domingo, 8 de novembro de 2009

ANTIS- a História de um Cão - Condensação do livro de ANTHONY RICHARDSON

* "One Man and His Dog", Copyright, 1960, do autor, editado por E P Duíton & Co. Inc., Nova York 10, N.Y., E.V.A.



Antis era um cão de guerra, no sentido mais literal e militar. Nascido em um campo de batalha na Segunda Guerra Mundial, recebeu o batismo de fogo na primeira semana de nascido e depois participou de mais combates do que muitos soldados veteranos. Salvou vidas humanas e foi o primeiro cachorro não inglês a receber a Medalha Dickin—a Victoria Cross do mundo animal. Antis foi um grande herói, mas para seu dono tcheco foi simplesmente um amigo—talvez um amigo mais leal e mais constante por ser um cão.


O ESTRONDO ensurdecedor foi seguido quase imediatamente por um longo rugido de coisa triturada. O estrépito foi terrível e o filhote de pastor-alemão, reagindo freneticamente, procurou levantar-se. Caiu inerme, soltando um trêmulo ganido. Estava demasiado fraco pela fome para manter-se de pé. A casa de fazenda onde ele morava era na terra de ninguém, entre as linhas Maginot e Siegfried. Dias antes—a data era 12 de fevereiro de 1940—pesados bombardeios de artilharia derrubaram as paredes, mataram sua mãe e seus irmãos recém-nascidos e puseram em fuga os donos da casa. O cãozinho ficara abandonado e só na cozinha em ruínas, encolhendo-se de medo toda a vez que recomeçava o bombardeio.


Aquele último estrondo, porém, não fora de projetil e sim da queda de um pequeno avião de reconhecimento, seguida da explosão do tanque de gasolina e do rugido das chamas. Poucos minutos mais tarde dois aviadores do Primeiro Grupo de Reconhecimento e Bombardeio Francês, ambos felizes por estarem vivos, perceberam as ruínas da casa de fazenda. O piloto, Pierre Duval, tinha uma bala na coxa; por isso foi Jan Bozdech, observador-metralhador, quem correu para investigar.
Ao transpor a desmantelada porta da cozinha, revólver em punho, Jan ouviu uma respiração rápida e ofegante.
—Mãos ao alto e venha para fora —ordenou, apontando sua arma para um suspeito montão de entulho.
Não houve resposta. Com o coração em sobressalto, o aviador resolveu entrar e descobrir o que havia atrás dos destroços.
—Com mil demônios!—exclamou, começando a rir.
Pierre aproximou-se, coxeando e deixando um rastro de sangue, mas ainda assim curioso.

—Que é que há ?—perguntou.
—Capturei um alemão—respondeu Jan, abaixando-se para apanhar o fulvo cãozinho.
Embora o pequeno pastor-alemão estivesse tremendo de medo, arreganhou os dentes de leite, rosnou com arrogância e chegou mesmo a mordiscar a mão do aviador.
—Calma—disse Jan, acariciando a cabeça do animal.—Você escapou agora mesmo de ser fuzilado. Quase lhe dei um tiro, sabe ?
Sob a carícia tranquilizante, o cãozinho se aninhou confiante nos braços de Jan.
Uma cerração baixa tinha até então escondido os dois aviadores da vista dos alemães. Essa proteção, entretanto, poderia desaparecer de um momento para outro, e não seria prudente tentar atingir as linhas francesas antes do cair da noite. A solução era sentarem-se e esperar.

Pierre, enfraquecido, reclinou-se numa cadeira e cerrou os olhos. Jan desembrulhou sua ração de chocolate e ofereceu um pedaço ao cãozinho. Este farejou a gulodice, mas não comeu enquanto Jan não derreteu um pedaço sobre uma chama e lambuzou os dedos com ele. Depois de começar, o animalzinho lambeu com alegria e repetidamente os dedos do aviador. Em seguida aninhou-se em seus braços e dormiu contente.

Uma Espécie de Chantagem


COM UMA das mãos Jan abriu o mapa no chão e examinou-o. Indicava um bosque a cerca de quilometro e meio de distância. Se pudessem atingi-lo, estariam em território francês. As seis horas ele sacudiu Pierre:
—Já escureceu. É melhor irmos andando.
Durante uns instantes eles olharam o cãozinho, dormindo calmamente no chão. Não seria prudente levá-lo, pois, se ganisse uma única vez, poderia traí-los. Resolveram então deixar suas rações ao lado- de uma vasilha com água e, antes de partir, Jan colocou a porta atravessada na entrada para que o animal não pudesse segui-los.
Mal haviam iniciado a caminhada para o bosque, ouviram uma troca de tiros e passaram a avançar lentamente, de gatinhas. Antes de terem percorrido uns 30 metros, o clarão de um projetil de magnésio acendeu-se quase sobre suas cabeças, iluminando com profusão o terreno e fazendo os dois homens instintivamente se colarem ao solo. Quando o clarão se extinguiu, Jan ouviu o som temido—-o desesperado ganido de um cãozinho que se via abandonado.

Era necessário silenciar o animal. Jan procurou sua faca, fez sinal a Pierre para que permanecesse imóvel, rastejou de volta à casa. Ao aproximar-se, ouviu o cãozinho atirando-se contra a barreira que fechava a entrada da cozinha. Conseguira alcançar a parte superior do obstáculo com as patas dianteiras e com as traseiras lutava desesperadamente para subir. Depois escorregava de novo para o chão.

Jan olhou por cima da barricada nos olhos suplicantes do cãozinho. Voltou o rosto. Era inaudito matar um cão com uma faca. Procurou no chão um pedaço de pau pesado para atordoá-lo, mas não o encontrou. Pensando em Pierre, ferido e sozinho na escuridão, Jan ficou aterrorizado. Tinha de andar depressa. Foi então que ouviu um gemido angustioso no outro lado da porta.
—Inferno!—resmungou ele, vencida completamente a sua decisão.
Às apalpadelas, na escuridão, encontrou o animal e o escondeu sob o blusão de voo.

Mascote dos Exilados Tchecos


Os DOIS homens gastaram quase sete horas angustiosas para alcançar a orla do bosque protetor. Pierre, enfraquecido pelo ferimento, estava no limite de suas forças, e até Jan fraquejava, completamente esgotado*
Durante toda a penosa caminhada o cãozinho não fizera o mínimo ruído. E então começou a ganir incontrolàvelmente.
Jan despertou de sua modorra.
—Fique quieto—sussurrou.
—Escute—disse Pierre.—Ele está ouvindo alguma coisa que nós não percebemos.
De súbito, como um tiro de pistola no silêncio da escuridão, um galho estalou e meia dúzia de vultos emergiram das árvores. Jan pôs-se em pé de um salto, sustentando o animal com uma das mãos e, com a outra, sacando o revólver. E então um raio de luar iluminou os uniformes da infantaria francesa. Estavam salvos!
Dois dos soldados, utilizando seus fuzis e um capote, improvisaram uma padiola e transportaram Pierre para a casamata mais próxima. No dia seguinte o ferido foi evacuado para o hospital, enquanto Jan, carregando carinhosamente o cãozinho, regressava à sede de seu esquadrão em St. Dizier.
Aí ele fazia parte de um grupo muito íntimo de sete exilados tche-cos. Todos eles haviam pertencido à força aérea antes da invasão de seu país por Hitler. Depois haviam fugido através da Polónia, ingressando na Legião Estrangeira na África e sendo posteriormente destacados para a Força Aérea Francesa. Todos tinham o mesmo espírito combativo, a mesma determinação de lutar contra os alemães a todo o custo.
Talvez fosse a saudade do lar,que os fez se afeiçoarem tanto ao cãozinho de Jan. Gostaram dele desde o primeiro momento e adotaram-no como mascote. Após alguma discussão resolveram chamá-lo de "Antis", tirando o nome das iniciais A.N.T. dos bombardeiros que haviam tripulado na Tchecoslováquia. Segundo o comentário de Joshka, um jovem da Morávia, esguio, de cabelos crespos:
—O nome do nosso cachorro deve ser raro, curto e tipicamente pessoal.
—Meu cachorro—corrigiu Jan, mas aceitou o nome,
Antis passou a dormir todas as noites na casamata, aos pés de Jan, A medida que as semanas passavam, o animalzinho crescia e se tornava mais esperto. Carinhosamente instruído e sendo inteligente, aprendeu a estender a pata a cada um de seus amigos. Ninguém poderia imaginar até que ponto ele compreendia esse símbolo de unidade, mas em breve seria posta integralmente à prova a. lealdade do cão. Antis iria passar muita coisa com aqueles homens.

