terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Terceira Esquadra e o grande tufão


Um sombrio vendaval, auxiliado por «grandes erros», humilhou uma altiva esquadra em sua hora de triunfo

A Terceira Esquadra e o grande tufão

Hanson W. Baldwin
Redator de assuntos militares do «Times» de Nova York
Condensado de « The New York Times Magazine»


ERA a maior esquadra que já sulcara os mares e vinha de alcançar o seu maior triunfo. Mas a mão de Deus estava estendida sobre ela e um grande vento soprou; a esquadra foi dispersada e devastada sobre o oceano. A inexorável lei das tempestades fora esquecida e a Terceira Esquadra Norte-Americana, sob o comando do Almirante William F. Halsey, sofreu o castigo: mais homens perdidos, mais navios afundados e avariados do que em muitos dos combates da guerra no Pacífico.
Em meados de dezembro de 1944 a batalha do Golfo de Leyte, nas Filipinas, já tinha passado à história; havia apenas poucas semanas que o Império Nipônico recebera um golpe fatal. A invasão da Ilha de Mindoro, ocupada pelos japoneses, começara em 15 de dezembro e a Terceira Esquadra achava-se esgotada por três dias de ataques os mais variados contra a ilha de Luçon. Quando a esquadra se retirou para reabastecer-se, estava à vista o começo do fim. O Almirante Halsey, com seu pavilhão içado a bordo do encouraçado New Jersey, transmitiu aos navios-tanque e à Força Tarefa 38, constituída
por porta-aviões, a posição onde seria feito o reabastecimento—cerca de 500 milhas a leste de Luçon. Mas o mar tornou-se agitado na noite de 16 para 17 de dezembro e o pessoal sentiu o mal-estar provocado pela tempestade que se aproximava.
Domingo, 17 de dezembro: O dia amanheceu sombrio e encoberto, o mar picado, o vento forte porém variável, os navios sacudindo violentamente. A Terceira Esquadra navega através de centenas de milhas de oceano, os mastros e os conveses de voo arfando e caturrando, descrevendo amplos arcos sobre o horizonte. Aqui, em toda a sua majestade, está a esquadra que dominou o orgulho do Japão—duas dezenas de porta-aviões, oito encouraçados, numerosos cruzadores e dezenas de contra-torpedeiros. A Terceira Esquadra entra em contacto com os 24 grandes navios-tanque de esquadra e com a respectiva escolta, e, apesar dos vagalhões violentos, o reabastecimento principia. As exigências do combate, o apoio necessitado pelos soldados que estão lá em Mindoro, não permitem qualquer concessão à natureza.
Os contratorpedeiros—os navios pequenos que dançam em qualquer mar, navios cujos tanques de óleo estão vazios por terem passado dias cruzando a toda velocidade—aproximam-se para ficar a contrabordo dos navios-tanque. O oceano, porém, não o permite. Alguns navios conseguem embarcar uma pequena quantidade de óleo antes que as mangueiras se partam e os navios, jogando, afastem-se violentamente; porém a maioria parte uma mangueira atrás de outra, e enquanto os contramestres amaldiçoam, as ondas se quebram violentamente nos conveses dos navios-tanque e o óleo corre sobre as chapas de aço.
Nas primeiras horas da tarde o reabastecimento é suspenso; o rumo passa a ser noroeste, mudado, posteriormente, para sudoeste, a fim de evitar o centro da tempestade que se aproxima, centro este que, no entanto, não está localizado nitidamente. As leituras dos barômetros caem, os ventos gemem, mas a Terceira Esquadra navega em formatura de cruzeiro.
