns 130 foram executados após julgamento. A Contra-Informação do Primeiro Exército divulgou os seus nomes pela Rádio Luxemburgo, com detalhes sobre a "Operação Greif" e uma descrição dos oficiais ainda não capturados, especialmente Skorzeny. O corpulento austríaco chegou tão perto do campo de luta, que um fragmento de granada o feriu. Ele aguardava uma oportunidade de levar avante o que restava de sua 150ª Panzer, em sua missão de engano e morte. A irradiação foi a prova final de que a oportunidade lhe havia escapado. Relutantemente, Skorzeny disse aos seus desesperados colaboradores que tirassem os uniformes ianques. A "Operação Greif" estava kaput, fracassara.
SKORZENY agora representava um papel velado, porém importante, na missão de tornar o avanço aliado na Alemanha lento e oneroso. Como Chefe de Sabotagem do Serviço de Informação dos nazistas, semeava agentes secretos em todos os lugares de onde os alemães estavam prestes a retirar-se. Em acantonamentos e quartéis abandonados, eles colocavam explosivos ocultos por engenhosa camuflagem. Alguns eram de matéria plástica e podiam ser afixados nos cantos dos soalhos ou dos tetos. Havia armadilhas para serem colocadas em pianos, mapas enrolados ou tábuas de privada. Outras, assemelhando-se a pequenas pedras, seixos e até mesmo estrume, eram espalhadas pelas rodovias para fazer explodir os caminhões. Uma das últimas coisas que Skorzeny fez foi desenhar e distribuir as cápsulas de veneno com as quais alguns figurões nazistas, inclusive Goering e Himmler, se suicidaram.
Quando Skorzeny se entregou às autoridades norte-americanas, disse que nunca pretendera, realmente, matar Eisenhower. Aquilo não passara de um plano que havia engendrado para entusiasmar os seus homens. Ele sabia que alguns seriam capturados, contariam a história e, assim, aumentariam a confusão. Com polidez, mas sem a menor hesitação, ele declarou: "Se eu o tivesse planejado, teria tentado; se tivesse tentado, teria conseguido."
Ante um tribunal de 9 oficiais, em Dachau, a promotoria retirou algumas acusações, inclusive a implicação no famoso massacre de prisioneiros americanos em Malmédy. O incansável lúdibriador jurou que muitos outros soldados além dos seus auxiliares, inclusive ingleses e russos, haviam usado uniformes inimigos, e que ele recomendara aos seus homens que usassem o disfarce para penetrar nas linhas norte-americanas, mas que despissem a farda antes de dar o primeiro tiro. No dia 8 de setembro de 1947, o tribunal, depois de somente duas horas e meia de sessão, pôs em liberdade Skorzeny e sete de seus ajudantes.
"Tive um julgamento leal," disse Skorzeny, "e não fui fisicamente maltratado, embora me tenham feito passar 22 meses na solitária. Minha única reclamação é que alguém libertou... o relógio que Mussolini me deu."
Como oficial da S.S., Skorzeny agora enfrentaria um tribunal alemão de desnazificação. Em sua prisão, na Alemanha, recebeu dos Estados Unidos cartas de admiradores, inclusive oferecimentos de auxílio, provavelmente em consequência dos artigos publicados pela imprensa a respeito de sua absolvição, o que provocou um sentimento de pena em alguns espíritos no outro lado do Atlântico.
Na manhã de 25 de julho de 1948, seu carcereiro, alemão, descobriu que ele tinha fugido.
"Esse homem tem muitos seguidores que estão em liberdade," disse, enraivecido, seu promotor, o coronel Alfred J. Rosenfeld. "Acredita-se que eles tenham organizado um movimento clandestino e estejam esperando que Skorzeny assuma a chefia. Ele é o homem mais perigoso da Europa."
O belo gigante de cicatriz no rosto, tão facilmente reconhecivel, ainda está à solta.




Seleções Reader's Digest - Maio de 1949

domingo, 23 de agosto de 2009

TORPEDO!


A história do Archerfish, o submarino que desmantelou o cerne da Marinha Japonêsa

Capitão-de-Fragata Edward L. Beach, da Marinha dos Estados Unidos
Condensado de "Submarine!"


