terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Terceira Esquadra e o grande tufão


Um sombrio vendaval, auxiliado por «grandes erros», humilhou uma altiva esquadra em sua hora de triunfo

A Terceira Esquadra e o grande tufão

Hanson W. Baldwin
Redator de assuntos militares do «Times» de Nova York
Condensado de « The New York Times Magazine»


ERA a maior esquadra que já sulcara os mares e vinha de alcançar o seu maior triunfo. Mas a mão de Deus estava estendida sobre ela e um grande vento soprou; a esquadra foi dispersada e devastada sobre o oceano. A inexorável lei das tempestades fora esquecida e a Terceira Esquadra Norte-Americana, sob o comando do Almirante William F. Halsey, sofreu o castigo: mais homens perdidos, mais navios afundados e avariados do que em muitos dos combates da guerra no Pacífico.
Em meados de dezembro de 1944 a batalha do Golfo de Leyte, nas Filipinas, já tinha passado à história; havia apenas poucas semanas que o Império Nipônico recebera um golpe fatal. A invasão da Ilha de Mindoro, ocupada pelos japoneses, começara em 15 de dezembro e a Terceira Esquadra achava-se esgotada por três dias de ataques os mais variados contra a ilha de Luçon. Quando a esquadra se retirou para reabastecer-se, estava à vista o começo do fim. O Almirante Halsey, com seu pavilhão içado a bordo do encouraçado New Jersey, transmitiu aos navios-tanque e à Força Tarefa 38, constituída
por porta-aviões, a posição onde seria feito o reabastecimento—cerca de 500 milhas a leste de Luçon. Mas o mar tornou-se agitado na noite de 16 para 17 de dezembro e o pessoal sentiu o mal-estar provocado pela tempestade que se aproximava.
Domingo, 17 de dezembro: O dia amanheceu sombrio e encoberto, o mar picado, o vento forte porém variável, os navios sacudindo violentamente. A Terceira Esquadra navega através de centenas de milhas de oceano, os mastros e os conveses de voo arfando e caturrando, descrevendo amplos arcos sobre o horizonte. Aqui, em toda a sua majestade, está a esquadra que dominou o orgulho do Japão—duas dezenas de porta-aviões, oito encouraçados, numerosos cruzadores e dezenas de contra-torpedeiros. A Terceira Esquadra entra em contacto com os 24 grandes navios-tanque de esquadra e com a respectiva escolta, e, apesar dos vagalhões violentos, o reabastecimento principia. As exigências do combate, o apoio necessitado pelos soldados que estão lá em Mindoro, não permitem qualquer concessão à natureza.
Os contratorpedeiros—os navios pequenos que dançam em qualquer mar, navios cujos tanques de óleo estão vazios por terem passado dias cruzando a toda velocidade—aproximam-se para ficar a contrabordo dos navios-tanque. O oceano, porém, não o permite. Alguns navios conseguem embarcar uma pequena quantidade de óleo antes que as mangueiras se partam e os navios, jogando, afastem-se violentamente; porém a maioria parte uma mangueira atrás de outra, e enquanto os contramestres amaldiçoam, as ondas se quebram violentamente nos conveses dos navios-tanque e o óleo corre sobre as chapas de aço.
Nas primeiras horas da tarde o reabastecimento é suspenso; o rumo passa a ser noroeste, mudado, posteriormente, para sudoeste, a fim de evitar o centro da tempestade que se aproxima, centro este que, no entanto, não está localizado nitidamente. As leituras dos barômetros caem, os ventos gemem, mas a Terceira Esquadra navega em formatura de cruzeiro.
Segunda-feira, 18 de dezembro: A noite está horrível; nas mesas da praça d'armas dos contratorpedeiros colocaram-se as guardas para impedir que os pratos caiam; o pessoal que foi dormir "está amarrado aos beliches, mas os bruscos movimentos dos navios, consequência do mar agitado, só permitem um sono cheio de sobressaltos. As leituras dos barómetros caem ininterruptamente. As rajadas de chuva, o borrifo e a espuma reduzem a visibilidade; é difícil aos navios conservarem as posições que lhes competem na formatura da esquadra—às vezes isto é quase impossível. Os ventos batem e açoitam «mas as posições estimadas para o centro da tempestade não concordavam umas com as outras» e só pela madrugada é que a Terceira Esquadra compreende que está no caminho do maior e pior de todos os tufões. O rumo da esquadra é mudado para 180 graus—diretamente para o sul— mas é muito tarde: a fúria do tufão está desencadeada sobre os navios.
O quarto de 8 às 12 começa, empregando-se uma velha expressão marinheira, «com a onça solta». A violência do vento é terrível; ele guincha e relincha, ruge e estremece, bate e agarra. Os navios estão oscilando intensamente—castigados pelo vento, jogando rapidamente com inclinações tremendas e com movimentos bruscos e violentos, caturrando e arfando, mergulhando profundamente sob toneladas d'água, levantando-se com esforço, esguichando espuma e sal através das seteiras dos canhões e dos escovéns. As rajadas violentas acompanhadas por aguaceiros, os borrifos que picam como se fossem granizo, e as nuvens baixas, arrastadas pelo vento forte, suprimiram completamente a visibilidade. A Terceira Esquadra está dispersa; poucos são os navios que vêem os outros; somente nas telas dos radares os traços luminosos aparecem para mostrar, em confusão tumultosa, a extensão do poder humano.