Todos por um e um por Todos


A FRANÇA experimentou naquela primavera o amargor da derrota, quando as divisões blindadas de Hitler infletiram para o Sul com arrasadora velocidade. O esquadrão foi fugindo de um aeródromo ameaçado para outro até que Paris caiu. Veio então a reunião final.
—Senhores—anunciou solenemente o ajudante—nossa unidade foi dissolvida. Daqui em diante é cada um por si. Deus os acompanhe!
Os sete tchecos se reuniram em conselho.
—Vimos aqui lutar, não para fugir—disse Vlasta, o mais graduado do grupo.—Sugiro que fiquemos juntos e tentemos alcançar a Inglaterra para continuar lutando.
Todos concordaram. Dentro de 15 minutos os sete haviam amontoado toda a bagagem em uma velha carreta e, colocando Antis no topo da carga, juntaram-se à corrente de refugiados que se dirigia para o Sul. E, graças à sua determinação e à boa sorte, conseguiram atingir, cerca de duas semanas mais tarde, o pequeno porto mediterrâneo de Sete. Daí seguiram para a base naval inglesa de Gibraltar.
Verificadas as credenciais dos aviadores tchecos, os britânicos designaram todos os sete para a Real Força Aérea, determinando que embarcassem no pesqueiro Northman, que se dirigia para Liverpool. Finalmente eles estavam a caminho da Inglaterra!
Surgiu, entretanto, um pequeno problema: não eram permitidos cães a bordo. Os regulamentos britânicos proibiam-no taxativamente. O grupo de tchecos, porém, introduziu Antis clandestinamente, escada acima, embrulhado numa capa de chuva, escondendo-o na carvoaria. Jan permaneceu lealmente com o cachorro, estendendo um cobertor sobre o carvão.
No segundo dia de viagem ocorreu um defeito nas máquinas do Northman e todos os passageiros receberam ordem para passar para outro navio. Imedia-ttamente os tchecos repartiram a bagagem de Jan entre eles, de modo que sobrasse lugar para esconder Antis no saco de campanha de seu dono. Tudo correu bem até que eles chegaram ao tombadilho do-novo barco, onde Jan parou um instante para mudar a posição do saco.
—Faça o favor de continua r— recomendou severamente o intérprete.
Ao som de uma voz estranha o saco se agitou perceptivelmente. Nesse momento, Jan deixou escapar a corda que prendia a boca do saco e logo a cabeça de Antis apareceu pela abertura, diante dos olhos atónitos do oficial de quarto inglês. Os sete tchecos permaneceram como paralisados.
—Olá—disse o oficial com um sorriso—um clandestino! Tirem o pobrezinho daí. Ele acabará sufocado.
O inglês afrouxou a corda e Antis saltou para o imaculado tombadilho, sacudindo uma nuvem de pó de carvão em torno de si, como um halo satânico.


—Levem-no para baixo e dêem-lhe um banho antes que o capitão veja a sujeira que vocês fizeram no seu tombadilho—disse o oficial, voltando-se para atender outro grupo de passageiros transferidos.
Quando eles se aglomeraram a bordo, Jan foi impelido como num sonho, com Antis trotando aos seus calcanhares.
O resto da viagem decorreu em verdadeiro luxo—beliches de verdade, roupa de cama limpa, pias nos camarotes. Devolvido à liberdade, Antis readquiriu sua vitalidade e seu pêlo lustroso.
Entretanto, quando se aproximavam de Liverpool os aviadores receberam terríveis notícias. Todos os animais deveriam permanecer em quarentena no porto durante seis meses; aqueles cujos donos não pudessem pagar o aluguel do canil seriam sacrificados. Todo o dinheiro de que os aviadores dispunham mal daria para manter Antis durante três semanas.
Mas homens de expediente, já haviam enfrentado problemas mais sérios do que aquele. E os tchecos nessa altura já eram conspiradores^ experimentados.
As duas horas da tarde, na véspera do desembarque, todos os animais foram reunidos. Minutos depois Jan e um intérprete foram chamados à presença do capitão.
—O senhor não entregou o seu cão—disse severamente o comandante do navio.—Onde está ele ?
—Não sei.
A resposta, no momento, era tecnicamente verdadeira.
—O senhor sabe que isso constitui uma transgressão grave ?
—Eu não fiz nada, capitão—replicou Jan.—Não vi mais o cão.
O navio foi vasculhado de alto abaixo, em todos os cantos, nos camarotes, nos depósitos, nos porões; esvaziaram-se armários e caixotes. Nada de Antis. Às cinco horas cessou a busca inútil.
Quando o navio encostou em Liverpool, na noite seguinte, Jane Vlasta conseguiram ser destacados para supervisionar o desembarque da bagagem do destacamento. Depois que o último volume foi empilhado na rede da lingada, eles colocaram cuidadosamente em cima um grande saco de campanha, de forma suspeita, marcado "Jan Bozdech".
Dentro de uma hora a bagagem estava arrumada na plataforma da Estação Central de Liverpool, com o saco de Jan ainda no topo da pilha. Três minutos antes da partida do trem um pelotão de soldados chegou, fez alto e descansou armas. A coronha de um fuzil bateu no volume marcado Boádech, e logo se fez ouvir um veemente latido de protesto.
A polícia militar convergiu imediatamente para a pilha. O destacamento tcheco, sempre pronto a cooperar, intrometeu-se na busca, desmanchando a pilha e passando o saco de Jan de mão em mão, a coberto da confusão geral, até que a área ficou livre de qualquer suspeita. Uns latidos sub-reptícios, com imperceptível acento tcheco contribuíram para despistar os perseguidores. Quando o trem chegou, a polícia desistiu da busca.
Um quarto de hora mais tarde os oito camaradas estavam a caminho de seu primeiro estacionamento no Reino Unido. Era o dia 12 de julho de 1940.

