domingo, 15 de março de 2009

"Paris Está em Chamas?"

"Paris Está em Chamas?", perguntou Hitler quando se tornou evidente que os Aliados estavam prestes a reconquistar a cidade. Ele cria que a capital francesa estava em chamas, pois suas ordens haviam sido selvàti-camente explícitas: a capital francesa devia ser destruída antes de ser abandonada.
Quase igualmente selvagens eram os planos dos comunistas franceses com relação a Paris: uma insurreição armada contra os alemães, a qual, esperavam, daria aos comunistas o controle de toda a França. "Paris vale 200 000 cidadãos mortos", disse friamente um chefe comunista.
A história da milagrosa sobrevivência de Paris e sua dramática libertação pelos Aliados e pelo General Charles de Gaulle é uma narrativa extraordinariamente tensa, repleta de informações novas e surpreendentes.

"Paris
Está em
Chamas?"

LARRY COLLINS e DOMINIQUE LAPIERRE




Durante quatro anos—a partir de junho de 1940—os parisienses haviam suportado as humilhações e os terrores da ocupação alemã. Tinham aprendido de certo modo a aceitar o desfile diário de tropas de uniforme verde marchando com suas botas ferradas pelos Champs-Elysées, o completo desaparecimento de sua bandeira e a visão da grande bandeira vermelha com sua suástica negra flutuando na Torre Eiffel; e até os gritos noturnos que penetravam através das grossas paredes do n.° 74 da Avenida Foch e do n.° 11 da Rue des Saussaies, onde a Gestapo se instalara. Ao longo das graciosas arcadas da cidade, guaritas de sentinelas impediam os parisienses de usarem suas próprias calçadas. Casamatas de cimento desfiguravam as ruas, e abundavam cartazes brancos cujos letreiros pretos dirigiam os motoristas alemães para destinos tão pouco franceses como Der Militãrbefehlshaber in Frankreich e General der Luftwaffe Paris
Agora outro letreiro fora acrescentado: Zur Normandie Front.
A hora de recolher era à meia-noite. Quando os alemães pegavam um parisiense na rua depois dessa hora, levavam-no para a sede da Feldgen-darmerie (Polícia Militar), onde passava o resto da noite engraxando botas. Mas se um soldado alemão tivesse sido morto pela Resistência, o parisiense poderia pagar um preço mais alto por ter perdido o último metrô para casa. O provável era que fosse morto como represália.
Nunca os largos bulevares da cidade estiveram tão vazios. Não havia ônibus nem táxis. Os poucos motoristas bastante afortunados (ou bastante comprometidos) para terem uma autorização de usarem seus carros tinham de equipá-los com gasogênio, com o grande aparelho alimentado a lenha aparafusado na mala.
Paris estava praticamente sem gás e sem eletricidade. Algumas donas de casa haviam aprendido a cozinhar em fogões feitos de lata de banha. O combustível era constituído por pedaços de jornal amassados em bola e salpicados de água. Assim o papel ardia mais devagar.
Acima de tudo, Paris era uma cidade faminta. Muitos parisienses haviam-se tornado criadores de galinhas, e todas as manhãs os galos cantavam em seus quintais, em galinheiros instalados sobre o telhado e até em quartinhos de despejo. Era uma cidade em que os garotinhos e as velhas saíam com os primeiros alvôres do dia para colherem dos jardins algumas folhas de grama proibida para os coelhos presos em suas banheiras.
Cada noite uma atividade sagrada prendia o povo de Paris em suas casas. Durante um bocadinho de tempo havia corrente elétrica. Então, com os ouvidos colados nos aparelhos de rádio, a cidade inteira escutava as irradiações proibidas da BBC. Eles tinham ouvido com entusiasmo as notícias da invasão da Normandia.
Agora, acompanhando as notícias do progresso das forças aliadas, os parisienses boiavam em
 uma onda irresistível de êxultacão e esperança. Não lhes ocorreu que esses exércitos de salvamento poderiam não avançar sobre Paris—ou que uma luta de casa em casa poderia- destruir a cidade.
Por milagre, Paris estava por assim dizer intata. Notre-Dame, o Louvre, o Arco do Triunfo, Sacré-Coeur, todos os incomparáveis monumentos que haviam feito dessa cidade a Meca do homem civilizado, tinham sobrevivido até então à guerra mais destrutiva da História.
Os chefes da Resistência estavam ansiosos para entrar na refrega, para ajudar a livrar Paris dos alemães. Mas eles sabiam que seus esforços deviam ser coordenados com os planos dos Aliados. Um levante prematuro exporia o povo de Paris ao massacre total e a mais bela cidade do mundo à implacável destruição. Consequentemente, esperaram, numa tensão quase insuportável, pelo aviso do quartel-general aliado.
E em 3 de agosto de 1944 o aviso chegou.

Mensagem do Céu
Pouco depois da meia-noite, nas primeiras horas de 2 de agosto, um bombardeiro Halifax, voando a velo cidade reduzida, avistou um triângulo de luzes piscando no Vale Ourcq lá embaixo. Esse sinal marcava uma zona de lançamento da Resistência, e um môço—um estudante de Veterinária chamado Alain Perpezat— agarrou-se aos lados da escotilha aberta do avião e lançou-se na noite.
Aterrissando num trigal, Perpezat enterrou o pára-quedas e a roupa de pára-quedista num monte de estrume. Sua missão era em Paris, a 60 quilómetros de distância. Depois de ficar escondido um dia inteiro, dirigiu-se para lá pelo único meio de que dispunha—pedindo carona.
O primeiro caminhão que apareceu, parou. A placa ostentava o selo da
 Luftwaffe, e na traseira aberta vinham quatro soldados alemães de capacete. A porta se abriu, e o motorista, um soldado bávaro meio grisalho, fez-lhe sinal
 para que subisse. Ao se acomodar no lugar que lhe era oferecido, Perpezat tinha viva consciência do volumoso cinturão de dinheiro que o fazia parecer obeso—ia entregar cinco milhões de francos à Resistência Francesa—e da mensagem que levava no sapato esquerdo, cujo conteúdo desconhecia, sabendo apenas que era considerado de suprema importância.
O chofer examinou-o por um instante, depois perguntou: "Nach Paris?" O jovem agente acenou com a cabeça silenciosamente, o alemão fez as mudanças e o caminhão da Luftwaffe seguiu velozmente seu caminho.
Uma vez na cidade, Perpezat procurou o Convento da Paixão, na Rue de la Santé, 127, e apertou a campainha da porta, três pressões longas e uma breve. Tinha chegado ao seu destino. Esse velho edifício ocultava o quartel-general do Coronel Claude Ollivier, chefe do Servido de Informações Britânico para a maior parte da França Ocupada. Ao toque especial de Perpezat, a Madre Superiora abriu a pesada porta de carvalho e deixou-o entrar.
Na austera sala de estar, Alain Perpezat tirou o sapato esquerdo e da sola descolou o pedacinho de seda que ele tinha arriscado a vida para entregar. O Coronel Ollivier lançou um olhar às letras negras estampadas nele e pediu a Madre Jean que lhe trouxesse a grade com que decifrava suas mensagens. Esta estava impressa num lenço finíssimo feito de tecido digerível, que podia ser dissolvido na sua língua em segundos, caso tivesse de engoli-lo. Madre Jean conservava-o escondido na capela.
Ollivier ajustou a grade à mensasagem. Ao decifrar as últimas linhas, sua fisionomia se anuviou. O Comando Aliado, dizia, estava decidido a "contornar Paris e a retardar a sua libertação o mais possível". Não se podia permitir, acrescentava, que coisa alguma modificasse esses planos.
O coronel olhou para Perpezat.
"Meu Deus", exclamou, "isto é uma catástrofe!"

A decisão de contornar Paris tinha sido tomada com relutância. O General Dwight D. Eisenhower, comandante das fôrças aliadas, sabia muito bem que tremendo impacto emocional a libertação da cidade exerceria sobre os franceses, sobre suas próprias tropas, na verdade sobre o mundo inteiro. A resolução fora de ordem puramente militar. O desalojamento dos alemães da cidade, argumentaram seus planejadores, poderia exigir combates de rua, prolongados e intensos, semelhantes aos de Stalingrado, lutas que poderiam terminar com a destruição da capital francesa.
Os planejadores aconselharam a que se suspendesse a libertação de Paris por espaço de seis ou oito semanas, passando-se pelo norte e pelo sul da cidade, através das planícies, idealmente adequadas para a guerra de tanques. Isso permitiria aos Aliados tomarem as plataformas de lançamento de bombas voadoras V-1 e V-2, no norte da França, e apressaram o objetivo principal de Eisenhower—o estabelecimento de uma cabeça-de-ponte sobre o Reno antes do inverno.
Todos os fatores estratégicos favoreciam, tal plano, e, se os parisienses pudessem ao menos "aguentar os alemães um pouco mais de tempo", disse Eisenhower a um ajudante-de-ordens, "seu sacrifício poderá ajudar-nos a encurtar a guerra". Para ter certeza de que eles assim fariam, expediu firmes instruções ao General Pierre Koenig, em Londres, comandante das Forças Francesas do Interior (FFI), estipulando que "nenhum movimento armado deverá ser desencadeado em Paris ou em qualquer outra parte" enquanto ele não desse a ordem. Tal era a decisão que tinha levado Alain Perpezat a saltar do avião no meio da noite para avisar a Resistência Francesa.