Os navios-tanque completamehte carregados, os pesados encouraçados e os porta-aviões maiores jogam e mergulham profunda e violentamente, mas sem perigo, em mares encapelados; para os porta-aviões de escolta, os porta-aviões ligeiros e os contratorpedeiros, entretanto, a luta é de vida ou de morte. Alguns dos |navios da esquadra estão exatamente no caminho pelo qual vai passar o tufão, onde os ventos mais fortes os empurram para o centro da tempestade, e no mínimo um dos grupos de navios da Força Tarefa está exatamente na zona adjacente ao «olho» do tufão, onde o redemoinho do vento e o oceano borbulhante alcançam seu efeito máximo. Um navio atrás de outro perde seguimento e é arrastado para os terríveis cavados formados entre as ondas, não obedecendo mais ao leme.
A bordo do porta-aviões ligeiro Cowpens um avião de caça, amarrado, por três cabos ao convés de voo, solta-se por ocasião de um balanço de 45 graus e se despedaça de encontro ao passadiço, causando um incêndio. A guarnição está a combatê-lo quando uma muralha maciça de água verde rasga, como se fosse um abridor de latas, as portas de aço de bombordo do convés dos hangares. A guarnição combate o incêndio quando o vento e o mar arrancam de sua base de aço a plataforma do canhão de 20 milímetros de vante. A guarnição.também combate o incêndio ao mesmo tempo que as bombas arrebentam os seus cabides no paiol e rolam desordenadamente sobre o convés; ao mesmo tempo que jeeps e tratores, um pequeno guindaste e sete aviões são arrancados de suas peias, varridos do convés de voo e lançados ao mar agitado. Mas é o próprio mar que, por fim, extingue o incêndio, da mesma forma que fora ele que o causara; o avião incendiado solta-se do passadiço e cai no tumulto das ondas.
A proporção que o dia passa, os livros de quarto esgotam os superlativos náuticos. As leituras dos barômetros caem de um modo jamais visto por qualquer marinheiro. Alguns navios registram exatamente 710 milímetros; o Dewey lê no seu barómetro 693 milímetros—possivelmente a menor leitura até hoje registrada no mundo. O navio-tanque Nantahala, juntamente com outros navios de um grupo reabastecedor localizado a nordeste do corpo principal da esquadra, próximo ao centro da tempestade, registra para velocidade do vento 124 nós. [Aproximadamente 229,80 km/h]
O vento vira, rapidamente, à proporção que a trajetória do tufão se curva, soprando do norte e do sul, de leste e de oeste—mudando de direção como fazem todos os ciclones— e aumentando de intensidade até alcançar a Força 17, muito além daquelas indicadas na tabela utilizada para a medida da intensidade do vento pelos antigos marinheiros, a escala Beaufort—a qual define o seu valor máximo, Força 12, como «um furacão com velocidade superior a 65 nós».
O vento possui milhares de notas musicais—o baixo da ameaça rosnada, o soprano dos estais tão fortemente distendidos que zumbem como cordas de arco. As cristas das vagas—mais de 20 metros do cavado à crista—estão achatadas pelo vento e são projetadas em linha reta devido à sua violência; a chuva e os borrifos misturam-se num lençol horizontal de água; ninguém pode dizer onde o oceano termina e o céu começa. Sobre todas as coisas paira a cacofonia dos navios desconjuntados que rangem, do estalido das anteparas, do ranger das colunas, do deslizar, despedaçar e rugir do entulho que escorrega de antepara para antepara.
As tentativas para permanecer em formatura ou para mudar de rumo a fim de aliviar seus balanços significam devastação para alguns navios. Alguns dos contratorpedeiros mais aliviados estão à deriva; todas as possíveis combinações de ângulos de leme e de rotação de máquinas não conseguiram tirá-los dos cavados das ondas; eles são arremessados lateralmente, jogados com violência para um e outro bordo, e os seus costados estão bastante amassados pela ação do vento e do mar,e flutuam, desgovernados, ao sabor do vento.
Os porta-aviões ligeiros e de escolta comportam-se pouco melhor. Os conveses dos hangares estão transformados em infernos de chamas e de metal que se despedaça, inferno de fogo, vento e mar.
A bordo do porta-aviões ligeiro San Jacinto os homens dos grupos de controle de avarias e combate a incêndios se amarram, eles próprios, a cabos suspensos ao teto dos hangares e, balançando e deslizando como pêndulos sobre o convés escorregadio, arriscam suas vidas para pear firmemente a massa de entulho que desliza, rangendo, de um lado para outro. As praças de caldeiras nº l e 2 do Monterey são abandonadas devido à fumaça espessa proveniente de um incêndio no convés dos hangares; as caldeiras são guarnecidas apenas pelos homens estritamente indispensáveis, usando máscaras especiais para poderem respirar; uma explosão provocada por vapor de gasolina mata um marinheiro; um outro, encurralado pelas chamas, morre queimado; muitos ficam feridos.
O contratorpedeiro Dewey luta quase até à morte. Com a tempestade uivando como um fantasma agou-rento, o sinaleiro de serviço vai rabiscando no livro de quarto, à proporção que as avarias ocorridas são transmitidas ao passadiço:
10h 20m—Leme do passadiço fora de ação; governando com o leme de ré.
11h 30m—Máquinas principais paradas—quadro de distribuição principal de energia elétrica com curto circuito devido à água salgada. Em cada um dos balanços mais fortes entram de duas a quatro toneladas de água pela aspiração da ventilação forçada principal n° 2 . . .
O navio está à matroca. A ordem dada à guarnição é permanecer a bombordo.
Jogando e caturrando mais. O inclinômetro indicou 73 graus para boreste e parou por alguns segundos.