Antis se Encarrega dos Alarmas


PARA HOMENS que já realizaram missões de combate é penoso voltar a uma escola de aviação. Em Cos-ford, e depois na base da RAF em Duxford, os tchecos chegaram quase a bendizer os esporádicos ataques aéreos alemães, que interrompiam a rotina monótona das aulas.
Jan dedicava suas horas de folga a treinar Antis. Ele não tinha conhecimentos especializados sobre o assunto, e limitava-se a tratar o animal como um ser humano. Antis respondia com a mais devotada e inteligente obediência. Não tardou a compreender todas as ordens comuns; aprendeu a fechar portas quando mandado e, infalivelmente, entregava as luvas a Jan sempre que ele se aprontava para sair.
Enquanto Jan estava em aula, Antis ficava com os armeiros. O anima! adquiriu uma habilidade incomum para detectar aviões inimigos e sempre se manifestava uns minutos antes do alarma dos aparelhos de alta frequência. Todo o sistema de alerta funcionava apenas quando os aviões voavam em altura elevada; se os alemães chegavam em voo baixo, ele era de pouca utilidade. Antis, porém —diziam os armeiros—invariavelmente os alertava a tempo de correrem para os abrigos.
Jan não acreditava muito nessa história, pois sempre se encontrava em aula no início das incursões inimigas. Certa noite, entretanto, quando estudava em seu beliche, viu Antis despertar subitamente e correr à janela, com as orelhas em pé. Não se ouvia ruído algum a não ser o tamborilar da chuva, mas o cão começou a rosnar, com o pêlo eriçado. Depois dirigiu-se para a porta e lá permaneceu, imóvel.
—Não seja tolo—disse Jan.—Não pode haver nada com um tempo assim. Vá deitar.
Antis continuou ganindo. Depois, vendo que Jan não tinha intenção de sair do seu beliche, baixou as orelhas em sinal de reprovação e deitou-se. Meia hora mais tarde Joshka entrou, de volta de seu quarto de serviço na Sala de Operações.
—Que tempo danado!—-disse.—
Não há dinheiro que me fizesse voar esta noite. Aposto que o alemão que andou por aqui estava perdido.
—Esta noite?—perguntou Jan.— Não ouvi nada.
—Há cerca de meia hora. Muito alto. Nós o identificamos precisamente a 25 quilómetros, quando ele fez meia volta e foi-se embora.
—Com mil demónios!—exclamou Jan, e à guisa de desculpa estendeu a mão e afagou as orelhas de Antis.
O astuto animal tivera razão.
Naquele outono, quando os tche-cos foram transferidos para o aeródromo de Speke, a oito quilómetros de Liverpool, a peculiar habilidade de Antis assumiu particular importância. Liverpool era um grande alvo, sujeito a bombardeios maciços. Com os avisos do cão, incrivelmente precisos, os homens acostumaram-se a depender dele para alertá-los sempre que a área circunvizinha era ameaçada.

Salvamentos nos Escombros

UMA NOITE, quando Jan e Vlasta regressavam de uma folga na cidade, o cão começou a ganir, precisamente no momento em que eles se aproximavam de uma maciça arcada sob o viaduto de Speke. Mais além, em Liverpool, o céu era cortado pelos fachos dos holofotes, e o horizonte piscava com explosões de bombas; entretanto, as sirenas ainda não haviam soado.
—Eles devem estar rumando para cá—disse Jan, quando o ganir do animal se tornou mais insistente.—
Vamos! É melhor procurar o abrigo da arcada.
Quase no mesmo instante eles ouviram os motores se aproximando. A primeira bomba rebentou no momento em que eles saltavam para a proteção do viaduto.
As explosões se sucediam; uma viga caiu, fendendo o pavimento de granito e arrancando centelhas; das duas extremidades do arco tombavam pedaços de concreto. Ao lado do viaduto, onde existira uma fileira de casas bonitas, havia apenas entulho. Seguiu-se um longo silêncio; depois, subitamente, alguém começou a gritar.
—Vamos—gritou Vlasta.—Temos de tirá-los de lá.
E correram pela rua. Um homem, com o sangue escorrendo do braço dilacerado, esbarrou neles, gritando:
—Salvem-na, por favor! Ela está ali embaixo. Estávamos tomando uma chávena de chá . ..
Os soluços lhe embargaram a voz e ele se sentou no meio-fio, segurando a manga ensanguentada do casaco e soluçando.
Um operário da turma de socorro pôs uma picareta nas mãos de Jan. Antis, que permanecia junto aos restos quebrados de um armário de cozinha, as patas no meio de pedaços de louça, começou a latir. Jan foi examinar o que era e viu cinco dedos movendo-se no meio dos escombros. Começou a cavar rapidamente e desenterrou uma mulher atordoada e ensanguentada.
—Excelente cão—disse o operario.—Traga-o aqui, por favor. É provável que haja outros. Santo Deus, que confusão!
Jan seguiu o homem até uma pilha de reboco fumegante e móveis despedaçados.
—Busca!—ordenou.
A meia altura dos escombros Antis se deteve, farejando. Um oficial da RAF começou a cavar onde o cão indicara, e dentro de poucos minutos conseguiu retirar um homem que fora totalmente soterrado e estava ainda inconsciente.
—Para este trabalho não há nada como um cão ensinado—disse o operário da turma de salvamento.
—Ele não é ensinado—-disse Vlas-ta com impaciência.—É apenas um cão muito bom.
O trabalho continuou até às duas horas da manhã. Quando o chefe da turma de salvamento deu finalmente o trabalho por encerrado, ô pêlo do cão estava fosco, e tinha as patas feridas e ensanguentadas de tanto escavar destroços pontiagudos.
—Nada mais podemos fazer aqui —disse Vlasta.—Vamos embora, e cuidar dos ferimentos de Antis.
Mas o animal forçava novamente a correia, puxando Jan na direção de uma parede de tijolo desequilibrada.
—Por hoje chega, moço—disse Jan.—Já fizemos bastante . . .
Um estrondo cortou-lhe a frase. A parede ruíra. Horrorizado, ele sentiu a correia escapar-lhe das mãos.
—Antis!—gritou em meio à confusão.—Antis!

Vlasta dirigiu a luz de sua lanterna para o lugar onde estivera a parede, transformada então num monte de tijolos e madeiramento, da altura de um homem. Jan se pôs de joelhos removendo pedaços de reboco e jogando-os em todas as dire-ções. Ainda uma vez gritou quase histèricamente: —Antis!
De um ponto qualquer atrás dos escombros ouviu-se um latido em resposta. Os homens penetraram rápidos em um pequeno quarto, onde o entulho alcançava a altura dos joelhos. Estendida de costas sob uma camada de caliça havia uma mulher morta, mas em um canto afastado Antis montava guarda a um berço; dentro dele uma criança vivia ainda. O chefe da turma de salvamento estava visivelmente comovido.
—Sabe, meu amigo—disse ele, dirigindo-se a Antis—sem você nós não poderíamos ter feito este trabalho.