Impaciência em Argel

Para Charles de Gaulle, que esperava com impaciência no calor sufocante de Argel, Paris era de suprema importância. Era o eixo em que o destino de sua pátria devia girar dentro em breve, o eixo de seu próprio destino solitário. Pois de Gaulle estava convencido de que ele se encontrava numa corrida com o Partido Comunista Francês, que controlava grande parte do movimento subterrâneo. Ó alvo imediato era Paris; o prémio do vencedor seria a França inteira.
De Gaulle estava resolutamente decidido a ser ele quem dirigiria a França depois da guerra. E, acreditava ele, não eram só seus inimigos políticos declarados, os comunistas, que desejavam frustrá-lo, mas também seus aliados militares, os americanos.
Em 18 de junho de 1940, o dia seguinte àquele em que o Governo Francês pediu armistício a Hitler, de Gaulle tocou a imaginação do mundo livre. Então um general-de-brigada relativamente obscuro, ele irradiou de Londres o apelo que deveria fundar o Movimento da França Livre. Seu grito de guerra foi: "A França perdeu uma batalha, mas a França não perdeu a guerra!"
Após uma breve lua-de-mel, as relações E. U. A.—de Gaulle declinaram continuamente. Agora de Gaulle estava convencido de que o Presidente Roosevelt tentaria bloquear a sua marcha para o poder, detendo-o em Argel, enquanto o Departamento de Estado dos E- U. A. conspirava contra ele na França. Esses esforços americanos, de Gaulle estava convencido, não poderiam ser bem sucedidos. Mas ele temia que pudessem retê-lo tempo suficiente para permitir aos seus verdadeiros inimigos, os comunistas franceses, entrincheirarem-se nos focos do poder.
Durante o avanço dos Aliados da Normandia para a Bretanha, de Gaulle recebera uma série de notícias alarmantes. Por toda a parte os comunistas pareciam mais fortes, mais bem organizados, mais diretos em sua tentativa de conquista do poder do que ele esperava. De Gaulle estava certo de que o Partido se preparava para lançar uma insurreição politicamente motivada em Paris. Se o conseguissem, eles se apossariam do poder e o relegariam, a ele e aos seus ministros, a um honroso nicho, isolado da autoridade de fato, enquanto eles consolidariam seu poder na França.
A reação de de Gaulle foi simples. Custasse o que custasse, fossem quais fossem os meios, ele chegaria a Paris e às alavancas do poder antes dos comunistas.
Enquanto isso, entretanto, para de Gaulle como para Eisenhower, um levante em Paris seria um desastre. Como Eisenhower, ele tinha expedido ordens firmes: não haveria "qualquer insurreição em Paris sem a aprovação pessoal do General de Gaulle".

Hitler Dá Instruções a um General

Em 3 de agosto, o General Dietrich von Choltitz recebeu uma nova missão: o comando de Gross-Paris, ou seja, da região parisiense. Von Choltitz fora o primeiro oficial alemão a pôr os pés nos Países-Baixos; tinha aceitado a rendição de Roterdã e, mais tarde, cobrira a retirada alemã na Rússia. Sua lealdade ao Terceiro Reich nunca titubeara.
Antes de assumir os seus novos deveres, von Choltitz foi chamado ao abrigo fortificado do Führer em Rastenburg, na Prússia Oriental. Ele só se tinha encontrado com Hitler uma vez
 antes. Fora num banquete em campanha, oferecido ao líder alemão no verão anterior, quando ele inspe-cionava a Frente Oriental. Von Choltitz tomara lugar em frente dele e sentira que Hitler irradiava um contagioso sentimento de confiança.
Mas em Rastenburg, quando Choltitz fitou os olhos sem brilho do homem que tinha na sua frente, compreendeu imediatamente que aquela não era a mesma pessoa que encontrara no banquete. De repente Hitler tinha ficado velho. Tinha o rosto sumido e chupado, os ombros curvados. Mas foi sobretudo a voz de Hitler que impressionou Choltitz. Aqueles ásperos berros tão conhecidos tinham-se apagado, reduzidos a um débil murmúrio.
Quando o Führer começou a falar, divagou a esmo pelo passado, lembrando passagens distantes de sua carreira. Mas, finalmente, sua voz começou a elevar-se, e von Choltitz reconheceu um eco do homem que ele recordava. Falou das vitórias que preparava. A Normandia, declarou, era apenas um contratempo temporário. Dentro em pouco, com "novas armas", ele inverteria a maré.
E então, sem aviso prévio, Hitler mudou para outro assunto. Inclinou-se tanto para a frente que quase tocou o rosto de Choltitz. "Desde 20 de julho, Herr General", gritou Hitler (era a data duma tentativa mal sucedida para assassiná-lo), "dezenas de generais, sim, dezenas, já se balançaram na ponta de uma corda por quererem impedir-me de cumprir o meu destino!" Estremecendo espas-mòdicamente, recostou-se na sua cadeira. Após uma longa pausa e esquecendo completamente sua recente explosão, começou a falar de novo.
Agora, continuou Hitler, o senhor vai para Paris—uma cidade onde "a única luta que está ocorrendo é pelos lugares no refeitório dos oficiais". Aquilo, disse a Choltitz, era uma vergonha, e
 sua tarefa era acabar com aquilo. Ele deveria transformar Paris "numa cidade de linha de frente".
"O senhor esmagará sem piedade", disse-lhe Hitler, qualquer levante da população civil, qualquer ato de terrorismo ou sabotagem contra as forças alemãs. "Para isso", declarou Hitler em voz áspera, "fique descansado, Herr General, o senhor receberá de mim todo o apoio que precisar."
A entrevista havia terminado. Von Choltitz fez continência e saiu. Fora uma das ocorrências mais impressionantes da sua vida. Havia atravessado metade do continente para encontrar de novo sua fé nas armas alemãs. Em vez disso, abalado e desesperado, começou a aceitar o fato de que a Alemanha ia perder a guerra.

O Outro Inimigo

Para ninguém em Paris a mensagem trazida por Alain Perpezat no sapato pareceu mais calamitosa do que para Jacques Chaban-Delmas, general de 29 anos, primeiro representante militar de Charles de Gaulle na França. As instruções secretas que Chaban-Delmas tinha, relativamente a Paris, eram claras como cristal. Ele devia reter absoluto controle da resistência armada na cidade. E não devia, em circunstância alguma, permitir que estourasse uma insurreição sem a autorização de de Gaulle.
Eram ordens impossíveis.
Chaban-Delmas não controlava a Resistência em Paris. Era o Partido Comunista que a controlava. O chefe do movimento subterrâneo de toda a França era um comunista; seu chefe para a região de Paris era também um comunista, bem como seu imediato mais graduado. O Partido dirigia dois dos três comités da Resistência com base em Paris e tinha transformado o terceiro em uma ineficaz assembleia de debates. Eles tinham agentes em postos-chaves em toda a parte.
Os comunistas haviam pago um elevado preço em sangue na Resistência. Embora chegando por último—á maioria deles não havia lutado enquanto os alemães não invadiram a Rússia em 1941—tinham dado à Resistência suas bem organizadas e, frequentemente, suas mais corajosas tropas. Os FTP (Francs-Tireurs et Partisans), milícia do Partido Comunista, foi o corpo armado mais importante da Resistência. Nesse momento os líderes do Partido, que estavam em contato direto com Moscou, receberam ordem de desencadear uma insurreição em Paris, consolidando assim sua posição.
Quando Chaban-Delmas recebeu a mensagem de Perpezat, compreendeu que os planos aliados eram inteiramente a favor dos comunistas. Com a energia do desespero e da juventude, ele imediatamente partiu para Londres (num avião mandado vir secretamente a um pasto de vacas perto de Mâcon). Aí ele apresentou os seus argumentos a todos 05 oficiais aliados que quiseram ouvi-lo, inclusive Sir Hastings Ismay, chefe do estado-maior pessoal de Winston Churchill. Não conseguiu persuadi-los a modificarem seus planos.
Mas sua viagem não foi comple-tamente inútil. Pelo menos ele havia alertado de Gaulle para a desesperada situação em Paris.

"Os Alemães Também Bebem Água"

O primeiro ato de Choltitz em sua missão de apertar o controle sobre Paris foi desarmar a força policial da cidade, constante de 20 000 homens. Era uma manobra delicada, mas, escolhendo um momento oportuno e agindo de surpresa—a coisa foi feita no domingo de manhã—-os alemães conseguiram apoderar-se de milhares de armas sem encontrarem resistência. Parecia um começo promissor.
No dia seguinte, 14 de agosto, recebeu a primeira ordem direta de Hitler desde que assumira o comando de Paris. Hitler exigia a "destruição ou paralisia total" de todas as instalações industriais de Paris.
No dia seguinte foi chamado pelo Feldmarechal Gúnther von Kluge,comandante alemão da Frente Ocidental. Sugerindo o modo como a ordem de Hitler devia ser posta em prática, o chefe do estado-maior de Kluge, General-de-Divisão Gúnther Blumentritt, propôs uma "política limitada de terra arrasada" em duas fases: 1) destruição sistemática imediata dos sistemas de abastecimento de gás, eletricidade e água; 2) "sabotagem seletiva" das instalações industriais da cidade.
Von Choltitz não se opôs a essa ordem. Ela era, afinal de contas, apenas uma extensão da tática usada na Frente Oriental. Opôs-se, entretanto, ao momento em que devia ser posta em prática. Por enquanto ele estava interessado em defender Paris, não em destruí-la. O momento de pôr em prática o programa de Blumentritt, objetou, era quando eles, alemães, se estivessem preparando para deixar a cidade-—se isso viesse a revelar-se necessário. O lançamento do plano de Blumentritt prematuramente colocaria a população em guerra a,berta com suas tropas. "Além disso", acrescentou lacônica-mente, "os alemães também bebem água."
Depois de ouvir os dois homens, von Kluge reservou sua decisão dizendo que "expediria ordens finais mais tarde".
Quando von Choltitz voltou, encontrou quatro engenheiros esperando fora do seu gabinete. O General Alfred Jodl, chefe do estado-maior de Hitler, tinha-os enviado de Berlim "para prepararem e supervisarem a demolição de todas as grandes instalações industriais da região de Paris". Vinham munidos de uma dezena de pastas pretas contendo plantas de todas as fábricas importantes da área de Paris.
Von Choltitz deu-lhes aposentos e pôs à sua disposição dois carros do estado-maior para que pudessem eles mesmos inspecionar as instalações da cidade. Mais tarde encontrou-os absorvidos em mapas e plantas. "Se Paris cair", prometeu-lhe um deles, "os Aliados não encontrarão uma
 única fábrica funcionando na cidade."
Mas isso não incluía todos os planos de Hitler para destruir Paris. Nessa noite, um capitão alemão de 36 anos, Werner Ebernach, apresentou uma série de ordens a von Choltitz. Eram assinadas por Jodl e exigiam a destruição imediata de 45 pontes sobre o Sena, em Paris.
Von Choltitz estava longe de querer executar essa ordem. Disse a Ebernach que "fizesse os seus preparativos", mas que não iniciasse a demolição sem a sua aprovação pessoal. "Estamos sendo observados pelo mundo inteiro aqui", acrescentou, "não apenas por um punhado de generais."
Na manhã de 16 de agosto, milhares de soldados alemães não combatentes começaram a evacuar a cidade. Por ordens de Hitler, eles deviam deixar a cidade para as tropas de combate. A corrente contínua de seus caminhões rodando para o sul causou o primeiro engarrafamento de tráfego nas ruas de Paris de que havia notícia em anos.