Mas o Dewey flutua ainda quando a manhã se esvai. O mesmo não acontece com os contratorpedeiros Mo-naghan e Spence.
O Monaghan, com 12 estrelas representativas das batalhas em que tomou parte, pintadas em seu passadiço, caminha para a morte—sem que a esquadra o saiba. Suas 1.500 toneladas de aço estão devastadas e deformadas; sua baleeira de boreste embarca água quando os turcos mergulham no oceano verde. Contudo, há poucos indícios de desastre.
Cerca de meio-dia o vento empurra o Monaghan fazendo-o adernar demasiado sobre boreste. Ele se esforça para voltar novamente à posição normal—e consegue-o, porém muito vagarosamente. No alojamento a ré 40 ou 50 homens agarram-se às colunas e suplicam: «Fazei-o voltar, Santo Deus! Fazei-o voltar!» O navio volta vagarosamente à posição normal. As luzes, porém, se apagam; novamente o jogo excessivo para boreste e, como sempre, o navio luta, às sacudidelas, para fugir ao desastre.
Finalmente o vento trata-o com extrema brutalidade; o Monaghan aderna pesadamente para boreste— 30, 40, 60, 70 graus—e, esgotado, se deita sobre o costado para morrer entre um turbilhão de espuma branca e os clamores das Valquínas da tempestade. Dezoito oficiais e 238 marinheiros afundam com o navio.
O Spence desaparece quase ao mesmo tempo. Sem lastro, com pouco combustível, ele se desloca como um pedaço de cortiça e como um pedaço de cortiça é jogado entre os terríveis cavados das ondas, semelhantes a vales profundos e estreitos. O navio aderna mais de 72 graus para bombordo—e assim permanece. As luzes se apagam; as bombas param—o coração do navio morre antes que o corpo morra. Pouco antes do meio-dia o Spence afunda—2.100 toneladas de aço com a potência de 60 mil cavalos.
A esquadra está dispersa sobre uma larga extensão do oceano; alguns dos navios sentiram em toda a plenitude a fúria da tempestade; outros ainda irão senti-la. A intensidade máxima da procela é alcançada entre 11 e 14 horas.
Para o contratorpedeiro Hull, tendo a bordo a maior parte da correspondência da esquadra, o quarto de meio-dia às quatro é o último. A proporção que o vento aumenta de intensidade até atingir um valor estimado em 110 nós, «sua força deita o navio sobre o costado de boreste e mantém-no de encontro à água até que as ondas entrem no camarim de governo». O jovem Capitão-de-Corveta James Alexander Marks afasta-se de seu navio emborcado, o primeiro navio que ele comandara, num mar «batido até fazer espuma», um mar tão ávido por vidas que os coletes salva-vidas são arrancados aos pedaços das costas dos poucos sobreviventes.
O contratorpedeiro Dewey sobrevive, apesar de avariado quase mortalmente. A água verde derrama-se sobre o lais de boreste do passadiço quando o navio se inclina de cerca de 80 graus para boreste—e continua vivo para contar a façanha—talvez o primeiro navio na história marítima a sobreviver a um balanço tão forte.
Às 13 horas, o barômetro alcança sua leitura mínima. Mas o tufão já tinha feito o pior mal que poderia ter feito; às 13h e 14m o barômetro registra uma ligeira ascensão e às 14h 39m o vento abranda atingindo cerca de 80 nós. A tempestade gira para seguir em direção às vastidões do Pacífico durante o resto daquele dia—segunda-feira. Mesmo na têrça-feira os mares ainda estão horríveis—mas o grande tufão tinha passado.
Os sobreviventes do Monaghan, do Hull e do Spence são infelizmente pouquíssimos. Os navios da esquadra, esmiuçando o oceano, encontram um punhado de marinheiros esgotados e feridos, os quais compreenderão para sempre, com maior intensidade do que quaisquer outros homens vivos, o que significa a fúria do mar.
O grande tufão custou 790 homens, entre mortos e desaparecidos. Mais de 80 homens ficaram feridos; 146 aviões foram lançados pela borda fora ou avariados em tal extensão que não puderam ser reparados. Os navios menores estavam avariados e esgotados; somente a lista de avarias do Monterey cobria nove páginas dactilografadas em espaço simples. Treze navios exigiam grandes reparos e nove outros apresentavam avarias de menor vulto. Os ataques planejados contra Luçon foram cancelados e a Terceira Esquadra se arrastou—avariada e com os navios fora de formatura—para o atol de Ulithi.
Uma Comissão de Inquérito da Marinha Norte-Americana, convocada para examinar o que ocorrera, verificou «grandes erros cometidos ao ser efetuada a previsão do centro e do deslocamento» do tufão. O Almirante Chester W. Nimitz, Comandante-em-Chefe da Esquadra Americana do Pacífico, realçou que as avarias produzidas «representaram um golpe mais imobilizador do que seria possível esperar em quaisquer circunstâncias exceto em um combate de grandes proporções.» E o Almirante comandante da Força de Reabastecimento fez um comentário sóbrio: «... não existe navio sobre as águas que não possa ser virado pelo vento e pelas vagas.»