Segunda-feira, 18 de dezembro: A noite está horrível; nas mesas da praça d'armas dos contratorpedeiros colocaram-se as guardas para impedir que os pratos caiam; o pessoal que foi dormir "está amarrado aos beliches, mas os bruscos movimentos dos navios, consequência do mar agitado, só permitem um sono cheio de sobressaltos. As leituras dos barómetros caem ininterruptamente. As rajadas de chuva, o borrifo e a espuma reduzem a visibilidade; é difícil aos navios conservarem as posições que lhes competem na formatura da esquadra—às vezes isto é quase impossível. Os ventos batem e açoitam «mas as posições estimadas para o centro da tempestade não concordavam umas com as outras» e só pela madrugada é que a Terceira Esquadra compreende que está no caminho do maior e pior de todos os tufões. O rumo da esquadra é mudado para 180 graus—diretamente para o sul— mas é muito tarde: a fúria do tufão está desencadeada sobre os navios.
O quarto de 8 às 12 começa, empregando-se uma velha expressão marinheira, «com a onça solta». A violência do vento é terrível; ele guincha e relincha, ruge e estremece, bate e agarra. Os navios estão oscilando intensamente—castigados pelo vento, jogando rapidamente com inclinações tremendas e com movimentos bruscos e violentos, caturrando e arfando, mergulhando profundamente sob toneladas d'água, levantando-se com esforço, esguichando espuma e sal através das seteiras dos canhões e dos escovéns. As rajadas violentas acompanhadas por aguaceiros, os borrifos que picam como se fossem granizo, e as nuvens baixas, arrastadas pelo vento forte, suprimiram completamente a visibilidade. A Terceira Esquadra está dispersa; poucos são os navios que vêem os outros; somente nas telas dos radares os traços luminosos aparecem para mostrar, em confusão tumultosa, a extensão do poder humano.
Os navios-tanque completamehte carregados, os pesados encouraçados e os porta-aviões maiores jogam e mergulham profunda e violentamente, mas sem perigo, em mares encapelados; para os porta-aviões de escolta, os porta-aviões ligeiros e os contratorpedeiros, entretanto, a luta é de vida ou de morte. Alguns dos |navios da esquadra estão exatamente no caminho pelo qual vai passar o tufão, onde os ventos mais fortes os empurram para o centro da tempestade, e no mínimo um dos grupos de navios da Força Tarefa está exatamente na zona adjacente ao «olho» do tufão, onde o redemoinho do vento e o oceano borbulhante alcançam seu efeito máximo. Um navio atrás de outro perde seguimento e é arrastado para os terríveis cavados formados entre as ondas, não obedecendo mais ao leme.
A bordo do porta-aviões ligeiro Cowpens um avião de caça, amarrado, por três cabos ao convés de voo, solta-se por ocasião de um balanço de 45 graus e se despedaça de encontro ao passadiço, causando um incêndio. A guarnição está a combatê-lo quando uma muralha maciça de água verde rasga, como se fosse um abridor de latas, as portas de aço de bombordo do convés dos hangares. A guarnição combate o incêndio quando o vento e o mar arrancam de sua base de aço a plataforma do canhão de 20 milímetros de vante. A guarnição.também combate o incêndio ao mesmo tempo que as bombas arrebentam os seus cabides no paiol e rolam desordenadamente sobre o convés; ao mesmo tempo que jeeps e tratores, um pequeno guindaste e sete aviões são arrancados de suas peias, varridos do convés de voo e lançados ao mar agitado. Mas é o próprio mar que, por fim, extingue o incêndio, da mesma forma que fora ele que o causara; o avião incendiado solta-se do passadiço e cai no tumulto das ondas.