A Marcha Acelerada

EM SEU apartamento de terceiro andar na Rue Sédillot, uma moça chamada Jocelyne começou sua perigosa tarefa secreta. Jocelyne era codificadora da Resistência. Fazia parte duma complexa cadeia, comandada por Chaban-Delmas, que transmitia informações ao quartel-general dos Franceses Livres em Londres. Jocelyne acabava de receber uma mensagem, que devia pôr em código.
Treinada por longa experiência a não ler as mensagens que codificava, Jocelyne evitou cuidadosamente dar atenção a essa—a primeira comunicação de Chaban-Delmas para Londres desde seu regresso. Mas, no último dos grupos de cinco letras, ela se deteve surpreendida
 malgrado a sua disciplina. Então endireitou-se e leu o texto.
Situação de Paris extremamente delicada. Realizadas todas as condições necessárias para uma insurreição. Incidentes locais, quer espontâneos, quer provocados pelo inimigo, ou mesmo por,grupos impacientes da Resistência, conduzirão às . mais graves desordens, com sangrentas represálias para as quais os alemães parece que já tomaram decisões. Necessário que o senhor intervenha junto aos Aliados exigindo rápida ocupacão de Paris. Advertir população oficialmente nos termos mais enérgicos e precisos possíveis através da BBC para evitar nova "Varsóvia".

"Varsóvia!", pensou Jocelyne. A insurreição lá estava custando imensa destruição e perdas de vidas. Iria acontecer realmente isso em Paris?
A resposta foi afirmativa. Era quase inevitável.
Os sinais de advertência estavam em toda a parte, A maioria dos ministros do Governo de Vichy tinha fugido, deixando em seu lugar um vácuo político convidativo. Os empregados das estradas de ferro, do metro, dos Correios e Telégrafos, até a polícia, tinham entrado em greve. Acima de tudo a cidade estava pronta para a revolta. Ofendida pelas humilhações de quatro anos de ocupação, faminta, sem autoridade civil alguma para contê-la, a população de Paris sentiu que o momento da vingança estava próximo. Só uma coisa era necessária para desencadear uma insurreição—uma voz forte gritando: "Às barricadas!" O Partido Comunista estava preparado para fornecer essa voz.
O Comité de Libertação Parisiense, dominado por comunistas, tinha de fato decidido iniciar uma insurreição armada no dia seguinte. Mas, quando o líder degaullista Yves Bayet teve notícia dos planos, resolveu adiantar-se. Os degaullistas tomariam o edifício mais importante de Paris, a sólida Chefatura de Polícia. Bayet enviou mensagens às redes da Resistência dentro da polícia, ordenando a reunião de toda a força no dia seguinte, 19 de agosto, às sete horas da manhã, nas ruas em volta daquela fortaleza de pedra.

Começa a Insurreição

Na manhã seguinte, quando Amé-dée Bussière, chefe de polícia de Paris do Governo de Vichy, acordou, chamou seu criado de quarto.
—Temos alguma novidade, Geor-ges?—perguntou.
—Temos, Monsieur lê Préfect— respondeu Georges.—Os grevistas voltaram.
Bussière correu à janela. Havia quatro dias que era capitão de um navio deserto. Então viu que a bandeira tricolor drapejava valentemente no alto do edifício. E embaixo, no enorme pátio da Chefatura, centenas de homens armados reuniam-se em volta de um gigante louro de terno enxadrezado.
—Em nome da República e- de Charles de Gaulle—anunciou o titã em voz estentórea—eu tomo posse da Chefatura de Polícia.
Seguiram-se aplausos prolongados, e em alguma parte um clarim começou a tocar, forte e empolgante. E a multidão apinhada no pátio posse a cantar A Marselhesa.
Um ciclista solitário que passava por ali também ouviu o hino triunfante. Era Henri Tanguy, conhecido pelo nome de guerra de Coronel Rol, chefe comunista da Resistência miliParis. Nada poderia surpreendê-lo mais. Alguém estava tentando contestar o seu controle da insurreição. E, com efeito, os degaullistas tinham vencido o primeiro round. O edifício que haviam tomado seria um firme rochedo para eles nos dias que viriam.
Fora, entretanto, o inesperado revés da Chefatura de Polícia, a insurreição de Rol,
 cuidadosamente preparada, tinha-se espalhado eficazmente através da cidade. Desde o amanhecer, os comunistas haviam coberto as paredes de cartazes convocando'uma "mobilisation génera-le". E tinham começado a pôr em prática uma ordem de Rol que deveria tornar-se a máxima da insurreição: "A chacun son Boche"—"A cada um o seu alemão". Em pequenos grupos, eles atacavam soldados e veículos alemães isolados, esperando armarem-se desarmando os adversários.

A Batalha de Neuilly

A insurreição entrou rapidamente em sua segunda fase. Bandos organizados de FFI (Forças Francesas do Interior) entraram em ação para se apoderarem das mames (prefeituras) dos 20 arrondissements de Paris, e também dos postos policiais e de outros edifícios públicos.
De todos os setores de Gross-Pa-ris nenhum parecia menos provável de incomodar os alemães do que o de Neuilly. As elegantes casas do subúrbio alojavam mais colaboradores e agentes alemães do que qualquer outra parte da cidade, e durante quatro anos esse subúrbio fora um modelo de aceitação disciplinada dos conquistadores da França. De modo que os dois soldados alemães, que tomavam seu conhaque num café da Rue de Chézy, ficaram surpreendidos quando viram Louis Berty, o açougueiro, apontando uma arma para eles. Berty desarmou os prisioneiros e conduziu-os para a mairie.
O prédio já estava nas mãos das FFI. André Caillette, dono de fábrica, que comandava Berty e seus 165 companheiros combatentes da liberdade, espalhou seus homens pelos três andares da mairie. Minutos depois um carro da Wehrmacht parou lá fora com meia dúzia de fuzileiros alemães. O oficial deles gritou:
—Rendam-se e saiam!
Caillette respondeu com um perdoável exagero da sua força:
—Rendam-se vocês! Este é o Exército de Libertação!
O oficial puxou de sua pistola, e de todas as janelas um fogo vingativo vomitou sobre os alemães. Quando cessou, estavam mortos todos os alemães, exceto um. Impressionados, os combatentes da Resistência contemplaram o que tinham feito. E então ouviram caminhões com mais sol-. dados alemães se aproximando. A batalha durou cinco horas.
De repente, apareceram quatro tanques na praça. Rebentaram a tiro a porta de ferro da mairie, e um deles começou a subir lentamente a escada de mármore. Os franceses estavam indefesos. Caillette ordenou aos homens que estavam com ele no primeiro andar que se retirassem para o porão. Aí, sob uma tampa de cimento de bueiro, havia um buraco de 60 centímetros de largura que conduzia a uma antecâmara do tamanho de um armário grande. Além dela, do outro lado de uma parede .de tijolo, havia um túnel de esgoto.
Caillette e'os outros desceram pelo buraco. Apinhados em uma massa suarenta, esperavam em rígido silêncio enquanto dois deles atacavam a parede com picaretas envolvidas em suas camisas, para abafar o ruído. Caillette, empoleirado imediatamente abaixo da tampa do bueiro, podia ouvir o arrastar de pés dos alemães que corriam furiosamente através do porão à procura deles. A qualquer momento esperava que eles jogassem granadas para acabar com eles.
Os dois homens finalmente abriram uma estreita passagem na parede e, um por um, com uns 18 metros de intervalo, os defensores sobreviventes da mairie passaram e começaram a andar pelo túnel com água de esgoto até à cintura.
Mas, enquanto avançavam pelo túnel, ouviram um som mais aterrador do que o ruído de botas
 alemãs. Era um ruído de trovão. Dentro em pouco as águas encheriam esses túneis e os afogariam a todos.
À sua frente, na escuridão, François Monce viu uma luz. Entrou por um canal lateral que conduzia a essa luz. Por cima, através de um chuveiro, lobrigou uma mancha cinzenta, e
 encontrou os primeiros degraus de uma escada que conduzia à superfície. Monce subiu a escada e alcançou um ralo enferrujado em cima. Abriu-o ligeiramente e espreitou para fora. À sua frente viu a biblioteca de Neuilly. Acenando para os homens que vinham atrás, Monce levantou a grade e correu para a segurança do edifício de apartamentos mais próximo.