Texto retirado da revista Seleções do Reader's Digest de Junho de 1952

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Torpedos Humanos Em Gibraltar

Os heróis submarinos da Itália na Segunda Guerra Mundial


Torpedos humanos em Gibraltar


Por Frank Goldsworthy
Ex-oficial do Serviço de Informações da Marinha Inglesa em Gibraltar


 NUMA NOITE sem lua, em setembro de 1941, um submarino, com a coberta à flor d'água, penetrou na Baía de Cadiz, na costa sudoeste da Espanha, e ancorou ao longo do navio-tanque italiano Fulgor. O submarino era o Scirè da Marinha Italiana; seu comandante, o Príncipe Junio Valerio Borghese; sua missão, organizar tripulações de torpedos-humanos, para o ataque a navios ingleses fundeados em Gibraltar, a 80 milhas de distância, apenas.
Naquela noite teve início, dentro da guerra maior, uma guerra que durou dois anos, travada em silêncio sob a superfície da Baía de Gibraltar. Contra um passivo de três homens mortos e três capturados, os torpedos-humanos italianos puseram a pique ou danificaram, em sete operações, 14 navios aliados. Cada uma dessas operações exigia dos atacantes um arrojo que honraria qualquer marinha do mundo.
Quando a Itália entrou na guerra, em 1940, o navio-tanque Fulgor, de 6.500 toneladas, refugiara-se na Baía de Cadiz. Dentro de poucos meses estava transformado num posto secreto de abastecimento para submarinos italianos. Agora, a seu bordo, aguardando o Scirè, achavam-se seis operadores de torpedos-humanos que haviam atravessado a Espanha com passaportes falsos.
Minutos depois, o Scirè punha-se de novo em movimento com eles no bojo. Deslizava, periscópio apenas submerso, em direção ao extremo sudoeste da Baía de Gibraltar, em águas espanholas, distante quatro milhas do porto inglês. Enquanto se mantinha ainda abaixo da superfície, seis homens — vestindo macacões de borracha, inteiriços, com aparelhamento respiratório-subiram pela escotilha de acesso para o convés. Aí, presos em berços, estavam três torpedos de 6 metros e 70 de comprimento, com ogivas ou cabeças de combate destacáveis, para dois homens cada um. Os tripulantes—um oficial e um suboficial para cada torpedo—escarrancharam-se em seus torpedos, acionaram as alavancas de lançamento e subiram à superfície. Começava o ataque.
Os ITALIANOS chamavam ao torpedo maiale (porco), pois ele lembrava de fato um porco—e um porco nadando não seria mais difícil de manobrar... Em seu bojo o torpedo tinha reservatórios de ar comprimido para regular a profundidade e baterias para a propulsão da hélice dupla. O máximo de velocidade dos torpedos usados em 1941 era de três nós: uma velocidade maior arrebataria de seus lugares os operadores. Seu raio de ação era de dez milhas.
Os tripulantes iam escarranchados como cavaleiros. O oficial da dianteira controlava a velocidade, a direção, o mergulho, e encarregava-se ainda da sonda e bússola luminosas para uso abaixo da superfície. Normalmente os tripulantes viajavam com água até ao queixo, mas se havia barcos-patrulha por perto, prosseguiam em sua rota submersos.
Um operador de torpedo-humano narra assim um ataque:
"A gente vê a silhueta do navio-alvo contra o céu. A uns 50 metros de distância orientamo-nos, enchemos o tanque de imersão e a água se fecha sobre as nossas cabeças. Em baixo é frio, escuro e silencioso."
"Quando atingimos profundidade suficiente, fechamos a válvula de imersão, acionamos o motor e avançamos lentamente. Passamos da escuridão para uma escuridão mais profunda: estamos debaixo do navio. Paramos o motor e vamos esvaziando os tanques de água. Enquanto subimos, erguemos a mão acima da cabeça. Pensamos se iremos tocar chapas lisas ou cracas afiadas como facas, que nos cortarão os dedos, ou—horror dos horrores—a roupa de borracha que vestimos, deixando entrar a água do mar."
"Ah! Eis o fundo do navio. Fazemos o torpedo recuar até que o tripulante n° 2 possa tocar um dos frisos de 30 centímetros de largura que correm ao longo de cada lado do casco dos grandes navios. Sentimos um tapa nas costas. O n° 2 achou o friso e está fixando nele uma pinça. Dois tapas. A pinça está presa. Agora adiante, para o outro friso."
"O n° 2 está arriando um cabo. Prende a segunda pinça, depois volta ao centro do navio. O n" 2 passa em volta da gente para ir até à ogiva de combate e amarra-a ao cabo. O torpedo corcoveia levemente ao ser desligado da cabeça. O relógio que determinará dentro de duas horas e meia a explosão bate os segundos inexoravelmente. O n° 2 volta ao seu lugar. Três tapas. A tarefa foi concluída. Acionamos o motor, saímos de baixo do navio, subimos lentamente. Agora podemos pensar em fugir."
LICIO VISINTINI, o mais ousado do grupo e um dos cérebros da ofensiva de torpedos-humanos, levou seu torpedo, nessa noite de setembro de 1941, até ao interior do porto de Gibraltar. Tinha um instrumento para cortar a rede de aço que defendia a entrada do porto, mas não precisou utilizá-lo. Quando a rede foi baixada para ciar passagem a um contratorpe-se atrás dele. Deixou a sua ogiva de combate no fundo de um navio-tanque, forçou caminho por sob a rede e escapou.
As outras duas tripulações deixaram suas cabeças de combate pendentes debaixo de navios fundeados na baía, meteram a pique suas estranhas embarcações e nadaram para a costa espanhola. A sua espera na praia encontrava-se o comandante Pierleoni, oficial da Marinha Italiana, enviado diretamente à Espanha para dirigir as atividades de sabotagem, sob a capa de um cargo consular, em Barcelona. Quando conduzia os homens para longe do local, foram detidos por uma patrulha espanhola. Pierleoni resolveu explorar a simpatia do oficial espanhol pelo Eixo.
—Estes homens acabam de atacar os ingleses, disse.