A Longa Vigília


No COMEÇO de janeiro de 1941 Jan, Stetka e Josef tinham completado o curso na escola de aviação e, incluídos na Esquadrilha 311 (Esquadrilha Tcheca do Comando de Bombardeio), foram sediados em East Wretham para cumprirem missões de combate. A transferência os reuniu a outros compatriotas que haviam recebido instrução alhures, e propiciou-lhes a desejada oportunidade de enfrentar o inimigo. Por outro lado, isso significava que Antis, pela primeira vez, tinha de acostumar-se com as ausências de Jan, pois as missões noturnas de bombardeio, que a esquadrilha em breve estaria realizando, muitas vezes se prolongavam até de madrugada.
Durante semanas Antis mostrou-se mal-humorado e deprimido. Por fim, estabeleceu relações com a turma de manutenção encarregada do Cecília, o avião de seu dono, e pareceu conformar-se com as ausências. O cão acompanhava Jan no caminho para o avião, via-o embarcar no grande Wellington, depois voltava para a barraca de manutenção, situada na orla do campo, e aí se instalava para passar a noite, imóvel, enquanto os aviões estavam fora,
Um pouco antes do alvorecer ele erguia de repente as orelhas e a turma de manutenção ficava então sabendo que a esquadrilha estava regressando. Tão logo discernia o ruído particular dos motores do Cecília, Antis começava a saltar nervosamente, em pé sobre as patas traseiras—sua "dança de guerra", como diziam os mecânicos—e em seguida corria para apreciar a chegada dos aviões e receber Jan. O ritual nunca variava.
Uma noite de junho, porém, depois de Jan haver cumprido mais de dez missões, os mecânicos notaram uma brusca alteração na rotina. Um pouco depois da meia-noite Antis se mostrou anormalmente inquieto.
—Que há com ele?—perguntou alguém.—Estamos esperando visitas ?
—Não—replicou Adamek, chefe da turma—os alemães não virão hoje.
E voltando-se para o cão:
—Antis, venha aqui para um cafuné e fique sossegado.
Mas o cachorro não lhe deu atenção e foi postar-se na entrada da barraca. De repente, levantou o focinho e soltou um uivo agudo e longo. Depois deitou-se do lado de fora, inquieto, com a cabeça erguida, como se preparado para uma longa vigília.
À uma e meia, o primeiro Wellington que retornava piscou identificando-se e rodou pela pista. A intervalos regulares os outros aviões foram chegando, até que faltou apenas o Cecília. Passaram-se mais duas horas e não houve sinal do avião de Jan.
—Não adianta continuar esperando—disse finalmente um dos mecânicos.—A estas horas a gasolina dele já acabou.
—Vamos dar-lhe mais 15 minutos —sugeriu Adamek.
Quando o prazo se esgotou sem que o avião aparecesse, a turma resolveu, embora com relutância, suspender o serviço e ir para o rancho.
—Vamos, Antis—convidou Adamek.
O cão ficou onde estava.
Nesse momento entrou na barraca o estimado comandante da esquadrilha, Ten. Josef Ocelka. Velho admirador de Antis, ele tinha prometido a Jan que tomaria conta do animal se seu amigo deixasse de regressar de uma missão.
—Alguma notícia do Cecília, Tenente?—perguntou um dos mecânicos, enquanto Adamek insistia com Antis.
—Ainda não. Traga-o à força, Cabo ^Adamek.
—É inútil, Tenente. Ele não se afastará daqui enquanto Jan não regressar. Conheço bem este animal.
—Eu também—replicou Ocelka. —Vamos embora. Talvez ele mude de ideia quando sentir fome.
Depois do desjejum Adamek voltou à barraca com um prato de fígado. Antis continuou indiferente, como se mostrava indiferente à chuva que começara a cair. Convencido de que não haveria jeito de demover o cão, Adamek cobriu-o com uma lona e deixou-o ficar.
Já no fim da tarde a Sala de Operações foi informada de que o Cecília, atingido pelo fogo antiaéreo na altura da costa holandesa, conseguira voar até ao aeroporto de Coltishall, com apenas uma baixa: o metralhador Jan Bozdech estava no Hospital Norwich, curando-se de um ferimento superficial na cabeça. Os tchecos se regozijaram com essa notícia, mas não havia meio de transmiti-la ao cão.
Durante toda a noite Antis permaneceu em seu posto. Na madrugada seguinte, à hora em que o esquadrão costumava regressar de seus reides, o cão ergueu-se e deu uns passos. Uma hora depois do amanhecer, vendo que nenhum avião aparecia, começou a uivar desconsoladamente.
—Antis vai morrer de fome—disse Ocelka—e, enquanto isso, vai deixar-nos malucos. Temos de encontrar uma solução.
Foi o Padre Poucnly, capelão da base, quem resolveu o problema. Menos sujeito que qualquer outro oficial aos canais ordinários do comando, o padre foi direto ao ponto nevrálgico telefonando aos médicos que trabalhavam em Norwich. Uma vez que o Sargento Bozdech não estava muito ferido—sugeriu ele habilmente, ao expor a situação—não seria possível lhe darem permissão para uma pequena viagem de ambulância e para alojar o cão no hospital durante uns poucos dias? (Seguiu-se uma prolongada conferência médica.) Sim ? Seria possível ? Muito obrigado.
E assim foi feito. A ambulância chegou naquela tarde e os dois inseparáveis amigos viaj aram para o Hospital Norwich, onde amboS foram escandalosamente mimados pelas enfermeiras, até que Jan teve alta.

"O que os Olhos Não Vêem..."