Contra-Ataque à Chefatura de Polícia

Também à Chefatura de Polícia chegaram tanques, e a primeira granada rebentou o portão principal. Encurralados atrás de frágeis barricadas, armados de pistolas, fuzis da Primeira Guerra Mundial e de umas poucas metralhadoras antiquadas, os homens da polícia olharam os tanques com terror. Finalmente o pânico apoderou-se deles e começaram a debandar para a
 única válvula de segurança do edifício, a estação interna do metrô, cujas passagens conduziam à margem esquerda do Sena.
Um homem resoluto os deteve. O Brigadeiro Armand Fournet abriu caminho até ao alto da escada, arrancou a pistola da capa e declarou que atiraria no primeiro homem que tentasse passar por ele. Aturdidos e envergonhados, os policiais pararam.
Acima deles, um operador de teleprinter enviava um apelo urgente a todas as delegacias de polícia de Paris: "Está iminente um ataque alemão à Chefatura. Necessárias todas as forças FFI disponíveis para atacaros alemães pela retaguarda." Dentro de minutos, de dezenas de delegacias de polícia, grupos de homens armados com tudo o que puderam encontrar acorreram em socorro da Chefatura.
Na adega do próprio edifício, vagamente iluminada, três homens estavam preparando as armas
 mais potentes dos defensores. O mais depressa que pudiam despejavam no chão a reserva de champanha do chefe de polícia de Vichy, substituíam o conteúdo por gasolina e ácido sulfúrico,
 arrolhavam de novo as garrafas e envolviam-nas em papel embebido em clorato de potássio. Um grupo de policiais ia levando essas bombas Mo-lotov para os andares de cima do edifício.
Na praça em frente de Notre-Dame, o condutor de tanques Willy Linke viu uma das terríveis garrafas sendo jogada dentro da torre imprudentemente aberta do tanque ao seu lado. Em segundos todo o tanque era uma massa de labaredas. Preso dentro do seu tanque, Linke pôde ouvir os gritos de júbilo dos defensores da Chefatura acima da sua cabeça. Furioso, mandou carregar o seu canhão com uma granada e enviou-a contra o edifício.

Uma Trégua Inquieta

Às sete horas dessa noite o telefone começou a tocar insistentemente no consulado sueco. Finalmente foi atendido pelo próprio cônsul-geral, Raoul Nordling, que ficou assustado ao ouvir uma voz dizer: "Aqui é da Chefatura de Polícia. Nossa situação é desesperada. Resta-nos munição apenas para alguns minutos. O senhor pode fazer alguma coisa?"
Nordling saiu imediatamente para ir falar com o General von Choltitz. Encontrou o comandante alemão disposto a contra-atacar a Resistência, que tinha matado 50 de seus homens nesse dia e ferido 100. Enquanto conversavam, tornou-se evidente que o general não sabia da situação dos defensores da Chefatura, pois não cessava de falar de "pô-los para fora da Chefatura deles a
 toque de bombas".
Com efeito, para facilitar o caminho dos tanques, ele já tinha ordenado um bombardeio de mergulho sobre o edifício para meia hora depois do nascer do Sol no dia seguinte. Com essa lição brutal, von Choltitz estava convencido de que daria à cidade um choque que a faria voltar à calma.
—O senhor deu-se conta de que as bombas que não acertarem poderão atingir Notre-Dame?—perguntou Nordling aflito.
Von Choltitz encolheu os ombros.
—Que outra coisa posso fazer nestas circunstâncias?—perguntou.
Rapidamente, Nordling propôs-lhe uma alternativa que havia imaginado: um cessar-fogo temporário. Von Choltitz pensou nessa possibilidade. Manteria Paris sossegada, pelo menos por
 enquanto. Além disso, permitir-lhe-ia adiar o programado ataque até ao amanhecer—um ataque que inevitavelmente seria interpretado como declaração de guerra à cidade.
Tomou sua decisão. Se os comandantes da Chefatura pudessem demonstrar em uma hora de experiência que eram capazes de controlar seus homens, ele concordaria num cessar-fogo em toda a cidade. Von Choltitz acompanhou Nordling até à porta, depois ordenou a suspensão do ataque do amanhecer por tempo indefinido. Nordling telefonou à Chefatura comunicando a trégua, e alguns momentos depois as armas de ambos os lados silenciaram. Na manha seguinte o tiroteio havia cessado quase completamente por toda a parte em Paris.

A Minúscula Margem de de Gaulle

20 de agosto: As notícias que chegaram a Charles de Gaulle em Argel levaram-no a uma urgente conclusão: ele devia voltar a Paris. Em seu pedido de licença oficial, ele disse aos Aliados que seu único propósito era inspecionar as áreas libertadas. Raciocinou que, se eles soubessem o verdadeiro motivo, que era estabelecer o seu governo dos Franceses Livres em Paris, poderiam tentar imobilizá-lo em Argel. Com surpresa para ele, os Aliados aceitaram a sua declaração ao pé da letra e permitiram sua volta.
Agora, antes do amanhecer, em 20 de agosto, o seu Lockheed Lodes-tar France voava de Gibraltar para o norte, na última etapa do longo voo para Cherburgo. Embora o avião tivesse partido com 3 600 litros de gasolina, uma sobrecarga de mais de uma tonelada, a Normandia
 ficava no extremo limite do raio de alcance do Lodestar. Nessa altura, enquanto o dia amanhecia, o piloto, Coronel Lionel de Marmier, ia calado e ansioso. Tinha combustível para menos de meia hora de voo. E não sabia para onde iam. Durante mais de uma hora, perdido no nevoeiro e na chuva, o France tinha errado através do céu, em qualquer parte ao largo da costa inglesa, procurando em vão os caças da R.A.F. que tinham sido designados para guiá-lo até à Normandia.
—Como está o combustível?— perguntou Marmier ao seu mecânico de voo, o Tenente Aimé Bully.
—Muito baixo, coronel.
Marmier compreendeu que teria de encontrar terra—sozinho, sem usar o rádio, com menos de 100 metros de visibilidade. O Lodestar tomou o rumo sul, voando sobre o mar encapelado. E então, erguendo-se à frente deles, apareceu a costa longa e baixa da França. O avião passou
 sobre uma praia abandonada, pontilhada de bíocauses e lixo. Marmier não reconheceu coisa alguma. E não tinha tempo de procurar pontos de referência.
—Tenente Bully—ordenou—leve este mapa ao patron para ver se ele reconhece onde estamos.
No compartimento atrás da nace-la, de Gaulle ia sentado em sombria silêncio, com um charuto preso agressivamente na boca. Pôs os óculos, olhou o mapa, olhou para fora durante muito tempo, depois indicou a ponta da Normandia.
—Estamos aqui—anunciou—a leste de Cherburgo, perto.
Bully voltou à nacela.
Enquanto isso, Marmier tinha conseguido orientar-se. Estava de fato no lugar que de Gaulle indicara,e já o piloto baixava para pousar numa faixa de aterragem improvisada para caças.
Enquanto o avião deslizava péla pista pré-fabricada, uma luzinha vermelha no painel de
 instrumentos começou a piscar, mostrando que o France estava rapidamente esgotando seu combustível. Por essa pequena margem, Charles de Gaulle tinha voltado são e salvo à França.
Uma hora depois, na Chefatura de Cherburgo, de Gaulle soube que tinha havido uma insurreição em Paris. Então, o que fora uma preocupação urgente, tornou-se uma necessidade imediata. Charles de Gaulle decidiu que antes do anoitecer devia ter a decisão de Eisen-hower de marchar sobre a capital. Pediu que fosse providenciado um encontro com ele imediatamente.

"O Führer Espera a Mais Ampla Destruição Possível"

A uns 300 quilometros de Cherburgo, o Feldmarechal Walter Mo-del, que tinha substituído von Kluge no comando do Oeste, acabava de voltar ao seu quartel-general após o pesadelo de uma inspeção. A Frente Ocidental estava em desordem muito pior do que ele havia imaginado, e compreendeu que devia fazer um jogo para ganhar tempo a fim de reorganizar suas forças desmanteladas. Decidiu jogar com Paris.
As notícias que recebera de Choltitz no dia anterior eram tranquilizadoras. Mencionavam-se
 apenas alguns atos de "terrorismo". Segundo, seus próprios oficiais do serviço de informações tinham-lhe comunicado essa manhã que "não há certeza de um ataque aliado contra Paris". Assim, Model acreditava que podia deslocar suas tropas ameaçadas abaixo de Paris para o outro lado do Sena e, quando a 26." e a 27." divisões de Panzers chegassem, poderia estabelecer uma rija posição de defesa em frente de Paris.
Model ditou as ordens que efetiva-riam sua decisão. Mas, inexplicavelmente, ele se esqueceu de informar von Choltitz de que as duas divisões de Panzers tinham sido destinadas a ele.
Nesse momento, o comandante de Gross-Paris não estava pensando em reforços. O General Jodl acabava de lhe dizer:
—Aconteça o que acontecer, o Führer espera que o senhor consiga a maior destruição possível na área sob seu comando.

A possível ruína de Paris era uma das principais preocupações de Charles de Gaulle quando
 atravessava p gramado molhado que conduzia à tenda de comando de Dwight Eisen-hower. Seu encontro ocorreu no momento exato. Andando de mapa em mapa, Eisenhower tinha esboçado os detalhes de seu proposto avanço em volta de Paris. Com sua frente rapidamente mudável, o Comandante Supremo insistiu em que não podia estabelecer uma data exata para a libertação de Paris.
De Gaulle advertiu Eisenhower de que, se ele demorasse a entrar em Paris, se arriscaria a fomentar "uma situação política desastrosa na cidade, uma situação que poderia destruir o
 esforço de guerra aliado". Eisenhower recusou-se a modificar seus planos.
Enquanto, de ombros caídos, caminhava de volta ao seu avião, de Gaulle lutava com uma terrível decisão. Deveria, como ele advertira a Eisenhower que talvez fizesse, retirar a Segunda Divisão Blindada Francesa, comandada por Philippe Leclerc, do comando aliado e enviá-la a Paris por sua própria conta? Voltando-se para o seu ajudante, Tenente Claude Gily, perguntou:
-Onde está Leclerc?