O golpe foi bem sucedido. Os homens receberam roupas enxutas, café, conhaque e cigarros. Enquanto narravam sua história, um estrondo e uma nuvem de fumo indicaram que havia explodido a popa do navio-tanque Denbydale. Logo depois houve explosões semelhantes sob o cargueiro Durham e o navio-tanque Fiona Shell.
Mais tarde esse torpedeadores foram enviados de avião para a Itália, a fim de receberem os aplausos do público italiano.
PIERLEONI passou o inverno de 1941-42 organizando um grupo de sabotagem na Espanha. Em julho estava preparado para a sua primeira operação de terra contra navios aliados ancorados em Gibraltar—um ataque em massa por 12 membros do «Gamma», contingente de nadadores de assalto. Os nadadores reuniram-se numa casa perto de La Linea, território espanhol imediatamente acima da zona inglesa de Gibraltar. Na cozinha, vestiram compridos macacões de lã, sob outros, inteiriços, de borracha, em que se enfiavam desde os pés até ao pescoço, e muniram-se de aparelhamento respiratório e capacetes especiais de proteção contra as redes de aço. Eram 11 horas da noite de 13 de julho quando se dirigiram para a praia.
Nas costas e no peito cada homem carregava «bombas-despertadores»— pequenos engenhos engastados em anéis infláveis de borracha, capazes de se fixarem por pressão aos Cascos das embarcações, até que o relógio detonador esgotasse o seu tempo. Eram minúsculas aquelas cargas de dois quilos em comparação com as ogivas de combate dos torpedos-humanos, mas davam para perfurar chapas de aço. Na baía viam-se os vultos escuros de 30 navios aliados. A cada homem foi dito que escolhesse o seu objetivo.
Entre os nadadores figurava Vago Giari, um rijo camponês de ombros largos, com a destreza aquática de uma foca. Na escuridão, sob um navio que visava, Giari chocou-se com outro nadador. Discutiram por causa do objetivo. Cada um dizia que era seu.
—Estava doido, completamente doido, contou Giari depois, referindo-se ao companheiro.
Quando subiu à tona, cumprida sua missão, o outro, tendo tirado o bocal, começou a gritar com ele.
—Nunca pude compreender como a tripulação do navio não o ouviu, disse Giari.
Dessa vez ele não discutiu. Afundou a cabeça do homem na água e manteve-a assim até que ele perdeu todo o fôlego para gritar.
Seis nadadores regressaram sãos e salvos, os outros seis caíram nas mãos de uma patrulha espanhola e foram «internados» num hotel de Sevilha.
O ataque constituiu apenas um sucesso relativo. Alguns dos nadadores não atingiram seus objetivos, umas quantas bombas foram arrancadas pela força da água dos cascos onde haviam sido fixadas e explodiram na superfície. Mas quatro navios ficaram avariados. Uns dois meses depois Giari e um companheiro avariaram seriamente outro navio.
DENTRO do porto de Algeciras, à vista de Gibraltar, achava-se fundeado o navio-tanque italiano Olterra. Propositadamente arrombado em água rasa por seu comandante, na ocasião em que a Itália declarara guerra, encontrava-se em 1942 sob uma guarda de «neutralidade». Os jovens soldados espanhóis, entretanto, mostravam-se mais interessados em surrupiar cigarros do que em relatar incidentes suspeitos.
Os incidentes eram realmente suspeitos, pois eram organizados por Licio Visintini. Visintini começou a construir uma base secreta dentro do Olterra. Primeiro os italianos cortaram uma seção de 7 metros e meio de comprimento no anteparo de aço que separava o compartimento da proa de um pequeno porão, e equiparam-na com dobradiças. Dizendo aos espanhóis que tinham necessidade de limpar os tanques de flutuação, esvaziaram os tanques da proa até que esta se ergueu bem alto fora d'água.
Certa madrugada, com a sentinela espanhola dormindo um sono pesado de conhaque, fêz-se a abertura de uma porta no casco do navio, abrindo para o compartimento da proa, abaixo da linha d'água normal. A porta abria para dentro—e fechava tão bem que só mesmo um mergulhador poderia dar por ela. Quando o navio voltou à nivelação normal, o compartimento da proa alagou, mas o porão ficou seco.
O plano era pendurar torpedos-humanos em polias no compartimento da proa. Nas noites de ataque, poderiam ser lançados à água, passando pela porta feita no casco.
Inicialmente, porém, os torpedos tiveram de ser trazidos da Itália. Dêsse modo, os italianos disseram aos espanhóis :
—Temos de reparar as máquinas do navio para nos prepararmos para a vitória.
Se os espanhóis se houvessem mostrado curiosos sobre os caixotes de «tubos para caldeira» que chegaram em caminhão da Itália, teriam descoberto em cada um deles um torpedo-humano de 6,70 m de comprimento.
Diversos ataques foram lançados do Olterra. O primeiro, na noite de 7 de dezembro de 1942, custou a vida a Visintini e seu companheiro. Todas as noites a Marinha Inglesa fazia disseminar, a pequenos intervalos de tempo, cargas explosivas nas águas do porto. Uma dessas cargas matou os dois torpedeiros. Seus corpos foram encontrados duas semanas depois dentro do porto de Gibraltar. Mas o segredo do Olterra continuou inviolado.
Só em maio de 1943 os italianos conseguiram trazer «maquinaria» suficiente para que o Olterra reiniciasse seus ataques. Desta vez abandonaram a esperança de penetrar no porto de Gibraltar, passando a escolher como objetivo navios ancorados ao largo. Na noite de 7 de maio três torpedos-humanos, partindo do Olterra, efetuaram um novo ataque e regressaram sem baixas. Dois cargueiros aliados foram pesadamente danificados, um terceiro perdeu-se inteiramente.