O SUPERENCOURAÇADO japonês Shinano, juntamente com os navios Yamato e Musashi, de igual tipo, estava em construção em meados de 1942 e era o maior navio de guerra jamais construído. Maior que o Bismarck, o monstro alemão de 50 mil toneladas, e quase três vezes maior que o Oklahoma, que jaz de quilha para cima no lodo de Pearl Harbor. Couraças de 50 centímetros de espessura, máquinas de 200 mil H.P. e canhões que atiravam projetis de 457 milímetros de diâmetro. Depois da batalha de Midway, em que quatro navios-aeródromos japoneses foram destruídos, o Ministério da Marinha resolveu transformar o Shinano em navio-aeródromo. Parte da formidável couraça foi retirada; seus enormes canhões e torres nunca chegaram a ser instalados; e o peso correspondente foi utilizado num convés de voo, de dez centímetros de aço, quase 300 metros de comprimento e cerca de 40 metros de largura, capaz de transportar 150 aviões, podendo lançá-los e recolhê-los simultaneamente. Em novembro de 1944 realizou-se a cerimónia de incorporação. Um retrato do Imperador, numa moldura dourada e ornamentada, foi pomposamente entregue ao navio.
Então chegaram más notícias. Relatórios do Serviço de Informações indicavam que os ataques aéreos sobre a área de Tóquio passariam a ser cada vez mais intensos. Havia uma possibilidade de que o valoroso navio em construção fosse destruído enquanto ainda em preparo no arsenal.
Decidiu-se que o Shinano deveria seguir imediatamente para as águas mais seguras do Mar do Japão. Tratava-se de um viagem de algumas centenas de milhas apenas, mas cerca da metade passaria por águas acessíveis aos submarinos americanos. Era um risco que tinha de ser enfrentado. A viagem devia ser a tão alta velocidade que os submarinos não pudessem alcançá-lo. Havia necessidade de absoluto segredo.
A 28 de novembro, o Shinano suspendeu, acompanhado de uma escolta de quatro contratorpedeiros. Marinheiros e operários enchiam o convés.
No mesmo dia, o submarino norte-americano Archerfish estava fazendo patrulha imerso próximo à baía de Tóquio. Às^ 17.18 horas, ele veio à superfície. As 20.48 horas o Destino interveio.
—Contato radar!
Pelo tamanho da projeção do alvo e pela sua velocidade não há a menor dúvida de que o Archerfish tem pela frente algo realmente grande. Dentro de poucos minutos o Archerfish está andando na sua velocidade máxima normal, 18 nós, levantando um bigode de espuma na proa, atravessando o mar em perseguição cerrada.
O alvo navega a 20 nós, mas viaja em ziguezagues. Se o Archerfish puder determinar o seu rumo-base e navegar paralelo a ele, descontando os ziguezagues, talvez possa adiantar-se e alcançar uma posição de ataque, não obstante a diferença de velocidades.
Mas 18 nós não bastarão. Da torreta vem um chamado:
— Vamos dar tudo o que pudermos! Preciso de mais velocidade!
Abanando a cabeça, os suboficiais eletricistas manipulam cuidadosamente seus reostatos para aumentar um pouco a carga dos geradores. As hélices aumentam sua velocidade. O Archerfish está dando o máximo e o mostrador indica 19¹/² nós.
Uma hora depois do contato inicial, o alvo é avistado pela primeira vez. Um navio-aeródromo! O grande prémio, o prémio máximo! O Archerfish poderá afundar aquele monstro?
O Comandante Joe Enright percorre o submarino todo. Pede ao oficial de máquinas mais uma rotação das hélices. Manda o oficial de torpedos verificar se todas as ajustagens de última hora estão feitas. Rabisca uma radiomensagem:


DO ARCHERFISH AO COMANDO SUBMARINOS PACÍFICO E TODOS SUBMARINOS ÁGUAS JAPONESAS ESTOU SEGUINDO NAVIO-AERÓDROMO QUATRO CONTRATORPEDEIROS POSIÇÃO 3230 N 13745 E, RUMO-BASE 240, VELOCIDADE 20.


De Pearl Harbor vem a resposta do Almirante-em-Comando:


FOGO NELE JOE ESTAMOS TORCENDO POR VOCÊ.