A Trégua em Perigo

Para os degaullistas, obcecados pela imagem de Varsóvia sublevada, a paz de uma trégua, por mais precária que fosse, era talvez a última oportunidade de salvar sua bem-amada cidade. E eles estavam fazendo tudo o que podiam para respeitá-la. Para o comunista Coronel Rol, entretanto, a trégua era um ato de traição, e ele estava fazendo todos os esforços essa manhã para quebrá-la.
Pelo telefone, pelo correio, em pessoa, Rol reiterou sua ordem do dia anterior: "A ordem é insurreição Enquanto houver um único alemão em Paris, lutaremos." Pela tarde, seus trabalhadores tinham começado a cobrir as paredes da cidade com cartazes denunciando o cessar-fogo como um estratagema para "exterminar as classes trabalhadoras de Paris".
As discussões entre degaullistas e comunistas foram acaloradas. Tiveram lugar em grande parte na Che-fatura de Polícia, e os debates entre as duas facções dentro do edifício naquela tarde
 foram quase tão furiosos como a luta com os alemães no dia anterior. Tendo alguém declarado que essa atitude política comunista custaria 200 000 mortos e uma cidade arruinada, um chefe comunista respondeu em palavras que seus ouvintes nunca esqueceriam.
—Paris—disse—vale 200000 cidadãos mortos!
À medida que o dia passava, a trégua começou a desmantelar-se. Em bandos disciplinados, as FF! abriram fogo contra patrulhas alemãs em toda a Paris. Os alemães, muitos dos quais desdenhavam a trégua, responderam £O fogo com entusiasmo, ou começaram a atirar por conta própria.
Transeuntes domingueiros, atraídos pela curiosidade ou pelo hábito, encontraram-se subitamente no meio de fogos cruzados. Donas de casa, que poucas horas antes haviam içado alegremente a bandeira tricolor nas suas janelas, viram-se alvos de patrulhas alemãs que
 passavam.
Nessa noite o General Koenig, no quartel-general dos Franceses Livres em Londres, irradiou uma mensagem pela BBC para Paris. "Não pode haver maior perigo para a cidade de Paris", disse ele, "do que a população atender ao chamado para uma insurreição." Suas palavras chegaram demasiado tarde.

"Os Tanques Vêm Aí!"

21 de agosto: Um mensageiro entrou correndo no quartel-general subterrâneo de Rol e jogou um pacote sobre uma mesa. Aí, cheirando ainda a tinta fresca, estavam os primeiros jornais de uma nova era. Seus nomes anunciavam: Lê Parisien Libere, Liberation, Défense de Ia France. E atravessando as primeiras páginas nessa manhã de segunda-feira havia o grande cabeçalho: "Aux barricades!"
O grito de guerra propagou-se rapidamente por toda a parte. No fim haviam surgido 400 ou mais barricadas do pavimento. Tudo o que podia deslocar-se era usado. Mulheres e crianças passavam paralelepípedos de mão em mão à medida que iam sendo arrancados das ruas. Sacos de areia, ralos de esgotos, árvores, caminhões alemães incendiados, mobília, tudo era empilhado.
Os combatentes da Resistência precisavam desesperadamente de armas. E o orgulhoso grito de "Aux barricades!" logo foi substituído por outro mais pungente: "Os tanques vêm aí!"
 Amarrados à torre de cada tanque de um contigente de tanques nazistas havia dois franceses em trajes civis—escudos humanos para proteger os condutores dos tanques contra os coquetéis
 Molotov. Em perfeita ordem, os tanques começaram a demolir as barricadas.
No outro extremo de Paris, perto da estação de Batignolles, as FFI introduziram na luta contra os Pan-zers um Dom Quixote de sucata. Era um tanque Somua de antes da guerra, que tinha sido encontrado numa fábrica de Saint-Ouen, e uma multidão triunfante tinha coberto sua torre com uma bandeira tricolor. Essa bandeira, entretanto, ia ser sua única arma. Os FFI não tinham granadas para carregar o canhão.

Decisões Relutantes

ATÉ MESMO Charles de Gaulle estava começando a acreditar que se poderia tolerar alguma destruição em Paris. Em sua letra caprichada ele redigiu um último apelo a Dwight Eisenhower. Tão urgente considerava a ocupação de Paris, escrevia, que devia ser empreendida, "mesmo que ela produzisse luta e danos no interior da cidade".
Enquanto isso, Dietrich von Chol-titz não podia estar mais triste do que naquela noite enquanto passeava no seu abafado quarto de hotel. Todo o seu mundo metódico estava ruindo. Ele tinha jogado na trégua de Nordling e perdera. Nenhuma das ordens de destruição que ele tinha recebido fora executada; nenhuma fábrica fora destruída. E agora tinha recebido uma nova ordem: "O General Jpdl ordena que a destruição das pontes de Paris seja preparada custe o que cpstar." Pela primeira vez em seus 30 anos como oficial do Exército Alemão, ele estava, econhecia-o, "num estado de insubordinação".
O calor do quarto era sufocante. Ele ficou de short e foi até à janela. Aí olhou para a silhueta já escura de Paris, calculando o custo em ruínas para restaurar a ordem na cidade que tinha na sua frente. Calculou, também, com um pensamento que o obcecava desde que deixara o abrigo fortificado de Hitler em Rasten-burg, duas semanas antes: estaria louco o homem a quem ele tinha j urado cega obediência?
Defender Paris contra um inimigo, mesmo à custa de sua destruição, era militarmente válido.
 Mas assolar a cidade simplesmente por vingança não o era. E não era isso que Hitler queria? Se ao menos os Aliados avançassem sobre a cidade, eles o livrariam do terrível fardo da decisão. Q caminho estava aberto, von Choltitz o sabia, pois, por ordens de Model, o Primeiro Exército Alemão tinha começado nesse dia a afastar-se de sua posição em frente de Paris. Se os Aliados atacassem nesse momento, tomariam a cidade antes que alguém pudesse opor-se-lhes.
A Moça da Saia Vermelha
22 de agosto: Em Paris, recomeçou a luta, depois do alvorecer, com crescente intensidade. No Arrondisse-ment 17, os alemães demoliram um grupo de edifícios de apartamentos. Na Gare de Lyon, um caminhão cheio de alemães foi colhido numa emboscada. Seus ocupantes recolheram-se a um café. Os 12 fregueses que estavam lá dentro começaram a rir. Os soldados mataram-nos a todos.
Em contraste, na Margem Esquerda as FFI assenhorearam-se dos estreitos e tortuosos becos perto do Sena. Nenhum alemão se atrevia a passar por aquelas ruas tortuosas, que eram muito estreitas para um tanque.
No Hotel de Ville, a grande prefeitura de Paris, os alemães atacaram de rijo. Enquanto André Tollet ensinava um grupo de jovens de 17 anos a atirar com fuzil, os tanques alemães aproximaram-se por fora e começaram a metralhar o edifício. Tollet foi até uma janela para fazer fogo contra os tanques. Quando espreitou para fora, viu uma moça de saia vermelha deslizar pela margem do Sena e correr para o tanque mais próximo. Rapidamente a moça subiu ao veículo e jogou uma garrafa de champanha verde para dentro dele pela torre aberta. Um gêiser de chama esguichou para o alto. A moça correu de volta à margem do rio sob urna chuva de balas. Os tanques restantes partiram.
PHILIPPE LECLERC passeava na faixa de aterragem gramada perto do quartel-general do General Ornar Bradley, esperando nervosamente alguma notícia da conferência de Bradley com Eisenhoyver—a conferência em que se decidiria a sorte de Paris. Ao primeiro som do motor de aeroplano, Leclerc ficou imóvel perscrutando o céu. Ainda a hélice do Piper Cub estava girando quando o general francês correu para ele. De dentro o General Edwin Sibert, chefe do Serviço de Informações do 12.° Grupo do Exército, gritou por cima do ruído do motor:
—O senhor venceu! Decidiram mandá-lo direto para Paris!
Pouco tempo antes, em Grand-champ, Sibert havia posto Bradley e Eisenhower a par das últimas informações sobre a situação em Paris. Eisenhower franziu a testa à sua maneira peculiar. Então suspirou e disse a Bradley:
—Bem, Brad, que leve o diabo. Acho que temos de ir para lá.
Nesse momento o Piper Cub de Bradley parou completamente e o calmo general americano subiu e chamou Leclerc. Em sua voz aguda e penetrante disse-lhe:
—Quero que o senhor se lembre duma coisa acima de tudo: não quero luta dentro de Paris propriamente. E a única ordem que tenho para o senhor. Em hipótese alguma deve haver luta intensa em Paris.
Ornar Bradley vira Saint Lô.
RAOUL NORDLING, o cônsul-geral da Suécia, tomava a sua bebida enquanto ouvia o General von Choltitz.
—A sua trégua parece que não está funcionando muito bem.
—As FFI só obedecerão a um homem—observou Nordling—e esse homem é Charles de Gaulle. E ele está provavelmente em alguma parte na Normandia com os Aliados.
Nordling mal pôde acreditar no que ouviu a seguir. Numa voz calma e firme von Choltitz disse:
—Por que alguém não vai falar com ele?
E então veio uma surpresa ainda maior. Desabotoando o casaco cinza, o general tirou do bolso um maço de papéis azuis. Aquilo, disse, eram as ordens que ele tinha recebido exigindo a destruição de Paris. Tendo fracassado a trégua, ele ia ter de executá-la ou seria destituído de seu comando. Depois, falando lentamente e no seu tom mais calmo, von Choltitz disse a Nordling que a única coisa que podia impedir que isso acontecesse seria a rápida chegada dos Aliados a Paris. Acrescentou:
—O senhor deve compreender que isto poderia ser interpretado como traição. Porque o que eu estou realmente fazendo é pedindo aos Aliados que me ajudem.
Nordling ficou ali aturdido enquanto o sentido dessas palavras calava na sua mente. Sem hesitação, decidiu transmitir a mensagem de von Choltitz aos Aliados. Mas compreendeu que suas próprias palavras talvez não os convencessem do que ele tinha ouvido. Pediu a von Choltitz que lhe desse alguma espécie de documentação escrita. O alemão olhou-o com espanto.
—Eu não poderia de modo algum pôr no papel o que acabo de lhe dizer —declarou.
Concordou, entretanto, em mandar um oficial alemão acompanhar Nordling através das linhas alemãs.
Von Choltitz tomou Nordling pelo braço e disse;
—Vá depressa. O senhor tem 24 horas, no máximo 48. Depois disso, não posso garantir-lhe o que acontecerá aqui.
Voltando ao seu consulado, Nordling imediatamente começou os preparativos para a sua viagem. Nunca iria fazê-la. Sentiu um aperto de dor em volta do peito. Caiu no chão, arquejando com falta de ar, e, com imensa dificuldade, arrastou-se para a cama. Era um ataque cardíaco.
Não obstante, meia hora depois seu Citroen negro partia para Versalhes. Enquanto Raoul Nordling jazia no leito sofrendo, seu irmão Rolf levou a mensagem de von Choltitz a Eisenhower.

