domingo, 23 de agosto de 2009

TORPEDO!


A história do Archerfish, o submarino que desmantelou o cerne da Marinha Japonêsa

Capitão-de-Fragata Edward L. Beach, da Marinha dos Estados Unidos
Condensado de "Submarine!"


O SUPERENCOURAÇADO japonês Shinano, juntamente com os navios Yamato e Musashi, de igual tipo, estava em construção em meados de 1942 e era o maior navio de guerra jamais construído. Maior que o Bismarck, o monstro alemão de 50 mil toneladas, e quase três vezes maior que o Oklahoma, que jaz de quilha para cima no lodo de Pearl Harbor. Couraças de 50 centímetros de espessura, máquinas de 200 mil H.P. e canhões que atiravam projetis de 457 milímetros de diâmetro. Depois da batalha de Midway, em que quatro navios-aeródromos japoneses foram destruídos, o Ministério da Marinha resolveu transformar o Shinano em navio-aeródromo. Parte da formidável couraça foi retirada; seus enormes canhões e torres nunca chegaram a ser instalados; e o peso correspondente foi utilizado num convés de voo, de dez centímetros de aço, quase 300 metros de comprimento e cerca de 40 metros de largura, capaz de transportar 150 aviões, podendo lançá-los e recolhê-los simultaneamente. Em novembro de 1944 realizou-se a cerimónia de incorporação. Um retrato do Imperador, numa moldura dourada e ornamentada, foi pomposamente entregue ao navio.
Então chegaram más notícias. Relatórios do Serviço de Informações indicavam que os ataques aéreos sobre a área de Tóquio passariam a ser cada vez mais intensos. Havia uma possibilidade de que o valoroso navio em construção fosse destruído enquanto ainda em preparo no arsenal.
Decidiu-se que o Shinano deveria seguir imediatamente para as águas mais seguras do Mar do Japão. Tratava-se de um viagem de algumas centenas de milhas apenas, mas cerca da metade passaria por águas acessíveis aos submarinos americanos. Era um risco que tinha de ser enfrentado. A viagem devia ser a tão alta velocidade que os submarinos não pudessem alcançá-lo. Havia necessidade de absoluto segredo.
A 28 de novembro, o Shinano suspendeu, acompanhado de uma escolta de quatro contratorpedeiros. Marinheiros e operários enchiam o convés.
No mesmo dia, o submarino norte-americano Archerfish estava fazendo patrulha imerso próximo à baía de Tóquio. Às^ 17.18 horas, ele veio à superfície. As 20.48 horas o Destino interveio.
—Contato radar!
Pelo tamanho da projeção do alvo e pela sua velocidade não há a menor dúvida de que o Archerfish tem pela frente algo realmente grande. Dentro de poucos minutos o Archerfish está andando na sua velocidade máxima normal, 18 nós, levantando um bigode de espuma na proa, atravessando o mar em perseguição cerrada.
O alvo navega a 20 nós, mas viaja em ziguezagues. Se o Archerfish puder determinar o seu rumo-base e navegar paralelo a ele, descontando os ziguezagues, talvez possa adiantar-se e alcançar uma posição de ataque, não obstante a diferença de velocidades.
Mas 18 nós não bastarão. Da torreta vem um chamado:
— Vamos dar tudo o que pudermos! Preciso de mais velocidade!
Abanando a cabeça, os suboficiais eletricistas manipulam cuidadosamente seus reostatos para aumentar um pouco a carga dos geradores. As hélices aumentam sua velocidade. O Archerfish está dando o máximo e o mostrador indica 19¹/² nós.
Uma hora depois do contato inicial, o alvo é avistado pela primeira vez. Um navio-aeródromo! O grande prémio, o prémio máximo! O Archerfish poderá afundar aquele monstro?
O Comandante Joe Enright percorre o submarino todo. Pede ao oficial de máquinas mais uma rotação das hélices. Manda o oficial de torpedos verificar se todas as ajustagens de última hora estão feitas. Rabisca uma radiomensagem:


DO ARCHERFISH AO COMANDO SUBMARINOS PACÍFICO E TODOS SUBMARINOS ÁGUAS JAPONESAS ESTOU SEGUINDO NAVIO-AERÓDROMO QUATRO CONTRATORPEDEIROS POSIÇÃO 3230 N 13745 E, RUMO-BASE 240, VELOCIDADE 20.


De Pearl Harbor vem a resposta do Almirante-em-Comando:


FOGO NELE JOE ESTAMOS TORCENDO POR VOCÊ.