Outro ataque vindo do Olterra teve lugar a 3 de agosto de 1943, dirigido pelo comandante Ernesto Notari. Sob o objetivo—o navio norte-americano Harrison Grey Otis, tipo Liberty, de 7.000 toneladas—Notari encontrou um novo dispositivo de defesa, arame farpado pendente na escuridão. Seu auxiliar era o sub-oficial Giannoli, um substituto de última hora. Relativamente bisonho, Giannoli deixou escapar o cabo que deveria ser passado de um para outro dos frisos laterais e a cabeça do torpedo teve de ser diretamente pinçada à quilha. Enquanto isso se fazia, o torpedo começou a subir. Notari abriu demais as válvulas de emersão e o torpedo mergulhou sem controle. Com os pulmões estourando, a cabeça rébentando, Notan lutava com os controles, enquanto a agulha do indicador de profundidade ia passando do limite de 34 metros—três vezes a profundidade normal de treinamento.
Tão rápido como mergulhara, o torpedo disparou para a superfície. Notari pensou espatifar a cabeça de encontro ao fundo do navio ou estraçalhar a roupa de borracha nos arames farpados, mas, com um forte ruído peculiar, o torpedo rompeu a água e se encontrava a um metro de distância do navio.
Semi-inconsciente, incapaz de pensar ou de agir, Notari permaneceu tombado sobre os botões de controle, aguardando gritos ou tiros. Nada aconteceu. Lentamente, readquiriu a capacidade de raciocínio. O motor só funcionava à velocidade máxima, e, a essa velocidade, mergulhar era impossível.
Optou pela única possibilidade de salvação que lhe restava—a retirada a toda velocidade pela superfície, numa extensão de cerca de quatro milhas, esperando que a qualquer momento a viva fosforescência da água em sua esteira pusesse um barco-patrulha no seu encalço.
Então aconteceu um milagre. Um cardume de golfinhos fez-lhe companhia até Algeciras, brincando e proporcionando-lhe assim um perfeito disfarce para a sua esteira e um regresso seguro ao Olterra.
Nesse ínterim, Giannoli, arrancado de seu assento no torpedo pela velocidade do mergulho, mantinha-se à tona, do outro lado do navio, pensando que Notari se tivesse afogado. Nadou para a popa, desvencilhou-se do equipamento respiratório e do invólucro de borracha e, durante duas horas, deixou-se ficar agarrado ao leme, gelando na água por dentro do macacão de lã.
Quando, pelos seus cálculos, seus companheiros já deviam estar de volta ao Olterra e, portanto, se aproximava o momento da explosão da ogiva de combate que ele próprio havia fixado, nadou ao longo do navio e gritou por socorro.
Foi içado para bordo. A notícia de sua captura foi imediatamente radiografada para o Comando Naval, que, sem perda de tempo, enviou uma lancha-patrulha, com um tripulante mergulhador, ao Harrison Grey Otis, para recolher o prisioneiro e examinar o navio. A lancha foi atada junto ao costado.
Já Giannoli tinha sido levado para a lancha e o suboficial Bell, o mergulhador, estava metendo o pé na água, quando a carga de 230 quilos explodiu do outro lado do navio.
A explosão abriu um enorme rombo na casa das máquinas. Um estilhaço, atravessando toda a largura do navio, matou o marinheiro que guardava Giannoli junto à roda do leme.
Minutos depois dessa explosão, a ogiva de combate do aspirante Cella partia em dois o navio-tanque norueguês Thorshovdi, espalhando pela baía grandes manchas de óleo grosso. A terceira bomba avariou seriamente o Stanridge, navio inglês de 6 mil toneladas. Os três navios afundaram em água rasa.'
Com exceção de Giannoli, todos os italianos regressaram sãos e salvos ao Olterra, partindo no dia seguinte para a Itália.
Os GRUPOS de assalto italianos não limitaram suas atividades à área de Gibraltar. Em 1941, três torpedos-humanos italianos penetraram no porto de Alexandria e, graças à ação dos seis homens que os tripulavam, alterou-se do dia para a noite o equilíbrio do poder naval no Mediterrâneo oriental, ficando os Aliados em inferioridade.
Às três horas da madrugada do dia 19 de dezembro, dois italianos—o Tenente de La Penne e o suboficial Bianchi—foram vistos nadando ao longo do navio de combate Valiant, que se encontrava no porto, juntamente com seu companheiro de classe, o Queen Elizabeth. Os dois homens foram içados para bordo, mas nenhum deles respondeu às perguntas que lhes foram feitas. O Comandante Morgan (mais tarde Vice-Almirante Sir Charles Morgan) ordenou sua detenção no porão do navio, no ponto em que imaginava que houvessem colocado uma ogiva de combate. Por espaço de duas horas e meia os italianos permaneceram calados.
Às 5 e 45, o Tenente de La Penne pediu para falar ao comandante. Disse:
—Quero preveni-lo de que seu navio vai sofrer uma explosão em poucos minutos.
Não quis dizer mais nada. O comandante Morgan deu ordens para que a tripulação subisse ao convés e mandou fechar as portas de vedamento d'água. Às 6 horas e 4 minutos uma forte explosão pôs o Valiant fora de ação. Não houve baixas a lamentar.
Quase simultaneamente a casa das máquinas do Queen Elizabeíh foi avariada e inundada por outra explosão de igual violência. Um navio-tanque ancorado perto perdeu a popa e as hélices.
Em 1944, depois do armistício italiano, o Tenente de La Penne ingressou nas unidades de assalto dos Aliados e tomou parte, com distinção e nobreza, num ataque combinado anglo-italiano aos navios do porto de Spezia, sob domínio alemão. Um cruzador e um submarino foram afundados. O Almirante Morgan pretendeu obter para o Tenente de La Penne uma condecoração britânica, mas a Itália estava ainda em guerra com a Inglaterra e a condecoração foi recusada.
EM MARÇO de 1945 o Príncipe Regente da Itália foi a Taranto inspecionar as unidades navais italianas que serviam junto aos Aliados, e distribuiu condecorações. O Tenente de La Penne adiantou-se para receber a medalha de ouro concedida por sua bravura no ataque ao Valiant. O Príncipe Umberto voltou-se para o Almirante Morgan:
—Venha  aqui, Morgan, disse. Isto lhe compete.
O Almirante Morgan tomou a medalha e colocou-a no peito do homem que  três anos antes pusera fora de ação o navio sob seu comando.