A Divisão Blindada Francesa Avança

23 de agosto: Por toda a parte em Paris os preparativos para a demolição se aproximavam do fim. "Quando Paris explodir", gabava-se o perito em demolições, Capitão Eber-nach, "ouvirão o ruído em Berlim." A única coisa de que se precisava agora para fazê-la explodir era uma ordem de Dietrich von Choltitz.
E agora, no quinto dia de luta, o ânimo das FFI começou a fraquejar.
Os alemães atacavam de rijo e as baixas atingiam grandes proporções. Pelo cair da noite, nessa quarta-feira sangrenta, foi morto o 500.° parisiense nas ruas; 2 000 tinham sido feridos. E em parte alguma havia qualquer sinal da ajuda que tantos esperavam que chegasse dentro de horas depois do começo da insurreição.
Desde o amanhecer desse dia, a Segunda Divisão Blindada Francesa (2." DB) avançava com fragor através das ondulantes terras de plantio da Normandia. Estava dividida em duas colunas, cada uma com 20 quilómetros de comprimento. Sob uma tempestade, derrapando e escorregando nas estreitas estradas, os 4 000 veículos e 16 000 homens da divisão avançavam a toda a pressa para a sua capital ocupada.
De todas as unidades aliadas não havia um grupo tão estranho como esse. Continha homens que haviam andado a pé centenas de quilómetros para chegar à África e se reunirem às suas fileiras; homens que haviam atravessado o Canal da Mancha em canoas roubadas; prisioneiros de 1940 que haviam escapado dos stalags alemães para se alistarem de novo. Havia franceses que nunca tinham visto a França; árabes que mal sabiam falar francês; negros da África Equatorial Francesa; membros de tribos do Deserto do Saara.
A sua passagem, os camponeses da Normandia aclamavam ruidosamente a bandeira tricolor e a Cruz de Lorena dos veículos, saudando as letras brancas nos tanques Sherman, letras que formavam os nomes de outras batalhas da França: "La Mar-ne", "Verdun", "Austerlitz". Os soldados sentiam uma exultação que muitos deles julgavam haver perdido para sempre. Todos os homens da divisão eram animados por um júbilo quase histérico ante a ideia de que estavam marchando sobre Paris.
À noitinha, a 2." DB entrava em Rambouillet, a 48 quilómetros de seu destino. O Tenente Sam Bright-man estava sentado no restaurante do Hotel Grand Veneur nessa cidade, olhando a massa enlameada de soldados e veículos.
—A única coisa que eles precisam —murmurou Brightman—é de Gaulle, e os alemães teriam o seu melhor alvo desde o Dia-D.
Nesse momento, a garçonete soltou uma exclamação abafada e deixou cair o prato de comida que estava trazendo. Depois, petrificada, ficou a olhar para a janela e, com lágrimas nos olhos, repetiu várias vezes:
—De Gaulle, de Gaulle, de Gaulle!
Charles de Gaulle estava de fato em Rambouillet e, como os comunistas parisienses haviam receado, na vanguarda do Exército de Libertação. Mal se detendo a responder à ovação do povo da cidade, o general e seu grupo foram diretos ao Château de Rambouillet, onde ele rejeitou a sugestão de que ocupasse os aposentos presidenciais. Em vez disso, escolheu dois quartos no sótão. Depois mandou chamar Leclerc. Ardia em impaciência por chegar a Paris.
Leclerc comunicara-lhe a mudança em seus planos originais. Ele tinha ordem de avançar direto pelo caminho mais curto para Paris, através de Rambouillet e Versalhes. Mas agora o serviço de informações avisava-o de novos tanques alemães e campos de minas nessa região. Leclerc decidira desviar o grosso da força para Leste e entrar na capital pela Porta d'Orléans. O que 24 horas antes parecera uma simples entrada sem obstáculos ia ser uma batalha.
Os homens de Leclerc espalharam-se pelo campo para ver se dormiam um pouco. Durante a noite foi distribuído combustível aos tanques e carros blindados da divisão. O ataque começaria logo depois do alvorecer.
Os defensores alemães não sabiam do ataque iminente. O serviço de informações alemão havia informado apenas a respeito de "carros blindados ligeiros de exploração" em frente da capital. Não obstante, o Feldmarechal Model achou que a frente de Paris tinha sido deixada perigosamente fraca, e nessa quarta-feira à noite mandou reforços para encher a brecha.
Mas reforços aliados estavam a caminho também. Pois Rolf Nord-ling conseguira chegar até ao General Bradley com o convite de von Choltitz para que os Aliados avançassem sobre Paris. E Bradley reagira imediatamente, ordenando à Quarta Divisão dos E.U.A. que se preparasse para avançar sobre Paris.
—Não podemos arriscar-nos a que esse general alemão mude de ideia e mande a cidade pelos ares.
Nessa noite de 23 de agosto, a Quarta começou a deixar o seu acampamento em Carrouges, a 210 quilómetros de Paris.

"Toquem os Sinos das Igrejas"