A proporção que o dia passa, os livros de quarto esgotam os superlativos náuticos. As leituras dos barômetros caem de um modo jamais visto por qualquer marinheiro. Alguns navios registram exatamente 710 milímetros; o Dewey lê no seu barómetro 693 milímetros—possivelmente a menor leitura até hoje registrada no mundo. O navio-tanque Nantahala, juntamente com outros navios de um grupo reabastecedor localizado a nordeste do corpo principal da esquadra, próximo ao centro da tempestade, registra para velocidade do vento 124 nós. [Aproximadamente 229,80 km/h]
O vento vira, rapidamente, à proporção que a trajetória do tufão se curva, soprando do norte e do sul, de leste e de oeste—mudando de direção como fazem todos os ciclones— e aumentando de intensidade até alcançar a Força 17, muito além daquelas indicadas na tabela utilizada para a medida da intensidade do vento pelos antigos marinheiros, a escala Beaufort—a qual define o seu valor máximo, Força 12, como «um furacão com velocidade superior a 65 nós».
O vento possui milhares de notas musicais—o baixo da ameaça rosnada, o soprano dos estais tão fortemente distendidos que zumbem como cordas de arco. As cristas das vagas—mais de 20 metros do cavado à crista—estão achatadas pelo vento e são projetadas em linha reta devido à sua violência; a chuva e os borrifos misturam-se num lençol horizontal de água; ninguém pode dizer onde o oceano termina e o céu começa. Sobre todas as coisas paira a cacofonia dos navios desconjuntados que rangem, do estalido das anteparas, do ranger das colunas, do deslizar, despedaçar e rugir do entulho que escorrega de antepara para antepara.
As tentativas para permanecer em formatura ou para mudar de rumo a fim de aliviar seus balanços significam devastação para alguns navios. Alguns dos contratorpedeiros mais aliviados estão à deriva; todas as possíveis combinações de ângulos de leme e de rotação de máquinas não conseguiram tirá-los dos cavados das ondas; eles são arremessados lateralmente, jogados com violência para um e outro bordo, e os seus costados estão bastante amassados pela ação do vento e do mar,e flutuam, desgovernados, ao sabor do vento.
Os porta-aviões ligeiros e de escolta comportam-se pouco melhor. Os conveses dos hangares estão transformados em infernos de chamas e de metal que se despedaça, inferno de fogo, vento e mar.
A bordo do porta-aviões ligeiro San Jacinto os homens dos grupos de controle de avarias e combate a incêndios se amarram, eles próprios, a cabos suspensos ao teto dos hangares e, balançando e deslizando como pêndulos sobre o convés escorregadio, arriscam suas vidas para pear firmemente a massa de entulho que desliza, rangendo, de um lado para outro. As praças de caldeiras nº l e 2 do Monterey são abandonadas devido à fumaça espessa proveniente de um incêndio no convés dos hangares; as caldeiras são guarnecidas apenas pelos homens estritamente indispensáveis, usando máscaras especiais para poderem respirar; uma explosão provocada por vapor de gasolina mata um marinheiro; um outro, encurralado pelas chamas, morre queimado; muitos ficam feridos.
O contratorpedeiro Dewey luta quase até à morte. Com a tempestade uivando como um fantasma agou-rento, o sinaleiro de serviço vai rabiscando no livro de quarto, à proporção que as avarias ocorridas são transmitidas ao passadiço:
10h 20m—Leme do passadiço fora de ação; governando com o leme de ré.
11h 30m—Máquinas principais paradas—quadro de distribuição principal de energia elétrica com curto circuito devido à água salgada. Em cada um dos balanços mais fortes entram de duas a quatro toneladas de água pela aspiração da ventilação forçada principal n° 2 . . .
O navio está à matroca. A ordem dada à guarnição é permanecer a bombordo.
Jogando e caturrando mais. O inclinômetro indicou 73 graus para boreste e parou por alguns segundos.