Texto extraído da revista Seleções de Reader's Digest de fevereiro de 1951

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O setembro negro de 1939: as origens da 2ª Guerra Mundial

Pôster do exército alemão promove o ideal de Hitler: enquanto nós lutamos você também deve trabalhar pela vitória Foto: Reprodução
Pôster do exército alemão promove o ideal de Hitler: "enquanto nós lutamos você também deve trabalhar pela vitória"
02 de setembro de 2009

Voltaire Schilling*
Especial para o Terra

Na madrugada do dia 1º de setembro de 1939, um milhão e meio de soldados alemães, fortemente apoiados pela aviação e por divisões mecanizadas, adentraram pelas fronteiras da Polônia e, em pouco tempo, colocaram as forças armadas daquele pequeno país europeu fora de combate.
Deram início, com aquela invasão, à mais pavorosa das guerras até então vistas pela humanidade. Uma tragédia que se estendeu por seis anos até a capitulação final do Terceiro Reich e de seus aliados entre maio e agosto de 1945.
A Grande Catástrofe
A Segunda Guerra mundial foi a maior catástrofe provocada pelo homem em toda a sua longa história. Envolveu 72 nações e foi travada em todos os continentes direta ou indiretamente. O número de mortos é de cerca de 70 milhões, havendo ainda uns 28 milhões de mutilados.
É difícil calcular quantos outros milhões saíram do conflito vivos, mas completamente inutilizados devido aos traumatismos psíquicos a que foram submetidos - bombardeios aéreos, torturas, fome e medo permanente. Outra de suas características, talvez a mais devastadora, foi a supressão da diferença - até então existente e respeitada - entre aqueles que combateram no front de guerra e a população civil na retaguarda.
Ela não isentou ninguém, foi brutal com todos. Como disse Joseph Goebbels, no seu famoso discurso pronunciado no Sport Palace de Berlim em 18 de fevereiro de 1943, o conflito transformou-se numa "totaler krige", ou "guerra total", visto que, conforme o choque foi se prolongando, nenhum dos envolvidos selecionou seus objetivos militares excluindo os civis.
Atacar a retaguarda do inimigo, suas cidades, suas indústrias, suas estradas de ferro e de rodagem, seus hospitais e casas de repouso, suas usinas e reservatórios de água, matar suas mulheres, crianças e velhos passou a fazer parte daquilo que os estrategistas eufemisticamente classificavam como "guerra psicológica" ou "guerra de desgaste".
Naturalmente que a evolução da aviação e das armas autopropulsoras permitiu que a antiga separação entre linha de frente e retaguarda se visse na prática abolida.
Custo e mobilização
Se a Primeira Guerra Mundial causou um custo de US$ 208 bilhões, a de 1939-1945 atingiu a impressionante cifra de US$ 1,5 trilhão de dólares, quantia que, se investida no combate à miséria humana, teria sumido da face da terra. Aproximadamente 110 milhões de homens e mulheres foram mobilizados, dos quais apenas 30 % não sofreram morte ou ferimento.
Como em nenhuma outra, o engenho humano foi mobilizado integralmente para criar instrumentos cada vez mais mortíferos, sendo empregada a bomba de fósforo, o napalm e, finalmente, a bomba atômica (lançada sobre as cidades nipônicas de Hiroshima e Nagasaki). Como nunca em qualquer outro conflito generalizado, estabeleceu-se uma política de genocídio em massa construindo-se campos especiais para tal fim.
Como bem disse o historiador R.A.C. Parker: "o conceito que a humanidade tinha de si nunca voltará a ser o mesmo".
O cenário que levou à catástrofe
Quase todos os historiadores concordam que a causa diplomática mais profunda da Segunda Guerra Mundial tem sua origem nos Tratados de Paris, assinados entre as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial (EUA, Inglaterra e França) e as vencidas (Alemanha e Áustria) em Versalhes.
A Alemanha se viu despojada da Alsácia-Lorena (que havia conquistado na guerra franco-prussiana de 1870), como teve de ceder à Polônia uma faixa de território que lhe dava acesso ao Mar Báltico. A cidade alemã de Danzig passaria ao controle da Liga das Nações e o território do Sarre, rico em carvão foi cedido por um período de 15 anos à França.
Também foi vedado à Alemanha possuir um exercito superior a 100 mil homens; exigindo-se a desmilitarização da Renânia, região fronteiriça com a França, assim como o desmantelamento das fortificações situadas a 50 km do rio Reno. A outrora grande potência da Europa viu-se compelida a entregar todos os navios mercantes cujo peso ultrapassasse a 1,6 tonelada, assim como ceder gado, carvão, locomotivas, vagões cabos submarinos.
Sua dívida sonante para com os aliados foi fixada na Conferencia de Bolonha, em 21 de junho de 1920, em 269 bilhões de marcos-ouro a serem pagos em 42 parcelas anuais.
Não poderia, por igual, desenvolver pesquisas bélicas, possuir submarinos ou realizar projetos militares. Enquanto isto, o velho Império Austro-Hungaro foi desmembrado pelo tratado de Paz de St. Germain-em-Laye, tendo que entregar o Tirol do Sul para a Itália e reconhecer a independência da Hungria, Checoslováquia, Polônia e Iugoslávia, além de lhe ser vedado a união com a Alemanha. A república austríaca, proclamada em 1918, viu-se proibida de possuir um exercito superior a 30 mil homens.
Estas sanções aplicadas pelos vencedores tornaram-se fonte de amargos rancores que facilmente foram explorados pela extrema direita nacionalista, os nazistas e capacetes-de-aço, que começaram a proliferar na Alemanha em 1919.
O grande erro do Tratado de Versalhes foi ter ferido profundamente o sentimento nacional dos alemães, e, por outro lado, não lhes ter suprimido o potencial industrial. Com 65 milhões de habitantes, e tendo um enorme parque fabril à disposição, era inevitável que a Alemanha, mais cedo ou mais tarde, voltasse a querer ocupar o seu lugar no rol das potencias européias.
Os diplomatas de 1919 se esqueceram da lição do Congresso de Viena, realizado em 1815, quando os vencedores de Napoleão procuravam não humilhar a França, a nação mais povoada da Europa Ocidental naquela época, para que um espírito de vingança não criasse raízes no coração dos seus cidadãos de então.
Esta contradição entre potencial demográfico e industrial, e o não-reconhecimento diplomático de um estatuto privilegiado para a Alemanha, terminou por fazer com que a ascensão de Hitler fosse possível.
O resultado direto das perdas territoriais impostas pelo Tratado de Versalhes fez com que a Alemanha perdesse 14,6% de suas terras aráveis, 74,5% de suas reservas de ferro, 68,1% do seu zinco e 26% dos seus recursos carboníferos.
Perdas territoriais da Alemanha em 1919:
Eupen-Malmedy - entregue à Bélgica
Renânia - desmilitarizada
Bacia carbonífera do Sarre - entregue à França
Alsácia e Lorena - devolvida à França
Schleswig - entregue à Dinamarca
Danzig - controlada por Polônia e Liga das Nações
Prússia - entregue à Polônia
Memel - controlada pela Liga das Nações
Silésia Superior - explorada pela Polônia
Um cordão de ferro ao redor da Alemanha
Os aliados ocidentais, principalmente a França, ao estimularem o surgimento de novos Estados nacionais na Europa Centro-Oriental, visavam substituir a Rússia - então em plena guerra civil - como um fator de dissuasão para qualquer tentativa alemã de agressão.