24 de agosto: À primeira luz do dia, os homens de Leclerc marcharam sobre Pans. partindo do sul, em três colunas, ao longo de uma frente de 27 quilómetros de largura. Inicialmente houve pouca oposição alemã, e o avanço foi uma delirante e deliciosa parada. O caminho era ladeado por camponeses que aclamavam, agitavam bandeiras, choravam. Mulheres e moças saltavam para os estribos dos carros blindados, pulavam por cima das lagartas dos tanques e cobriam seus libertadores de flores, frutos, beijos, vinho e lágrimas. Jean-René Champion, que dirigia o tanque "Mort-Homme" viu uma senhora idosa gesticulando desespera-damente para ele. Abriu a viseira de metal e recebeu uma caçarola de tomates recheiados. O Tenente Alain Rodei apanhou no ar uma galinha assada e uma garrafa de champanha, jogadas para o seu tanque por um padeiro."
A parada durou pouco, pois as colunas de tanques finalmente encontraram a linha de defesa alemã, uma vasta emboscada cuja espinha dorsal eram 20 baterias de canhões de 88 mm cuidadosamente escondidos. Seguiu-se pesada luta. com perda de muitos tanques, mas isso apenas retardou a marcha; não a deteve.
Em Paris, o som cada vez mais intenso desses bombardeios ao sul inspirava incessantes tiros de tocaia, os quais de tal modo enraiveciam os alemães que algumas vezes eles reagiam com selvajaria insensata. No Boulevard Raspail, um tanque de patrulha abriu fogo contra uma fila de donas de casa que esperavam deso-ladamente na porta de uma padaria.
O troar distante do canhoneio também estimulou os combatentes da Resistência a intensificarem sua insurreição. Em parte nenhuma a luta era mais violenta do que na Pla-ce de Ia Republique, onde l 200 soldados alemães do quartel Prinz Eugen lutavam para romper um anel cada vez mais apertado das FFI. A fim de atacarem seus inimigos pela retaguarda, os alemães tentaram passar pelos túneis enegrecidos do metro sob a praça. Nesses corredores abafados, assobiando para se identificarem uns aos outros, os dois lados lutaram desesperadamente: um combate pontilhado de explosões de granadas e dos clarões rápidos e brilhantes dos tiros de fuzis.
Por toda a parte na cidade os alemães se preparavam para a esperada entrada dos Aliados na capital. Nessa noite ela começou.
Com um pequeno destacamento, o Capitão Raymond Dronne atravessou a linha da cidade e entrou em Paris. Seus homens, os primeiros soldados franceses a voltarem a Paris,soltaram uma aclamação delirante.
Nessa tarde Leclerc havia concluído com relutância que não poderia chegar à cidade antes do dia seguinte. E tinha ordenado a Dronne que tomasse tudo o que pudesse e seguisse para Paris. "Diga-lhes que aguentem, que amanhã chegaremos."
Dronne partiu com três Shermans e 16 veículos semilagarta. O jovem capitão com cabelo de fogo queria estar bonito para as mulheres de Paris. Mas não dormia havia 48 horas, tinha os olhos injetados de sangue, a barba transformada numa floresta emaranhada de lama, o uniforme coberto de óleo, pólvora e suor.
Mas nenhum dos parisienses pareceu importar-se com a aparência de Dronne. Dezenas de parisiennes subiram ao seu carro para abraçá-lo e beijá-lo. Uma moça pesadona, Jea-nine Bouchaert, saltou para o jipe dele e, ao fazê-lo, esmagou-lhe o pára-brisa abaixado. Com a extática Jeanine cantando e agitando uma bandeira tricolor, os homens de Dronne avançaram por ruas transversais e finalmente surgiram em frente do Hotel de Ville. Os veículos de Dronne cercaram o edifício.
Segundos antes, Georges Bidault (que mais tarde seria Primeiro-Ministro) tinha subido a uma mesa capenga do refeitório e gritado para os seus companheiros combatentes da Resistência:
—Os primeiros tanques do Exército Francês atravessaram o Sena!
Ainda o eco de suas palavras pairava na sala quando se ouviu lá fora o ruído dos tanques. A multidão começou a cantar A Marselhesa, e, ao morrerem as últimas notas do hino, os homens que estavam no interior do edifício saíram em tropel e caíram sobre Dronne, que estava sem fala, e sufocaram-no com abraços, banhando-o em lágrimas.
A fim de espalharem a notícia, as usinas de eletricidade de Paris ligaram todas as chaves necessárias para que uma transmissão radiofónica chegasse a todos os cantos da cidade. "Parisienses, regozijai-vos!", gritou o locutor, Pierre Schaeffer. "A divisão de Leclerc entrou em Paris. Estamos loucos de felicidade!" Depois a estação tocou A Marselhesa, e uma coisa notável aconteceu. Inúmeros parisienses ligaram seus rádios a todo o volume e abriram suas janelas.
Mal os sons da música haviam silenciado, Schaeffer estava de novo no microfone. "Digam a todos os padres que toquem os sinos de suas igrejas!"
Durante quatro anos os sinos de Paris tinham ficado mudos. Nem uma só vez durante a Ocupação eles tinham feito soar suas notas vibrantes, nem mesmo para chamar os parisienses à Missa. Então, ao apelo de Schaeffer, o grande sino de 14 toneladas da torre sul de Notre-Dame iniciou um repique jubiloso. Em resposta vieram as notas do Savoy-arde, o sino de 19 toneladas do Sacré-Coeur, fundido em fervorosa ação de graças pelo fim da ocupação alemã de Paris em 1871. Uma por uma, todas as igrejas de Paris lhes juntaram seu coro majestoso. Os parisienses choravam ao ouvirem o som.
Em nenhuma parte de Paris os sinos tiveram maior impacto do que num pequeno escritório do Hotel Meurice. Aí os oficiais do estado-maior de Dietrich von Choltitz ofereciam-lhe um jantar de adeus improvisado. Os que se encontravam no quarto tinham poucas ilusões sobre a sorte que os esperava. Não só os Aliados estavam praticamente dentro da cidade, mas as forças americanas haviam atravessado o Sena e avançavam sem resistência em território ocupado pelos alemães. A 26." e 27.a divisões de Panzers, que tinham sido destinadas à defesa de Paris, foram desviadas para detê-los. Von Choltitz não receberia reforços.
Olhando para os oficiais que o cercavam, von Choltitz leu espanto em algumas fisionomias.
—Que outra coisa esperavam?— perguntou com raiva.—Os senhores têm vivido aqui em seu mundozinho de sonho. Cavalheiros, posso-lhes dizer uma coisa que lhes passou despercebida aqui em sua vida amena de Paris: a Alemanha perdeu a guerra.
Abruptamente, pegou o fone e chamou o General Hans Speidel, chefe do estado-maior do Grupo de Exército B, que se encontrava a 95 quilómetros.
—Escute, Speidel—disse numa voz grave e carregada.
E aproximou o fone da janela para captar o tanger solene dos sinos de Paris.
—Está ouvindo isso, Speidel?
—Estou—respondeu Speidel.— Parecem sinos.
—São sinos mesmo, meu caro Speidel—declarou von Choltitz.—Estão dizendo que os Aliados chegaram.
Houve uma longa pausa. Depois von Choltitz disse que, como lhe fora ordenado, havia preparado "as pontes, as estações de estrada de ferro, os serviços públicos e o meu quartel-general para destruição". Poderia contar com Speidel para tirar seus homens da cidade uma vez executada a demolição ? De novo houve uma longa pausa.
—Não—respondeu Speidel.— Creio que não, Herr General.
O comandante de Gross-Paris recolocou o fone no gancho. Não ligaria mais para Speidel.
Mais tarde, nessa noite, quando se dirigia para o seu quarto, von Choltitz encontrou-se com o Capitão Ebernach, que pediu permissão para retirar sua turma de demolição de Paris. Deixaria lá, disse ele, uma seção de homens para fazer explodir as cargas que colocara.
—Ebernach—disse von Choltitz, irritado, ao jovem oficial—leve todos os seus homens e deixe-nos.
Voltou-lhe as costas e afastou-se.

Dança das Calças Listradas de Vermelho

25 de agosto: O céu era de um azul puríssimo, sem nuvens, o dia perfeito. Quando a 2.a DB e a 4.a U. S. entraram na cidade, quase sem encontrarem resistência, os exultantes parisienses tiraram de seus esconderijos tesouros há muito guardados justamente para esse dia: uma garrafa de champanha poeirenta; uma bandeira francesa; uma bandeira americana feita de memória. As ruas, que tinham estado vazias, de repente ficaram atulhadas, ruidosas, intransitáveis. Meninas e meninos pendiam como cachos de uva de todos os tanques e carros blindados. As multidões jogavam flores e corriam atrás das colunas, envolvendo-as em ondas de gritaria.
Ao longo da rota da 4.a U. S. os veículos'abertos logo ficaram cheios de flores até à altura dos tornozelos de seus ocupantes, e o Major S. L. A. Marshall contou 67 garrafas de champanha no seu jipe quando chegou ao Sena perto dos Inválidos. Houve visões que seriam lembradas para sempre. Para o Cabo Stanley Kuroski foi "um velho de grandes bigodes retorcidos e com todas as suas medalhas no peito, ereto como um poste, com grandes lágrimas a rolarem-lhe pelas faces". O que o Coronel Barney Oldfield lembra melhor é de uma mulher velha numa maca, olhando os soldados num espelho seguro acima da cabeça.
—Paris está livre! Paris está livre! —repetia ela.
Para muitos dos libertadores a visão mais espetacular em Paris foram as mulheres da cidade, esguias e queimadas de sol, incrivelmente belas. O Cabo Charley Haley, do 12.° Regimento, observava impressionado enquanto um camarada tentava calcular exatamente quantas conseguia beijar numa manhã.
—Deve ter beijado l 000—lembra Haley com respeito.
Só quando as tropas aliadas se aproximaram dos pontos fortificados de Choltitz foi que o som de tiros se misturou aos gritos de alegria das multidões, lembrando que ainda havia na área de Paris quase 20 000 soldados das tropas de combate alemãs.
A uma hora, quando Dietrich von Choltitz apareceu para almoçar no salão de refeições do Hotel Meu-rice, um ajudante instou com ele para que não ocupasse o lugar de costume perto da janela.
—Uma bala perdida poderia atingi-lo, general—advertiu.
—Hoje, justamente, tomarei o meu lugar de costume—respondeu o general, com brandura.
Fez a sua refeição sem pressa, depois voltou para o seu gabinete no segundo andar, onde calmamente esperou o inevitável desenlace. Por ordens suas, os soldados que defendiam o seu quartel-general estavam opondo apenas resistência simbólica às tropas regulares. Algumas horas antes ele tinha chegado à decisão de que não poderia condenar seus homens à morte numa luta sem esperança.
Não se censurava por isso. Sua honra de soldado estava intata, acreditava ele, e, uma vez prisioneiro,poderia com honra ordenar aos seus homens que se rendessem. Além disso, podia enfrentar o julgamento da História sem vergonha: não tinha permitido que o vingativo Hitler o forçasse a fazer o papel de carrasco de Paris.
Lá fora, depois de alguns tiros, o fogo cessou. Então sua porta se abriu de par em par e um oficial francês parou diante dele e fez continência.
—Tenente Karcher, do exército do General de Gaulle—anunciou.
—General von Choltitz—respondeu o alemão—comandante de Gross-Paris.
—O senhor é meu prisioneiro— disse Karcher.
—Já—respondeu von Choltitz.
Nesse momento, um segundo oficial aliado, o Major Jean de La Ho-rie, entrou no quarto. Por intermédio de um intérprete, disse a von Choltitz:
—General, peço-lhe que ordene a cessação de toda a resistência na cidade.
Depois pediu a von Choltitz que o acompanhasse. O prussiano apertou a mão aos membros do seu estado-maior e obedeceu.
Quando chegaram às ruas embaixo, La Horie teve de lutar para proteger seu prisioneiro contra a multidão vingativa. Homens gritavam insultos e mulheres cuspiam em von Choltitz e tentavam arrancar-lhe as ombreiras do uniforme. Para um povo esmagado por quatro anos de ocupação nazista, a visão de um general alemão com as mãos erguidas em sinal de rendição era especialmente satisfatória.
Von Choltitz aceitou a fúria da multidão com .dignidade. Atrás dele seu ordenança, o Sargento Mayer, suplicava:
—Conserve as mãos erguidas, Herr • General! Se não eles o matam!
Finalmente chegaram ao veículo semilagarta de La Horie, e von Choltitz subiu. Mas a valise que o sargento havia preparado para ele foi-lhe tomada pela multidão e aberta com delírio. Somente graças a um salto frenético conseguiu Mayer tomar o semilagarta em movimento. Von Choltitz nem sequer o notou. Estava paralisado pela visão duma velha purisienne que se havia apoderado de uma das peças de roupa da valise aberta. A mulher dançava como louca, gritando de-alegria e agitando as calças listradas de vermelho do general como um trofeu da libertação.