ANTIS já havia assistido tantas vezes—mais de 30—à rotina do Cecília, que toda a tripulação conhecia detalhadamente os hábitos do animal. Uma noite, porém, pouco depois da chamada geral, o cão desapareceu. Embora não houvesse sinal dele em parte alguma e não fosse provável que ele alterasse sua costumeira norma de conduta, ninguém ficou particularmente apreensivo. Antis já demonstrara muitas vezes que sabia cuidar de si.
Quando o avião nivelou a 2.400 m de altura, Jan lançou um olhar inquieto na direção do campo de Wretham, àquela hora invisível na escuridão da paisagem. Depois, tratou de afastar o cão de seus pensamentos e concentrar-se na verificação de suas armas.
—Navegador para o operador do sem-fio—avisou subitamente o sistema de intercomunicação.—Você está-me ouvindo?
Absorvido em suas funções, Jan mal ouviu a resposta. Entretanto, as palavras seguintes do navegador despertaram toda a sua atenção.
—Estou ficando doido, ou você também está vendo o que eu vejo? —perguntou.
Seguiu-se uma série de exclamações e blasfémias. Depois:
—-Ele deve ter entrado no depósito de emergência pelo tubo que serve para lançar os artifícios ilumi-nativos. Alguém esqueceu de fazer a devida verificação. Jan, abra a portinhola de sua torre. Temos um clandestino a bordo.
Jan compreendeu logo o que havia acontecido e abriu a passagem. Displicentemente, como se fizesse aquilo todos os dias, Antis rastejou para dentro da torre e acomodou-se aos pés de seu amigo.
—Bandido!—exclamou Jan.—Devíamos largá-lo junto com as bombas.
Era impossível tomar qualquer providência. O Wellington continuava roncando, e Antis, docemente embalado, pôs-se a dormir.
Quando chegaram sobre a região do alvo, um denso fogo antiaéreo sacudiu a aeronave, mas o cão, ven do que Jan não se alterava, continuou calmo. Este, ao contrário, achou-se no dever de demonstrar sinais de encorajamento, a despeito da intensidade da barragem; desse modo cada um dava ânimo ao outro. Após alguns minutos, o perigo passou, e eles regressaram' à base, incólumes.
Tinham acabado de desembarcar quando chegou Ocelka. Visto que o regulamento do Ministério do Ar proibia conduzir animais nos aviões, a tripulação preparou-se para receber uma reprimenda enérgica. A semelhança de muitos oficiais camaradas, Ocelka sabia ser contundente quando a ocasião o exigia.
—Como se arranjaram?—perguntou friamente, olhando para Antis de soslaio.
O piloto, Jo Capka, fez um resumo da viagem, mencionando o pesado fogo que haviam encontrado. A tripulação agitou-se nervosamente quando o relato chegou ao fim.
—Fogo cerrado, hein ? Que é que você acha?—perguntou Ocelka fitando Antis.—Você não acha que estes pobres rapazes precisam de alguém para animá-los ?
Jan não pôde mais suportar.
—Posso explicar, Tenente—começou ele, mas Ocelka o interrompeu.
—O que os olhos não vêem o coração não sente. Já tenho aborrecimentos bastantes com os animais de duas patas. Vamos para a Sala de Operações para fazer os relatórios.
A partir de então Antis foi incluído como membro permanente da tripulação do Cecília. Sua conduta serena sob o fogo era tanto mais bem recebida quanto os homens estavam quase no fim do ciclo normal de serviço em combate—um período em que geralmente aumenta a tensão de todas as tripulações, que sabiam que mais de um aparelho fora derrubado em sua última missão. Ignorante dessa causa de preocupações, Antis corria para o avião como se cada missão fosse uma viagem de recreio, e inevitavelmente algo de seu élan se comunicava à tripulação.
O cão começou a acumular um número respeitável de missões de combate, registrando mesmo dois ferimentos no cumprimento do dever. O primeiro correu sobre Kiel, quando um fragmento de shrapnel lhe riscou o focinho e lhe cortou a orelha esquerda, que ficou caída para sempre desde então. O segundo pôs fim à sua carreira aviatória.
Durante um ataque contra Ha-nover, no momento em que o Cecília, tendo largado suas bombas, fazia a curva para regressar à base, uma granada explodiu bem embaixo do avião, crivando a fuselagem de estilhaços. Os motores nada sofreram e ninguém acusou ferimentos; todavia, ao alcançar East Wretham, o trem de pouso não arriou e eles tiveram de aterrar de barriga. Somente quando procuravam safar-se do avião acidentado foi que Jan descobriu que Antis tinha um ferimento de oito centímetros no peito, provocado por shrapnel.
Jan levou imediatamente o animal para a enfermaria da base, onde ele recebeu uns pontos e foi convenientemente enfaixado. Daí por diante Antis ficou em terra, afastado dos combates. Embora o animal se ressentisse das restrições, estas eram de certo modo suportáveis, uma vez que ele não sabia que Jan continuava voando. Enquanto o Cecília sofria reparos, sua tripulação foi transferida para outro avião, e, como o ruído dos motores deste não lhe era familiar, Antis simplesmente não lhe dava atenção.
Pouco tempo depois Jan completou seu ciclo de 41 missões (em sete das quais Antis tomara parte) e foi dispensado do serviço de combate. Nos restantes dois anos de guerra ele se ocupou primeiro como instrutor, depois em voos de patrulha anti-submarina. Antis desfrutava as horas que ambos passavam juntos e, quando Jan foi servir na Escócia, chegou mesmo a ser premiado num concurso de cães. Também certa vez desapareceu durante cinco dias, com uma cadela selvagem, nas serras da Escócia, mas depois demonstrou pouco interesse pelas res-ponsabilidades de pai. Os filhos foram abandonados ao próprio destino em companhia da mãe.

A Nuvem Negra


Os PRIMEIROS anos de paz foram venturosamente felizes para Jan. Ao retornar ao seu país triunfalmente libertado, recebeu a patente de capitão da Força Aérea Tcheca e foi designado para servir no Ministério da Defesa Nacional em Praga. Tanto ele como Antis tornaram-se bern conhecidos do público, pois Jan escreveu três livros sobre o seu tempo na RAF. Quase todos os jornais da Tchecoslováquia publicaram histórias de suas aventuras de guerra em companhia do cão.
Quando Jan se casou com uma moça de cabelos dourados, chamada Tatiana, Antis se fez notado na cerimónia por se haver emaranhado no véu da noiva. (Mais tarde ele se penitenciou da falta com um infatigável devotamento a Tatiana.) Em 1947, quando nasceu Robert, filho de seus ídolos, a criança^ se tornou encargo especial do cão. A noite ele dormia junto do berço, atento ao instante em que o menino acordava ou chorava. Antis então se levantava, caminhava mansamente até à cama do casal e encostava o focinho frio no ombro nu de Tatiana. Se isso não bastava para acordá-la, puxava-lhe as cobertas.
Foi um período maravilhoso para todos eles, mas não durou muito.
A 7 de março de 1948 Jan Ma-saryk, Ministro do Exterior e padrinho de Robert, telefonou do Palácio de Cernicky:
—Venha até aqui falar comigo, Jan. Tenho um presente para o seu filho.
Ao desligar o telefone, Jan sentiu que aquele convite poderia significar o desmoronamento de sua vida.
Ele se avistara com Masaryk no dia anterior; por que seu bom amigo lhe pedia para visitá-lo já no dia seguinte? Só poderia haver uma razão, e foi com receio que Jan se dirigiu para o Palácio de Cernicky.
—Você está entre os primeiros na lista negra dos comunistas—disse-lhe Masaryk.—O golpe pode vir a qualquer momento. Este aviso é estritamente para você: Nem Tatiana deve saber. Você precisa sair da Tchecoslováquia.
Era esse então o "presente" para o pequeno Robert! O" estratagema se fizera necessário, pois todos os telefones estavam sob escuta.
A Rússia Soviética, agindo através do Partido Comunista Tcheco, assenhpreava-se implacàvelmente do país. A medida que a guerra fria se intensificava, todos os que haviam tido ligações com o Ocidente se tornavam suspeitos. Jan percebera que seu apartamento se encontrava, havia meses, sob vigilância."• Seus'amigos souberam disso e não ousavam mais visitá-lo. O Ministério da De~ fesa estava repleto de agentes comunistas, muitos dos quais falavam russo. Há pouco tempo dois oficiais estrangeiros se haviam instalado no próprio apartamento de Jan, ostensivamente como estagiários, mas na realidade como espiões.
Três dias depois, a advertência de Masaryk foi sinistramente sublinhada pela morte do próprio Masaryk. Segundo a versão dos comunistas, ele "saltara" de uma janela do Ministério do Exterior.
Jan viu-se diante de um terrível dilema. Não poderia deixar sua mulher e seu filho enquanto houvesse qualquer possibilidade de viverem juntos. Por outro lado, se fosse aprisionado, sua família ficaria em situação muito pior do que se ele fugisse. A decisão era difícil. Jan hesitou durante semanas, até que, certa manhã, foi chamado pelo General Prachoska, do serviço de informações tcheco. A decisão agora passara para outras mãos.
—Sente-se, Bozdech—disse o General.—O Major Marek, meu assistente, gostaria de fazer-lhe umas perguntas.
—Foi o senhor quem escreveu isto?—começou Marek secamente, mostrando três livros e uma pasta com recortes de jornais.
Jan fez um gesto afirmativo com a cabeça.
—E que me diz dos programas e das peças radiofónicas, sempre fazendo a apologia dos ingleses?
—Eu servi na RAF—explicou Jan. —O que escrevi não passa de um relato do que vi naquele período, sem qualquer intenção política.
—Pelo contrário—interrompeu Marek.—Estes trabalhos constituem traição. Se o senhor deseja continuar escrevendo, deve escrever somente a_respeito da Força Aérea Vermelha. É uma ordem.
E depois de uma pausa:
—Há outro assunto. O senhor é sócio do Clube da Força Aérea ?
•—Sim, senhor.
A organização era comumente conhecida como "Clube Inglês", porque uma elevada percentagem de seus membros consistia em ex-oficiais da RAF.
—Sabemos que lá se discutem abertamente os mais- variados assuntos e desejamos estar informados a respeito. Falando claro, Capitão, queremos que o senhor preste atenção às conversas e, se necessário, provoque críticas ao regime atual. Comunique, depois, ao departamento os nomes de todos os sócios cujos pontos de vista indicarem que são inimigos do Estado.
Jan ficou escandalizado. Quis ensaiar um protesto; porém Marek mostrou-lhe um papel azul que se encontrava sobre a mesa:
—Temos aqui uma ordem de prisão datada de sexta-feira. O senhor tem três dias para decidir. Compreendeu bem ?

