quinta-feira, 23 de abril de 2009

Eu Comandei o Ataque a Pearl Harbor






Capitão-de-Mar-e-Guerra Mítsuo Fuchida,
da antiga Armada Imperial Japonesa Redação de Roger Pineau


"Desejamos que o senhor comande a nossa força aérea, na hipótese de atacarmos Pearl Harbor."
Fiquei quase sem fôlego. Era em fins de setembro de 1941 e, se a situação internacional continuasse a agravar-se, o plano de ataque teria de ser executado em dezembro. Não havia tempo a perder no treinamento para essa importantíssima missão.
Em meados de novembro, após o mais rigoroso treinamento, foram levados os aviões para bordo dos respectivos porta-aviões que, a seguir, aproaram para as ilhas Curilas, viajando isolados e seguindo rotas diferentes para não despertar atenção. Depois, às 6 horas da manhã, uma manhã escura e nublada, em 26 de novembro, nossa fôrça-tarefa de 28 navios, incluindo seis navios-aeródromos, deixou as Curilas.
O Vice-Almirante Nagumo comandava a Força de Ataque a Pearl Harbor. As instruções por ele recebidas diziam: "No caso de as negociações com os Estados Unidos chegarem a conclusão satisfatória, a fôrca-tarefa regressará imediatamente à pátria.'' Desconhecendo o fato, entretanto, as tripulações, lançando o que talvez fosse o seu último olhar ao Japão, gritavam: "Banzai!" Podia-se perceber seu ardente entusiasmo e espírito combativo. Malgrado isso, eu não podia deixar de alimentar dúvidas quanto à confiança com que o Japão se lançava à guerra.
Nossa rota devia passar entre as ilhas Aleútas e a ilha de Mídway, de maneira a ficar fora do alcance das patrulhas aéreas americanas, que, em alguns casos, segundo se supunha, abrangiam uma extensão de 1.000 quilômetros. Enviamos à frente três submarinos para informar da presença de quaisquer navios mercantes, a fim de podermos alterar a rota e evitá-los. Mantínhamos um alerta permanente contra submarinos americanos.
Nossos rádios permaneciam em absoluto silêncio, mas ouvíamos as transmissões de Tóquio e Honolulu procurando alguma palavra sobre o início da guerra. Em Tóquio, uma conferência de coordenação do governo e do Alto Comando esteve em sessão, diariamente, de 27 a 30 de novembro; para discutir-a proposta feita pelos Estados Unidos no dia 26. Chegou-se à conclusão de que a proposta era um ultimato destinado a subjugar o Japão e a tornar a guerra inevitável, mas que se deveria prosseguir nos esforços pela paz até ao último momento.
A decisão a favor da guerra foi tomada na Conferência Imperial realizada a 1.° de dezembro. No dia seguinte, o Estado-Maior Geral deu a ordem: "O dia do ataque será 8 de dezembro" (7 de dezembro no Havaí e nos Estados Unidos). A sorte estava lançada: rumamos diretamente para Pearl Harbor.
Por que foi escolhido aquele domingo para o ataque? Porque estávamos informados de que a Esquadra Americana regressava a Pearl Harbor nos fins-de-semana, após um período de instrução no mar. E também porque o ataque deveria ser coordenado com nossas operações em Malaca, onde estavam previstos ataques e desembarques aéreos para a madrugada daquele dia.
De Tóquio foram-nos retransmitidos relatórios do Serviço de Informações sobre atividades da Esquadra Norte-Americana:
7 de dezembro (6 de dezembro, hora do Havaí): "Não há balões nem redes antitorpedo em torno dos encouracados ancorados em Pearl Harbor. Todos os encouraçados estão na baía. Não há indicações, na atividade do rádio inimigo, de que estejam sendo feitos voos de patrulha oceânica na região do Havaí. O Lexington deixou o porto ontem. Supõe-se que o Enterprise também esteja operando no mar."
Nessa ocasião é que recebemos a mensagem do Almirante Yamamoto: "O apogeu ou declínio do Império depende desta batalha; todos devem dar o máximo de seu esforço no cumprimento do dever."
Estávamos exatamente a 368 quilômetros ao norte de Oahu, onde está situada Pearl Harbor, pouco antes do alvorecer de 7 de dezembro (hora do Havaí), quando os navios-aeródromos manobraram na direção do vento norte. A bandeira de combate tremulava no topo de cada mastro. O mar estava muito agitado, o que nos fez hesitar quanto à decolagem no escuro. Achei que era viável. Os conveses de voo vibraram com o ronco dos motores dos aviões acabando de aquecer.
Uma lâmpada verde foi agitada em círculos. "Decolar!" O rugido do motor do primeiro caça foi crescendo até que ele se elevou no ar, são e salvo. Havia grandes gritos de aclamação toda vez que um avião decolava.
Dentro de 15 minutos, 183 caças, bombardeiros e torpedeiros tinham decolado dos seus navios-aeródromos e estavam entrando em forma no céu ainda escuro, guiados apenas pelas luzes de sinalização dos aviões-guias. Após circularmos por cima da esquadra, tomamos a rota que conduzia exatamente ao sul de Pearl Harbor. Eram 6 e 15.
Sob meu comando imediato havia 49 aviões de bombardeio horizontal. À minha direita e um pouco abaixo estavam 40 aviões torpedeiros; à minha esquerda, cerca de 200 metros acima, 51 bombardeiros de mergulho; protegendo a formação havia 43 caças.
As 7 horas calculei que deveríamos chegar a Oahu em menos de uma hora. Mas, voando por cima de espessas nuvens, não víamos a superfície do mar e, portanto, não podíamos controlar nossa deriva. Liguei o radiogoniômetro para a estação de Honolulu e não tardei a ouvir música. Girando a antena, encontrei a direcão exata de onde vinha a transmissão, e corrigi a nossa rota. Tivéramos uma deriva de cinco graus.