Paris Está Livre

No espaçoso salão de festas da Chefatura de Polícia, o General Le-clerc acabava de sentar-se para um almoço tardio, com o novo chefe de polícia, quando um ajudante entrou e anunciou que von Choltitz estava no edifício. Leclerc levantou-se e dirigiu-se à sala contígua para aceitar a rendição formal da capital. Von Choltitz estava impecavelmente vestido para essa cerimónia histórica e ficou um pouco escandalizado com a camisa aberta, as botas de soldado e a falta de condecorações de Leclerc.
Os dois homens estavam discutindo as condições do documento de rendição quando houve uma agitação na sala ao lado. O comandante comunista, Coronel Rol, irritado por não ter sido convidado para a cerimónia, exigia ser admitido. Leclerc aquiesceu. Ele desdenhava as intrigas políticas da Resistência e nunca tinha ouvido falar do jovem coronel comunista. E depois, quando um dos companheiros de Rol insistiu em que o nome de Rol também constasse do documento de rendição, Leclerc concordou prontamente.
Nas condições de rendição, Leclerc reiterou a exigência do Major de La Horie de que von Choltitz ordenasse a todos os seus pontos-fortes que cessassem fogo. Para conseguir isto, os dois generais decidiram enviar equipes armadas de um alemão e um francês a cada bastião com uma ordem escrita de von Choltitz para render-se.
À medida que os grupos iam fazendo as suas visitas durante a tarde, um por um os pontos-fortes rendiam-se, e o tiroteio nas ruas silenciou. Às 18h 35m abriram-se as portas do último reduto e de lá saiu o comandante empunhando uma enorme bandeira branca. Formal e definitivamente, Paris estava livre.
Pela noite adentro puderam ser vistas- colunas de alemães capturados nas ruas. Como acontecera antes a seu comandante, naquele mesmo dia, esses prisioneiros foram alvos do ódio represado dos parisienses. Eram esmurrados, espancados, até mortos. Na Place de 1'Etoile, o Major Henri Mirambeau tinha a seu cargo um grupo de prisioneiros aparentemente dóceis. Iam com as mãos juntas sô: bre a cabeça e ele seguia à frente. Por acaso olhou para trás e viu um oficial tirar uma granada de dentro da túnica e jogá-la contra ele. Enquanto Mirambeau caía numa poça de sangue, seus homens mataram toda a coluna de alemães a tiros de metralhadora.
Para alguns franceses, também, esse foi um dia do ajuste de contas. Dezenas de mulheres que tinham dormido com alemães foram apanhadas. Nuas até à cintura, com a suásti-ca pintada nos seios, as cabeças rapadas, elas eram conduzidas pelas ruas e escarnecidas.
Para a vasta maioria das pessoas, entretanto, e particularmente para os libertadores, a noite foi de orgia. Quase de cada tanque, cada carro blindado e cada jipe vinham risos de soldados e parisiennes. Em centenas de cafés eles bebiam, dançavam e amavam.
No Bois de Boulogne o comandante de um batalhão de infantaria, preocupado com a disciplina, fez seus homens armarem suas barracas de campanha em fileiras e ordenou uma formação ao toque de alvorada. Quando soou o clarim de manhã, ele viu seu fracasso: quase de cada barraca saiu um pracinha cansado ... e uma moça de olhos sonolentos.

Charles, o Magnífico

26 de agosto: Essa cidade e esse dia pertenciam a Charles de Gaulle. Desde o dia anterior o rádio vinha anunciando que ele marcharia pelos Champs-Elysées às 15 horas, e as máquinas impressoras tinham imprimido milhares de cartazes com as palavras: "Vive de Gaulle!" Esse dia marcou o seu encontro com a História, a culminância de uma cruzada de quatro anos. E ia ser a ocasião para silenciar os seus rivais políticos.
Sua parada pelos Champs-Elysées iria do Túmulo do Soldado Desconhecido a Notre-Dame. Elementos da 2.a DB seriam postados ao longo do caminho—em parte por medida de segurança, mas principalmente para impressionar a população com a autoridade que sustentava seu governo.
Todo o plano era incrivelmente perigoso. Numa cidade ainda não limpa de franco-atiradores alemães e contendo implacáveis inimigos políticos, de Gaulle propunha-se reunir mais de um milhão de pessoas e seus líderes. Os aviões de Hermann Goe-ring não poderiam ter um alvo mais tentador. Não obstante, de Gaulle prosseguiu. Tinha de impor a sua autoridade imediatamente enquanto a capital estava na crista da onda emocional que sua libertação havia produzido.
De Gaulle começou sua cerimónia inspecionando os tanques e carros blindados da 2." DB, dispostos em volta da Etoile. Depois colocou uma cruz de gladíolos rosa no Túmulo do Soldado Desconhecido, acendeu a chama é guardou silêncio por um momento^ De balcões, telhados, ja­nelas e calçadas Paris áclamou-o. E depois, com uma vanguarda de qua­tro tanques e com uma cadeia de FFI, polícia e bombeiros avançando ao longo dos meios-fios das calçadas para conter as multidões, de Gaulle marchou pela vasta extensão dos Champs-Elysées. A uma ordem sua, os líderes da nova França fizeram-lhe companhia. E atrás deles o resto do cortejo seguia sem ordem pela avenida. Enquanto marchava, de Gaulle sentiu que, mais do que nun­ca, ele era o instrumento do destino da França.

Mas havia dificuldades adiante. Quando o cortejo entrou na Place de Ia Concorde, começaram a soar tiros. Milhares de pessoas se atiraram ao chão ou correram a abrigar-se atrás dos veículos blindados que estavam na praça. Entretanto, Charles de Gaulle, continuou, indiferente ao tiroteio, ereto como um poste. Quando chegou a Notre-Dame, as FFI e os soldados estavam crivando os telhados próximos de balas, fazendo saltar lascas de granito das gárgulas que ornavam a balaustrada da catedral. Os oficiais de Lecl-erc tentaram desesperadamente restaurar a ordem; o próprio comandante deles bateu com sua bengala num dos soldados que atiravam a torto e a direito.

De Gaulle entrou na catedral pela Porta do Juízo Final. E então, começou o tiroteio dentro da própria catedral. Os fiéis jogaram-se ao chão, mas, caminhando pela nave, de Gaulle manteve o seu passo firme e encaminhou-se para o seu lugar à esquerda do transepto. Atrás dele, o General Koenig berrava para o povo aterrado:

—Vocês não têm orgulho? Levantem-se!

Começou a cerimónia religiosa, mas o fogo não diminuiu. E finalmente, de Gaulle compreendeu a loucura de continuar. Terminou a cerimonia depois do Magnificai e, a seguir, impertubável, percorreu de novo toda a extensão da nave e saiu da catedral.

Nenhuma outra coisa que ele pudesse fazer poderia ter conquistado a admiração de seus compatriotas como essa demonstração de coragem física. "Depois daquilo", disse um jornalista americano que o observou, "de Gaulle tem a França na palma da mão."

Nunca se soube bem quem havia atirado. Mas isso fazia pouca diferença para Charles de Gaulle: ele estava convencido de que era obra dos comunistas. Durante os próximos dias dedicou todos os esforços a destruir-lhes o poder restante. E uma semana depois da libertação de Paris ele havia reduzido à impotência todos os riyais importantes, comunistas e outros;

"O ferro estava quente", escreveu Charles de Gaulle mais tarde com eloquente modéstia. "Eu o malhei."


"Brennt Paris?"


Hitler ainda não havia acabado com Paris. Quando teve notícia de que os Aliados estavam entrando na cidade, sua raiva foi sem limites.

—Jodl!—gritou para o chefe do seu estado-maior.—Brennt Paris? ("Paris está em Chamas?")

—Jodl—repetiu Hitler.—Eu quero s.aber! Paris está em chamas ? Paris está em chamas neste momento, Jodl ?

Informado de que não estava, Hitler deu imediatamente uma ordem chocante: um assalto em massa de bombas V devia ser desencadeado sobre a capital francesa. Sua raiva já era frenética porque suas ordens anteriores de deixar Paris "transformada num monte de ruínas" não foram cumpridas, e Jodl não se atreveu a desobedecer-lhe. Com relutância, o chefe do estado-maior telefonou ao Feldmarechal Model, que era um dos discípulos mais dedicados ao Fiihrer. Felizmente para Paris, Model estava ausente em uma inspeção, e a ordem selvagem foi recebida pelo segundo em comando, o General Speidel, que decidiu não lhe dar atenção.

Mas Hitler também tinha ordenado à Luftwaffe que atacasse Paris "com todas as forças à sua disposição", e a ordem foi obedecida. No raid que se seguiu, o mais pesado sofrido por Paris durante toda a guerra, foram mortas 213 pessoas, feridas 914, e destruídos ou danificados 600 edifícios.

O Tenente Claude Guy observou o raia insensato do Ministério da Defesa. E enquanto as bombas explodindo faziam manchas no horizonte, ele podia ouvir gargalhadas num apartamento vizinho—um grupo de parisienses comemorava ruidosamente a vitória sem dar atenção ao bombardeio.

Na escuridão, Guy sentiu um vulto aproximar-se dele. Era de Gaulle. Sombrio e silencioso, o general observava e ouvia as gargalhadas.

—Oh! suspirou—eles pensam que porque Paris está libertada a guerra terminou. Eh bien, a guerra continua. Os dias mais difíceis estão por vir. O nosso trabalho apenas começou.


(Tradução de João Távora)


Texto retirado da Revista Seleções do Reader's Digest de Outubro de 1965




































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