A Checoslováquia e a Polônia assinaram tratados de defesa mútua com a França e com a Inglaterra. Esperava-se que estes dois países obrigassem os alemães a lutar em duas frentes - como ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial - caso tentassem repetir o erro de 1914.
Tinham em mente a imagem de um cordão de ferro passado ao redor das fronteiras alemãs. A França, por sua vez, numa falsa avaliação da guerra de trincheiras, iniciou a construção da Linha Maginot, um complexo sistema defensivo que partia da fronteira suíça até a Bélgica.
Desta forma, esperava evitar um ataque de supresa por parte de seu poderoso vizinho. No entanto, os efeitos morais e psicológicos desta atitude defensiva tiraram do exército francês qualquer alternativa ofensiva, limitando-se a ter que agir caso os alemães o fizessem primeiro.
A Inglaterra, no período entre-guerras, tornou-se cada vez mais apaziguadora, segura de sua situação estratégica e de possuir a mais poderosa frota naval do mundo, dando-lhe a proteção suficiente caso houvesse um novo conflito.
Os EUA - governados por uma série de presidentes republicanos - voltaram, nos anos 20, a adotar a política do isolacionismo, não querendo envolver-se nas querelas dos países europeus. Estas ambigüidades e contradições dos vencedores de 1918 foram habilmente exploradas por Hitler na década dos anos 30.
Causas econômicas
A crise econômica que se abateu sobre o sistema capitalista mundial, a partir de outubro de 1929, foi o fator mais poderoso para que um novo rearranjo do poder em escala mundial fosse ambicionado. A depressão econômica da década de trinta levou os paises capitalistas a tomar medidas protecionistas, visando a salvar os mercados internos das importações estrangeiras, ocorrendo uma verdadeira guerra tarifária.
A produção mundial reduziu-se em 40%, sendo que a diminuição do ferro atingiu a 60%, a do aço 58%, a do petróleo 13% e a do carvão 29%. O desemprego atingiu, com força, os principais países industrializados: 11 milhões perderam o trabalho nos EUA, 6 milhões na Alemanha, 2,5 milhões na Inglaterra, e um número um pouco superior na França. Não está longe da verdade o fato de ter provocado a aflição e o desemprego em mais de 70 milhões de pessoas, contando-se os seus dependentes.
Como a economia já estava suficientemente internacionalizada - com exceção da URSS, que se lançava nos chamados planos qüinqüenais - todos os continentes foram atingidos, aumentando ainda mais a miséria e o desemprego ao redor do mundo. A América Latina, por exemplo, teve que reduzir em 40% suas importações e sofreu uma queda de 17% em suas exportações.
É nesse contexto caótico que a Alemanha, no ocidente, e o Japão, no oriente, dominadas pela retórica hiper-nacionalista, tentaram explorar o debilitamento de seus rivais, todos grandes impérios coloniais. Uma nova luta por mercados e novas fontes de matérias-primas levaria o mundo à Segunda Guerra Mundial.
Causas políticas
A conjuntura externa caótica, e a situação interna de desespero, conduzem Hitler ao poder na Alemanha em janeiro de 1933. Atuando implacavelmente, em menos de um ano sufocou todos os movimentos oposicionistas (sociais-democratas, comunistas e liberais), dando inicio à Revolução Nacional-Socialista, que tinha como objetivo fazer a Alemanha retornar ao grau de potência europeia.
Naturalmente que para tal era necessário romper com o tratado de Versalhes, pois este impedia a conquista do "espaço vital" como o rearmamento. Atenuava-se o desemprego e atendiam-se necessidades da poderosa burguesia financeira e industrial da Alemanha.
Para evitar a má vontade das potências ocidentais, Hitler colocou-se como campeão do anticomunismo em nível mundial, assinou com o Japão, em novembro de 1936, e com a Itália, em janeiro de 1937, o Pacto Anti-Comintern, cujo objetivo era ampliar o isolamento da URSS e, quando for possível, invadi-la.
O Japão, que igualmente passou por convulsões internas graves, deu inicio, em 1931, a uma política externa agressiva, explorando o enfraquecimento dos Impérios Coloniais europeus que se mostram impotentes para superar a crise econômica.
Em 1937, após ter ocupado a rica região da Manchúria, invade o resto do território chinês, começando deste modo o longo conflito na Ásia. Seu expansionismo vai terminar por chocar-se com os interesses americanos nas Filipinas, e levar à guerra contra os EUA.
A Polônia destruída
Às 4h40 da madrugada do dia 1º de setembro, uma colossal força de guerra alemã, partindo de três pontos da fronteira polonesa, rumou rapidamente para a região central do país.
Ela obedecia ao comunicado expresso por Hitler um dia antes que afirmava: "por ordem do Führer e do Supremo Comando da Wehrmacht, as forças armadas alemãs assumiram a defesa ativa do Reich. Dando cumprimento à sua missão de resistir à ameaça polonesa, tropas do exército alemão lançaram, hoje cedo, um contra-ataque. Simultaneamente, esquadrões da força aérea voam em direção à Polônia com a ordem de esmagar objetivos militares."
O governo polonês, do presidente Ienacy Móscicki, havia disposto suas forças militares bem próximas à fronteira ocidental com a Alemanha, numa inútil tentativa de deter a máquina militar que se movia célere contra as defesas do seu país.
Divididos em dois grandes grupos - o do norte, com 630 mil soldados, e o do Sul, com 882 mil, ambos sob comando do general Walther Von Brauchitsch - e apoiados por 2,4 tanques distribuídos entre 14 divisões mecanizadas, e com o céu coberto pelos bombardeios convencionais e de pique que decolavam em massa dos aeroportos alemães, os exércitos invasores não tiveram muita dificuldade em cercar e aniquilar os poloneses dentro do espírito do que os altos-comandos germânicos chamavam de "vernichtungsgedanke", ou operação de aniquilação.
Quatro dias depois do ataque inicial, a guerra estava praticamente decidida. Os alemães registram 45 mil baixas (entre mortos, feridos e desaparecidos), menos de 3% das tropas usadas na Operação Fall Weiss.
No dia 27 de setembro, a capital Varsóvia negociou sua capitulação com o comando vencedor. As esperanças que os poloneses guardavam de receber algum tipo de apoio da Grã-Bretanha ou da França se esvaíram totalmente. Para cumulo da infelicidade deles, obediente à clausula secreta do Pacto Germano-Soviético de agosto de 1939, a URSS, vinda do Leste, também atacou a Polônia apenas 17 dias depois dela ter sido invadida pela Alemanha nazista.
Em menos de trinta dias, a república da Polônia deixara de existir, vítima da maior batalha de cerco e aniquilação até então conhecida na história moderna.
Por tudo isto, o mês de setembro de 1939 revelou-se uma data negra na história da humanidade, um momento infeliz que deu a largada para o destroçar de grande parte do patrimônio cultural e civilizatória das nações envolvidas pela guerra.
*Voltarie Schilling é historiador e escreve regularmente para o Terra na seção História do site de Educação.

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