O submarino persegue ansiosamente a sua presa.
Às 23.00 horas o grupo do alvo vira em ângulo na direção do Archerfish, mas não se aproxima o suficiente para dar uma oportunidade de imergir e atacar. O Archerfish não desanima e continua a perseguição.
Às 03.00 horas o Shinano aproxima-se do seu fim. O rumo-base é alterado novamente e, com espanto de todos, o Archerfish encontra-se quase pela proa do alvo.
Ah-uuuh-ga! Ah-uuuh-gal O alarme para imersão parece mais penetrante do que de costume.
—Postos de combate em imersão!
—Fechada a escotilha, Comandante!
—Lemes horizontais oito graus aproado! Máquinas adiante um terço! Cinquenta e cinco pés!
Cada homem executa suas funções com perfeição e o Archerfish mergulha suavemente sob as ondas. O radar obtém uma última leitura antes de imergir a antena: 10.530 metros, distância diminuindo rapidamente.
—Içar o periscópio!
O tubo comprido e luzidio sobe em seu berço. O Comandante faz uma visada longa e cuidadosa através da luz precária de antes do amanhecer. Em todo o barco a guarnição está ansiosa:
—Teremos imergido na posição correta?
Em voz baixa o Comandante informa:
—Eu o estou vendo.
Suas palavras percorrem o navio. Os homens se entreolham com rígidos, e fugazes sorrisos de orgulho.
—Nós o temos no periscópio.
Ouve-se agora mais alto, a voz do Comandante:
—Distância—marcação! Arriar periscópio!
Tudo está correndo satisfatóriamente. Navegando a 20 nós, o alvo percorrerá a distância até ao Archerfish em nove minutos. A distância para a rota projetada é 500 metros. Perto demais! O Archerfish estará praticamente por baixo do alvo quando este passar.
—Todo o leme a bombordo!
Guinando mais na direção do alvo, o Archerfish manobra para uma posição favorável ao ataque.
—Quanto tempo falta?—indaga àsperamente o Comandante.
—Em dois minutos ele estará aqui!
—Içar o periscópio!
Rapidamente o Comandante faz girar o periscópio, varrendo a superfície. De repente pára.
—Arriar periscópio! Estamos por baixo da escolta!
O periscópio é arriado. Com um ronco como o de um trem expresso, as hélices de um velocíssimo çontra-torpedeiro passam por cima.
—Esta é uma observação para o tiro! Os torpedos estão prontos?
Inconscientemente, a voz do Comandante tinha-se tornado áspera e enérgica. Aquele era o momento pelo qual haviam trabalhado.
—Estamos prontos para atirar, Comandante.
—Içar periscópio! Parece perfeito! Marcação—atenção!
E então a palavra final, a ordem que era o fim em vista:
—Fogo!
Com intervalos de oito segundos, seis torpedos partiram céleres em direção ao alvo enorme. O Comandante observou pelo periscópio.
Quarenta e sete intermináveis segundos depois do tiro o Archerfish obteve o prémio de seus esforços.
Bam! E, oito segundos depois: Bam! Dois acertos bem vistos! Mas não havia tempo para ficar como espectador. Já se aproximava um contratorpedeiro a menos de 500 metros.
— Vamos mais fundo! Ao prepararem a descida, ouviram-se mais quatro acertos positivos.
Depois disso o relatório da patrulha do Archerfish registra apenas o seguinte: "Começamos a receber um total de 14 bombas de profundidade."
E o Shinano? Projetado para resistir a 20 ou mais torpedos, não naufragou imediatamente. Se tivesse sido corretamente manobrado por sua inexperiente guarnição, e se tivesse sido bem construído, talvez alcançasse um porto.
Mas a água dos compartimentos danificados passava para os não atingidos através de portas-estanques que não tinham sido testadas. O pessoal de máquinas quis dar partida às
bombas de esgoto—e verificou que não tinham sido montadas ainda.
Em desespero, organizaram-se filas de baldes, mas as seis enormes perfurações no costado desafiavam todos os esforços.
E aí falhou a disciplina. Os homens começaram a abandonar as filas de baldes isoladamente ou em grupos. Em atitude fatalista, a maioria da guarnição novata concentrou-se no convés de voo, na esperança de ser salva pelos contratorpedeiros que navegavam em torno do navio-aeródromo ferido.
Quatro horas depois de mortalmente atingido, o Shinano era um casco perdido e cada vez mais adernado. Só havia uma coisa a fazer: o Imperador, na sua moldura dourada, foi retirado do passadiço e transferido para um contratorpedeiro parado ao lado. Depois teve início a faina de abandono do navio.
Pouco antes das 11.00 horas do dia 29 de novembro o Shinano virou, desaparecendo o seu convés de voo e expondo o bojudo e brilhante fundo, com suas quatro hélices de bronze na popa. Durante vários minutos ele se manteve assim, trepidando e gemendo. Depois, repentinamente, a proa elevou-se parcialmente fora da água, com o escovém da amarra parecendo um olho gigantesco, como se o Shinano quisesse lançar um último olhar ao mundo que estava deixando. E rapidamente desapareceu debaixo d'água.
O Shinano havia navegado em mar aberto menos de vinte horas.


Seleções Reader's Digest - Abril de 1953

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