Movimento Subterrâneo Entra em Cena


NESSA NOITE Jan regressou a casa muito tarde. Depois que escureceu, deixou-se ficar pelas ruas, sozinho, procurando desesperadamente um meio de livrar-se da armadilha que lhe tinham preparado. Não seria um delator de seus amigos, disso não restava a menor dúvida. Se continuasse em seu posto e desafiasse os comunistas, só poderia esperar prisão e morte. A solução era evidente: fugir do país.
Com surpresa, acordou no dia seguinte com a mente desanuviada e os nervos calmos. Tendo sido dêsfechado o golpe há tanto temido, seus problemas se apresentavam incrivelmente simplificados.
Na hora do costume dirigiu-se para seu escritório. A uns 50 metros do Ministério da Defesa Nacional um transeunte deu-lhe um encontrão.
—Desculpe-me, Brazda—disse Jan, reconhecendo um antigo instrutor da Escola de Educação Física Sokol.
—Se você está em dificuldade— sussurrou Brazda—vá esta noite, às oito horas, ao Café Pavlova Kavar-na, em Strahove. A senha é: "Posso oferecer-lhe uma vodca?"
E pedindo desculpas pelo encontrão, Brazda continuou seu caminho. A máquina do movimento subterrâneo começara a funcionar.
Nessa noite, às oito horas, quando Jan apareceu no Café Pavlova Ka-varna, foi colhido suavemente pela engrenagem. Um homenzinho muito atencioso conduziu-o a um pequeno quarto no andar superior, onde Jan foi recebido por dois outros membros do movimento subterrâneo—um estudante e um senhor de idade, que sem dúvida fora soldado. Não houve apresentações. O ex-militar, que era chefe do grupo, não perdeu tempo com formalidades: ''- —Capitão Bozdech, sexta-feira é a data fixada para a sua prisão.
Jan ficou surpreendido com a exa-tidão do detalhe.
—Isso nos dá um dia para tirá-lo do país. Não é muito tempo. O senhor deve tomar uma decisão imediata, mas pesando bem os riscos, é claro. Se o senhor for apanhado tentando atravessar a fronteira, eles atirarão primeiro e farão as perguntas depois. Por isso, o senhor deve ir sozinho, e talvez possamos arranjar para que sua família vá posteriormente ao seu encontro por um caminho menos perigoso. Concorda?
Com o coração apertado, Jan acenou com a cabeça afirmativamente.
—Muito bem—continuou o chefe. —Aqui estão as instruções. Ouça atentamente.
Durante os cinco minutos seguintes os três agentes anónimos explicaram, nos mínimos detalhes, tudo o que Jan deveria fazer no outro dia. Depois, com um caloroso bon voyage, despediram-no.
Tatiana já dormia quando Jan voltou para casa nessa noite. Contemplando o rosto de sua esposa, suave e tranquilo, recordou as palavras de Masaryk: "Nem Tatiana deve saber." Masaryk tinha razão, é claro, ponderou Jan ao apagar a luz; tanto para a segurança dela como para a de Robert, era melhor ele partir sem dizer nada. Na manhã seguinte, porém, ao despedir-se dela, foi-lhe quase impossível manter a voz firme. O bater da porta atrás dele doeu-lhe como uma pancada no coração.
Ao entrar no escritório convocou seu auxiliar civil, Vesely. Durante a noite havia decidido que, embora fosse arriscado, precisava fazer uma alteração nos cuidadosos planos do movimento subterrâneo. Antis teria de acompanhá-lo. De outro modo —como Jan sabia por longa experiência—o cão se negaria teimosamente a comer, e a ideia de condená-lo à morte por inanição era-lhe insuportável.
—Vesely—disse Jan—tenho hora marcada para Antis no veterinário. Quer fazer-me o favor de passar no meu apartamento e trazer o animal ? Tome as minhas luvas; assim ele virá facilmente.
—Muito bem, senhor—replicou Vesely, feliz com a oportunidade para afastar-se do odiado escritório.
Duas horas depois, quando o involuntário cúmplice retornou com o cão, Jan compreendeu que a ocasião havia chegado. Começara a fuga. Ao transpor a porta, deteve-se um instante com naturalidade:
—Se alguém perguntar por mim, diga que estarei de volta depois do almoço.
Um dos espiões estalinistas levantou os olhos de sua papelada.
—Nós defenderemos o forte—disse sarcàsticamente.—Vá descansado.
—Obrigado—respondeu Jan.— Irei.