Mas o Dewey flutua ainda quando a manhã se esvai. O mesmo não acontece com os contratorpedeiros Mo-naghan e Spence.
O Monaghan, com 12 estrelas representativas das batalhas em que tomou parte, pintadas em seu passadiço, caminha para a morte—sem que a esquadra o saiba. Suas 1.500 toneladas de aço estão devastadas e deformadas; sua baleeira de boreste embarca água quando os turcos mergulham no oceano verde. Contudo, há poucos indícios de desastre.
Cerca de meio-dia o vento empurra o Monaghan fazendo-o adernar demasiado sobre boreste. Ele se esforça para voltar novamente à posição normal—e consegue-o, porém muito vagarosamente. No alojamento a ré 40 ou 50 homens agarram-se às colunas e suplicam: «Fazei-o voltar, Santo Deus! Fazei-o voltar!» O navio volta vagarosamente à posição normal. As luzes, porém, se apagam; novamente o jogo excessivo para boreste e, como sempre, o navio luta, às sacudidelas, para fugir ao desastre.
Finalmente o vento trata-o com extrema brutalidade; o Monaghan aderna pesadamente para boreste— 30, 40, 60, 70 graus—e, esgotado, se deita sobre o costado para morrer entre um turbilhão de espuma branca e os clamores das Valquínas da tempestade. Dezoito oficiais e 238 marinheiros afundam com o navio.
O Spence desaparece quase ao mesmo tempo. Sem lastro, com pouco combustível, ele se desloca como um pedaço de cortiça e como um pedaço de cortiça é jogado entre os terríveis cavados das ondas, semelhantes a vales profundos e estreitos. O navio aderna mais de 72 graus para bombordo—e assim permanece. As luzes se apagam; as bombas param—o coração do navio morre antes que o corpo morra. Pouco antes do meio-dia o Spence afunda—2.100 toneladas de aço com a potência de 60 mil cavalos.
A esquadra está dispersa sobre uma larga extensão do oceano; alguns dos navios sentiram em toda a plenitude a fúria da tempestade; outros ainda irão senti-la. A intensidade máxima da procela é alcançada entre 11 e 14 horas.
Para o contratorpedeiro Hull, tendo a bordo a maior parte da correspondência da esquadra, o quarto de meio-dia às quatro é o último. A proporção que o vento aumenta de intensidade até atingir um valor estimado em 110 nós, «sua força deita o navio sobre o costado de boreste e mantém-no de encontro à água até que as ondas entrem no camarim de governo». O jovem Capitão-de-Corveta James Alexander Marks afasta-se de seu navio emborcado, o primeiro navio que ele comandara, num mar «batido até fazer espuma», um mar tão ávido por vidas que os coletes salva-vidas são arrancados aos pedaços das costas dos poucos sobreviventes.
O contratorpedeiro Dewey sobrevive, apesar de avariado quase mortalmente. A água verde derrama-se sobre o lais de boreste do passadiço quando o navio se inclina de cerca de 80 graus para boreste—e continua vivo para contar a façanha—talvez o primeiro navio na história marítima a sobreviver a um balanço tão forte.
Às 13 horas, o barômetro alcança sua leitura mínima. Mas o tufão já tinha feito o pior mal que poderia ter feito; às 13h e 14m o barômetro registra uma ligeira ascensão e às 14h 39m o vento abranda atingindo cerca de 80 nós. A tempestade gira para seguir em direção às vastidões do Pacífico durante o resto daquele dia—segunda-feira. Mesmo na têrça-feira os mares ainda estão horríveis—mas o grande tufão tinha passado.
Os sobreviventes do Monaghan, do Hull e do Spence são infelizmente pouquíssimos. Os navios da esquadra, esmiuçando o oceano, encontram um punhado de marinheiros esgotados e feridos, os quais compreenderão para sempre, com maior intensidade do que quaisquer outros homens vivos, o que significa a fúria do mar.
O grande tufão custou 790 homens, entre mortos e desaparecidos. Mais de 80 homens ficaram feridos; 146 aviões foram lançados pela borda fora ou avariados em tal extensão que não puderam ser reparados. Os navios menores estavam avariados e esgotados; somente a lista de avarias do Monterey cobria nove páginas dactilografadas em espaço simples. Treze navios exigiam grandes reparos e nove outros apresentavam avarias de menor vulto. Os ataques planejados contra Luçon foram cancelados e a Terceira Esquadra se arrastou—avariada e com os navios fora de formatura—para o atol de Ulithi.
Uma Comissão de Inquérito da Marinha Norte-Americana, convocada para examinar o que ocorrera, verificou «grandes erros cometidos ao ser efetuada a previsão do centro e do deslocamento» do tufão. O Almirante Chester W. Nimitz, Comandante-em-Chefe da Esquadra Americana do Pacífico, realçou que as avarias produzidas «representaram um golpe mais imobilizador do que seria possível esperar em quaisquer circunstâncias exceto em um combate de grandes proporções.» E o Almirante comandante da Força de Reabastecimento fez um comentário sóbrio: «... não existe navio sobre as águas que não possa ser virado pelo vento e pelas vagas.»



Texto retirado da revista Seleções do Reader's Digest de Junho de 1952

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