O submarino persegue ansiosamente a sua presa.
Às 23.00 horas o grupo do alvo vira em ângulo na direção do Archerfish, mas não se aproxima o suficiente para dar uma oportunidade de imergir e atacar. O Archerfish não desanima e continua a perseguição.
Às 03.00 horas o Shinano aproxima-se do seu fim. O rumo-base é alterado novamente e, com espanto de todos, o Archerfish encontra-se quase pela proa do alvo.
Ah-uuuh-ga! Ah-uuuh-gal O alarme para imersão parece mais penetrante do que de costume.
—Postos de combate em imersão!
—Fechada a escotilha, Comandante!
—Lemes horizontais oito graus aproado! Máquinas adiante um terço! Cinquenta e cinco pés!
Cada homem executa suas funções com perfeição e o Archerfish mergulha suavemente sob as ondas. O radar obtém uma última leitura antes de imergir a antena: 10.530 metros, distância diminuindo rapidamente.
—Içar o periscópio!
O tubo comprido e luzidio sobe em seu berço. O Comandante faz uma visada longa e cuidadosa através da luz precária de antes do amanhecer. Em todo o barco a guarnição está ansiosa:
—Teremos imergido na posição correta?
Em voz baixa o Comandante informa:
—Eu o estou vendo.
Suas palavras percorrem o navio. Os homens se entreolham com rígidos, e fugazes sorrisos de orgulho.
—Nós o temos no periscópio.
Ouve-se agora mais alto, a voz do Comandante:
—Distância—marcação! Arriar periscópio!
Tudo está correndo satisfatóriamente. Navegando a 20 nós, o alvo percorrerá a distância até ao Archerfish em nove minutos. A distância para a rota projetada é 500 metros. Perto demais! O Archerfish estará praticamente por baixo do alvo quando este passar.
—Todo o leme a bombordo!
Guinando mais na direção do alvo, o Archerfish manobra para uma posição favorável ao ataque.
—Quanto tempo falta?—indaga àsperamente o Comandante.
—Em dois minutos ele estará aqui!
—Içar o periscópio!
Rapidamente o Comandante faz girar o periscópio, varrendo a superfície. De repente pára.
—Arriar periscópio! Estamos por baixo da escolta!
O periscópio é arriado. Com um ronco como o de um trem expresso, as hélices de um velocíssimo çontra-torpedeiro passam por cima.
—Esta é uma observação para o tiro! Os torpedos estão prontos?
Inconscientemente, a voz do Comandante tinha-se tornado áspera e enérgica. Aquele era o momento pelo qual haviam trabalhado.
—Estamos prontos para atirar, Comandante.
—Içar periscópio! Parece perfeito! Marcação—atenção!
E então a palavra final, a ordem que era o fim em vista:
—Fogo!
Com intervalos de oito segundos, seis torpedos partiram céleres em direção ao alvo enorme. O Comandante observou pelo periscópio.
Quarenta e sete intermináveis segundos depois do tiro o Archerfish obteve o prémio de seus esforços.
Bam! E, oito segundos depois: Bam! Dois acertos bem vistos! Mas não havia tempo para ficar como espectador. Já se aproximava um contratorpedeiro a menos de 500 metros.
— Vamos mais fundo! Ao prepararem a descida, ouviram-se mais quatro acertos positivos.
Depois disso o relatório da patrulha do Archerfish registra apenas o seguinte: "Começamos a receber um total de 14 bombas de profundidade."
E o Shinano? Projetado para resistir a 20 ou mais torpedos, não naufragou imediatamente. Se tivesse sido corretamente manobrado por sua inexperiente guarnição, e se tivesse sido bem construído, talvez alcançasse um porto.
Mas a água dos compartimentos danificados passava para os não atingidos através de portas-estanques que não tinham sido testadas. O pessoal de máquinas quis dar partida às
bombas de esgoto—e verificou que não tinham sido montadas ainda.
Em desespero, organizaram-se filas de baldes, mas as seis enormes perfurações no costado desafiavam todos os esforços.
E aí falhou a disciplina. Os homens começaram a abandonar as filas de baldes isoladamente ou em grupos. Em atitude fatalista, a maioria da guarnição novata concentrou-se no convés de voo, na esperança de ser salva pelos contratorpedeiros que navegavam em torno do navio-aeródromo ferido.
Quatro horas depois de mortalmente atingido, o Shinano era um casco perdido e cada vez mais adernado. Só havia uma coisa a fazer: o Imperador, na sua moldura dourada, foi retirado do passadiço e transferido para um contratorpedeiro parado ao lado. Depois teve início a faina de abandono do navio.
Pouco antes das 11.00 horas do dia 29 de novembro o Shinano virou, desaparecendo o seu convés de voo e expondo o bojudo e brilhante fundo, com suas quatro hélices de bronze na popa. Durante vários minutos ele se manteve assim, trepidando e gemendo. Depois, repentinamente, a proa elevou-se parcialmente fora da água, com o escovém da amarra parecendo um olho gigantesco, como se o Shinano quisesse lançar um último olhar ao mundo que estava deixando. E rapidamente desapareceu debaixo d'água.
O Shinano havia navegado em mar aberto menos de vinte horas.


Seleções Reader's Digest - Abril de 1953

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