Antis em Perigo


DE ACORDO com as instruções recebidas, Jan tomou um bonde para Vaclasvska Namesti, depois entrou num movimentado mictório público. Quando fez a pergunta combinada, imediatamente o encarregado lhe entregou um pacote contendo uma muda de roupa. O fugitivo deveria viajar disfarçado de camponês,com uma mochila cheia de manteiga para vender.
O encarregado tomou conta de Antis enquanto Jan trocava de roupa em um dos reservados. Tudo fora previsto e os tamanhos eram exatos: do chapéu tosco às pesadas botinas. Havia também uma dúzia de pacotes de manteiga.
—O senhor está uma figura cómica—murmurou o homem quando Jan saiu do reservado, e lhe entregou uma nota de 500 coroas, mais o pacote (então contendo um belo uniforme da Força Aérea). Espero que o senhor consiga bom preço para a sua manteiga.
A Estação de Wilsonova ficava a uns 150 metros, mas Jan, com suas estranhas botinas, conseguiu meter-se no burburinho do trânsito, entrar na estação e comprar passagem sem que alguém lhe prestasse a menor atenção. O trem encostou, e Jan e Antis embarcaram. Seis minutos depois, ainda de acordo com as instruções, ambos saltaram na Estação de Smichov.
Isso era penas o início de um longo e complicado circuito que, por fim, levou Jan a certa fazenda, onde pernoitou. No dia seguinte um taciturno motorista o escondeu—sempre acompanhado de Antis—na traseira de um caminhão de transporte. Após demorado percurso, eles se detiveram junto a uma cabana isolada, no meio de mato denso.
—Esta é a casa de Anton—disse o motorista.—Vou deixá-lo aqui.
—Quem é Anton ?
—Um guarda-florestal que o guiará até à fronteira. Nada mais sei a respeito dele.
Quando o caminhão se afastou, um homem alto e muito queimado de sol saiu da cabana.
—Em que posso servi-lo?—perguntou com aspereza, os olhos fitos no cão.
Conforme fora recomendado, Jan lhe ofereceu um maço de determinada marca de cigarros. O homem permaneceu em silêncio alguns instantes, como se examinasse os cigarros. Afinal perguntou:
—Por que trouxe o cão?
—Aonde eu vou ele vai também.
O rosto de Anton se anuviou.
•—-Aonde você vai ele vai também —-repetiu.—Meu Deus, a gente vê cada uma! Você está pensando que este negócio é piquenique? Um latido dele e estaremos mortos. É preciso deixá-lo aqui.
—Nesse caso, prefiro voltar.
—E terá uma calorosa recepção. A esta hora já foi dado o alarma.
Jan reconheceu que o homem tinha razão, pois já era sexta-feira. Mas quanto a Antis, sua decisão continuava obstinadamente firme.
—Então quer mesmo arriscar a vida pelo cão^? Bem. Veremos o que diz Stefan. Ele irá conosco.
Chamou para o interior da cabana e, pouco depois, saía de lá um homem desempenado e barbudo. Anton explicou-lhe a situação. O outro não dizia nada olhando para Jan e Antis, como se procurasse recordar alguma coisa.
—Antis é ensinado—explicou Jan rapidamente.-—Não fará o menor ruído e poderá ajudar-nos.
—Antis—murmurou Stefan.—É isso. Li a respeito de vocês dois e me lembro dos retratos nos jornais. Por mim ele pode ir conosco.
Anten encolheu os ombros, depois sorriu para Jan:
—Você teria de fazer uma longa jornada para voltar a Praga—disse. —Mas eu gosto do seu espírito. Você terá êxito. Esperem um pouco.
Entrou na casa e logo voltou com dois revólveres.
—Espero que não tenhamos de usá-los, mas os postos de observação estão sempre mudando. Nunca se sabe—disse Anton.
Agachando-se, começou a riscar um mapa no chão com uma varinha.
—Aqui—disse apontando—fica o nosso primeiro obstáculo, uma floresta com uns três quilómetros de extensão. Está infestada de patrulhas. Sairemos da floresta neste ponto—explicou, assinalando o local— depois atravessaremos um pequeno vale, também permanentemente patrulhado. Logo a seguir se encontra a fronteira da Alemanha Ocidental e, um quilómetro adiante, a vila de Kesselholst. Uma vez lá, estaremos salvos.
—Partiremos imediatamente-— concluiu.—Quero alcançar a saída da floresta ainda com dia. Aí ficaremos escondidos e, depois do escurecer, daremos a última corrida através do vale.

Corrida com a Morte


UM CARRO levou-os até à orla da floresta, a uns 25 quilómetros de distância, e no princípio da tarde penetraram no espesso mato rasteiro. Inevitavelmente faziam bastante ruído, e para evitar serem surpreendidos pelas patrulhas volantes da fronteira Jan mandou Antis à frente, ordenando-lhe: "Busca!" Por duas vezes o cão se deteve rosnando baixo. No momento os homens nada perceberam, mas segundos depois ouviram o ruído leve e distante de galhos partidos e vozes abafadas. Eles se mantiveram ocultos na vegetação, imóveis, até que as patrulhas passaram; depois prosseguiram cautelosamente. Já caía a noite quando, por fim, alcançaram a saída da floresta.
Desse ponto observaram com atenção o vale que^se estendia entre eles e Kesselholst. A esquerda corria uma pequena estrada e, paralelamente a ela, um no turbulento. Não se viam patrulhas nem casamatas. Quando a claridade do crepúsculo se extinguiu e as luzes na vila começaram a acender-se, Anton sussurrou:
—Chegou a hora. Vamos!
Tinham percorrido uma pequena distância quando ouviram movimento nas proximidades. Jan lançou-se ao solo, junto com seus companheiros, no momento em que quatro vultos indistintos passavam furtivamente por eles, descendo a encosta.
De repente, a luz de dois holofotes furou a noite, varrendo o vale.
As pedras, os arbustos, os montículos, tudo parecia saltar de dentro da escuridão quando os fachos luminosos passavam, ora convergentes, ora mais afastados, depois saltando ambos sobre a presa. A cerca de 50 metros de Jan, quatro homens foram surpreendidos quando corriam freneticamente para trás das árvores. Antes que pudessem alcançá-las, as metralhadoras das casamatas abriram fogo e os quatro caíram.
No mesmo instante dois caminhões surgiram na estrada, cada um deles com quatro homens e um cão. Enquanto o pessoal descia para recolher os cadáveres, um dos cães começou a avançar na direção de Jan e de seus companheiros. A garganta de Antis emitiu um rosnado surdo, mas Jan apertou o focinho do animal com a mão.
Um dos guardas notou o afastamento do cão-polícia»
—Para cá!
O cão voltou para junto do guarda e os caminhões se afastaram.
—É sorte estarmos vivos—murmurou Anton.—O caminho que es-escolhi está bloqueado por um novo posto. Se aqueles quatro não tivessem vindo na frente, teríamos dado de cara com ele. Teremos de voltar e tomar outro caminho para atravessar o rio.
Os três homens voltaram cautelosamente para a floresta e depois gastaram uma -hora angustiosa abrindo caminho na escuridão através do pinheiral denso até chegarem à margem do rio. Apenas Jan entrou na água., segurando Antis pela coleira, a correnteza começou a puxá-lo.
—Agarremo-nos uns aos outros— recomendou Anton.
Jan cravou os dentes de Antis na aba de seu casaco, e os quatro, bem juntos, avançaram para o meio do rio, onde a correnteza era mais forte. Quando a água já lhe atingia a altura dos quadris, Jan escorregou numa pedra solta, desequilibrou-se e largou a mão de seu companheiro. Imediatamente foi carregado pela correnteza, arrastando Antis consigo, até que bateu numa pedra e conseguiu agarrar-se a ela. Ao recobrar o equilíbrio, verificou que fora levado para uma parte mais rasa, de onde pôde alcançar a outra margem.
Antis ainda estava com ele, mas não havia sinal de Anton nem de Stefan. Como tivesse receio de gritar, Jan ajoelhou-se junto ao cão e ordenou:
—Busca! Busca!
Durante alguns minutos só ouviu o marulhar do rio. Jan perguntou a si mesmo se não teria feito uma tolice mandando o cão em uma busca tão infrutífera, pois a correnteza podia arrastar um homem 50 metros em poucos instantes. De repente, sentiu uma batida no ombro e, quando levava a mão à arma, uma voz a seu lado começou a praguejar. Era Anton.
—Desculpe—disse Anton.—Vinha rastejando e bati com a cabeça em você. Graças a Deus que o cão está conosco. Sem a ajuda dele nunca nos teríamos encontrado. Você acha que ele pode achar Stefan ?
A uma ordem de Jan o cão desapareceu de novo. Demorou algum tempo, mas afinal regressou, conduzindo o encharcado e exausto Stefan.
—Fui carregado rio abaixo um bom pedaço, até um remanso. Foi então que Antis me descobriu. Acho que me salvou a vida.
Depois de alguns minutos de repouso eles continuaram, rumando para uma elevação situada a poucas centenas de metros da fronteira.
Densa cerração escondia comple-tamente a floresta e era impossível enxergar um palmo à frente. Antis corria de um homem para outro, como um cão pastor conduzindo o rebanho, guiando-os e mantendo-os em contacto uns com os outros. Quando chegaram ao topo da elevação, Anton achou que era inútil continuarem enquanto a cerração escondesse todos os pontos de referência. Os quatro instalaram-se para esperar o clarear do dia.
As primeiras luzes da alvorada, foram para trás de umas rochas e aí planejaram a corrida final até à fronteira. Jan colocou Antis de sentinela em cima das pedras.


Como Anton não tinha ideia de quantos postos ainda poderiam encontrar, decidiram atravessar o vale um de cada vez. O guia quebrou um galho em três pequenos pedaços, para sortear quem iria em primeiro lugar. No momento que estendia a mão, Antis rosnou e deu um salto. Ouviram o ruído de pé dras rolando, um grito sufocado e um rosnado selvagem.
Com o revólver na mão Jan correu para o outro lado da rocha. Antis estava sobre um soldado caído de costas, com o fuzil preso e inútil embaixo do corpo. Anton saltou sobre o guarda com a faca erguida.
—Não!—gritou Jan.
Anton hesitou.
—Jan tem razão—disse Stefan.— Seria assassínio.
—O miserável merece morrer— replicou Anton.
Entretanto, embora com relutância, afastou-se de cima do homem. Rapidamente eles amordaçaram o soldado e o amarraram a uma árvore; depois correram para o vale.
Ao alcançarem a orla do mato pararam bruscamente. O caminho através da campina estava bloqueado por uma guarita de cujo teto saíam fios telefónicos. Desanimados, os três homens ficaram escondidos na macega durante quase uma hora, observando a guarita. Não havia o menor sinal de vida.
—Experimente o cão—sussurrou Anton por fim, e Jan despachou Antis para sondar o que havia.
O animal correu até junto da porta fechada e aí parou, farejando; depois latiu. Não houve resposta.
—Acho que havia apenas um guarda—disse Stefan.—O que está agora amarrado à árvore.
Jan pôs-se em pé, trémulo e alvoroçado.
—Vamos!—gritou, e todos saltaram para o campo aberto.
Ao longe, no vale, alguém berrou uma ordem, mas os homens e o cão prosseguiram colina abaixo e através do regato que corria no sopé. Lá atrás ouviram uma campainha de telefone soando no interior da guarita, e o som de um apito distante.
—Corram! corram!—gritava An-ton.
Outro descampado se estendia à frente deles e, mais além, um bosque. Correram para o abrigo das árvores e, por fim, souberam que seus pés pisavam solo alemão.
Tão logo entregou sua carga sã e salva às autoridades da Alemanha Ocidental, Anton despediu-se. Deveria regressar à Tchecoslováquia e arriscar de novo a vida para conservar aberto o caminho de fuga para outros proscritos.
—Praza aos céus que nos encontremos outra vez em horas mais felizes—disse ao partir.-—Confesso que me enganei a respeito do cão. Ele foi a nossa salvação.

Os Anos Finais


DENTRO de uma semana após sua chegada à Alemanha Ocidental, Jan recebeu notícias confortadoras de sua pátria. Um refugiado tcheco, que o havia conhecido em Praga, informou que nem Tatiana nem Ro-bert tinham sofrido represálias, e estavam morando sossegadamente com os pais dela. Esta informação convenceu Jan de que fora acertada a decisão de fugir da Tchecoslováquia. A seguir solicitou reingresso na RAF e foi aceito.
 Em sua viagem para a Inglaterra,entretanto, não havia aquele grupo de amigos tchecos para contrabandear Antis na barba dos inspetores, e Jan se viu forçado a entregá-lo para a quarentena legal de seis meses. Surgiu então uma dificuldade de ordem financeira. O reengaja-mento de Jan se dera no posto mais baixo da hierarquia, de modo que seus vencimentos não permitiriam pagar as taxas do canil. Desesperado, ele apelou para o Dispensário Popular de Animais Doentes, em Londres, apresentando um relato completo da vida de Antis.
A resposta do dispensário foi além da expectativa de Jan. Não só foram pagas as taxas, mas ainda deram ampla publicidade à notável história de Antis, resultando disso que, em março de 1949, foi-lhe tributada uma homenagem sem prece-cedentes. Antis tornou-se*o primeiro cão estrangeiro a receber a Medalha Dickin—a Victoria Cross do mundo animal. Com um comovente discurso de apresentação, o Marechal-de-Campo Archibald Wavell, um dos mais eminentes soldados ingleses, referiu-se à "extraordinária coragem, devoção ao dever e salvamento de vidas em diversas ocasiões, no tempo em que serviu na Real Força Aérea".
"Estou certo", concluiu o Marechal,  "de  que todos me acompanham nas congratulações por esta recompensa, Antis, e desejamos que possas ostentá-la por muitos anos."
Infelizmente esses anos foram pou cos, mas no decorrer deles os dois amigos viveram mais inseparáveis do que nunca. Jan não teve mais notícias da mulher, do filho nem dos pais, de modo que Antis se tornou toda a sua família. Quando a vista do animal começou a apagar-se e o focinho a embranquecer com a idade, o cão não suportava a menor separação de seu bem-amado dono.
Todos os anos, na noite de Natal, onde quer que estivesse servindo, Jan cumpria um invariável ritual. Ao lado de uma árvore em miniatura, toda enfeitada e coberta de neve artificial, ele colocava os retratos de Ta-tiana, de Robert e de seus pais, assim mantendo pelo menos um laço tangível com seu lar desfeito. No Natal de 1952 Jan concluiu a arrumação de sua árvore e recolheu-se cedo. No meio da noite despertou, sentindo um estranho peso no peito. Era Antis, que repousara a cabeça ali.
Aquilo era muito estranho. Uma vez deitado, o cão conservava-se sempre em seu cobertor até à manhã seguinte.


—Que é que você tem, Antis ?—
perguntou Jan.—Volte para sua cama, meu velho.
Jan ouviu um trémulo suspiro, depois o arranhar agitado das patas do animal no chão, finalmente o baque de um corpo que cai.
Imediatamente Jan acendeu a luz. Antis jazia de lado, sem forças para se levantar. O amigo carregou-o para sua cama e começou a fazer massagens nas patas do cão, continuando o tratamento a intervalos durante o resto da noite. Por volta do meio-dia Antis conseguiu pôr-se em pé, mas estava fraco demais para sair com seu amo, de modo que Jan ficou com ele, enquanto na base se realizavam as comemorações de Natal. De sua janela ele podia ver as luzes do salão e ouvir os risos e os cânticos. Por duas vezes amigos seus foram chamá-lo, sugerindo-lhe que deixasse Antis sozinho durante algum tempo. Jan agradeceu, mas continuou sua vigília.
Sentado à mesa em que resplandecia a àrvorezinha de Natal, Jan contemplava a fotografia de Tatiana. Ela estava radiante em seu vestido de noiva, e ele recordou como Antis se havia emaranhado no véu quando eles saíam da igreja. Nesse momento, no salão, estavam cantando "Noite Feliz", e Jan reviveu outras festas de Natal, em outras guarnições. O quarto se encheu de fantasmas: Ka-rel e Joshka, Ocelka e Ludva^-de-zenas de amigos que tinham partido. Em breve Antis estaria com eles.
Pareceu a Jan que tinha decorrido um século desde o dia—havia 12 anos—em que encontrara aquele cãozinho na terra de ninguém.




Extraído da Revista Seleções de Reader's Digest de dezembro de 1960.

ANTIS Alsatian Dog, awarded the Dickin Medal on 28th January 1949. He served with his Czech owner in the French Air Force and RAF from 1940 to 1945 in both North Africa and England. He is the first foreign dog to receive the Dickin Medal. http://homepage.ntlworld.com/k.westgate/history5.htm

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