Ouvi então um boletim meteorológico de Honolulu: "Nublado em parte, principalmente sobre as montanhas. Boa visibilidade. Vento norte, dez nós."
Que sorte a nossa! Não se poderia ter imaginado situação mais favorável. Devia haver brechas nas nuvens, sobre a ilha.
Cerca de 7 e 30 as nuvens se abriram de repente e apareceu uma longa linha branca de litoral. Estávamos sobre a extremidade norte de Oahu. Era a hora de desdobrarmos a nossa formação.
Chegou um relatório de um dos dois aviões de reconhecimento que tinham ido à frente, dando a localização de dez encouraçados, um cruzador pesado e dez cruzadores leves. O céu ia ficando mais limpo à proporção que avançávamos para o alvo, e comecei a estudar nossos objetivos com auxílio do binóculo. Os navios estavam lá. "Dê ordem de ataque a todos os aviões", ordenei ao meu radioperador. Eram 7 e 49.
As primeiras bombas caíram no aeródromo de Hickam, onde havia fileiras de bombardeiros pesados. Os pontos atingidos a seguir foram a ilha Ford e o aeródromo de Wheeler. Em pouco tempo imensos rolos de fumaça subiam dessas bases.
Meu grupo de bombardeio horizontal manteve-se a leste de Oahu, para lá da extremidade sul da ilha. No ar só havia aviões japoneses. Os navios, na baía, pareciam ainda adormecidos. A estação de rádio de Honolulu continuava normalmente a sua transmissão. Conseguíramos a surpresa!
Sabendo que o Estado-Maior Geral devia estar ansioso, ordenei que fosse enviada à Esquadra a seguinte mensagem: "Conseguimos realizar ataque de surpresa. Peço retransmitir esta informação para Tóquio."
Começaram a aparecer esguichos de água ao longo dos encouracados. Eram os nossos aviões torpedeiros em ação. Era tempo de desencadearmos nossos bombardeios horizontais. Ordenei ao meu piloto que inclinasse o avião abruptamente. Era o sinal de ataque para o nosso grupo. Os meus dez esquadrões formaram em coluna por um, com intervalos de 200 metros - uma bela formação.
Enquanto meu grupo fazia a corrida para o bombardeio, a artilharia antiaérea americana, tanto de bordo dos navios como das baterias terrestres, entrou subitamente em ação. Aqui e ali viam-se explosões de cor cinza-escura, até que o céu se encheu de abalos de tiros quase certeiros que faziam o nosso avião estremecer. Fiquei surpreendido com a rapidez do contra-ataque, que veio menos de cinco minutos depois de lançada a primeira bomba. A reação japonesa não teria sido tão pronta — o caráter japonês é apropriado à ofensiva, mas não se ajusta facilmente à defensiva.
Meu esquadrão dirigia-se para o Nevada, que estava fundeado na extremidade norte do Cais dos Encouraçados, na parte leste da ilha Ford. Estava quase no momento de soltar as bombas quando penetramos numa formação de nuvens. Nosso bombardeador-guia abanou as mãos para trás e para a frente para indicar que teríamos de passar "em branco", e demos uma volta sobre Honolulu para aguardar outra oportunidade. Nesse ínterim, outros esquadrões fizeram suas corridas, tendo alguns realizado três tentativas antes de lograrem êxito.
Repentinamente, colossal explosão verificou-se no Cais dos Encouracados. Uma imensa coluna de fumaça negro-avermelhada se elevou a uns 300 metros, e uma violenta onda de choque atingiu o nosso avião. Devia ter explodido um paiol de pólvora. O ataque estava no auge; a fumaça dos incêndios e explosões enchia quase todo o céu sobre Pearl Harbor.
Observando com o binóculo o Caís dos Encouracados, vi que a grande explosão havia sido no Arizona. Este continuava ardendo violentamente, e como a fumaça cobria o Nevada, alvo do meu grupo, procurei algum outro navio para atacar. O Tennessee já estava pegando fogo, mas junto dele encontrava-se o Maryland. Dei ordem para mudar, tomando o Maryland como alvo, e voamos em díreção ao fogo antiaéreo.
Quando o bombardeador do nosso avião-guia largou sua bomba, os pilotos, observadores e radioperadores dos demais aviões gritaram "Lançar!" e lá se foram as nossas bombas. Imediatamente me deitei de bruços no chão para observar através duma fresta. Quatro bombas, formando um desenho perfeitamente simétrico, caíam a prumo como demônios da destruição. Foram diminuindo de tamanho até se transformarem em quatro pontinhos, e finalmente desapareceram dando lugar a quatro minúsculos clarões no navio e perto dele.
De grande altitude, os tiros perdidos são mais perceptíveis que os impactos diretos, pois produzem ondas circulares na água, fáceis de ver. Percebendo duas dessas ondas e mais dois pequenos clarões, bradei: "Dois certeiros!" Tive a convicção de que havíamos produzido danos consideráveis. Dei ordem aos bombardeiros que haviam completado suas missões para que regressassem aos porta-aviões. O meu, porém, permaneceu sobre Pearl Harbor para observar e dirigir as operações ainda em curso.
Pearl Harbor e arredores estavam convertidos num caos. O Utah havia emborcado. O West Virginia e o Oklahoma, com os cascos quase arrancados pelos torpedos, adernavam perigosamente em meio a uma inundação de óleo grosso. O Arizona estava muito adernado e ardia furiosamente. Os encouraçados Maryland e Tennessee ardiam também. O Pennsylvania, que estava no dique seco,ficara intato— evidentemente o único encouraçado que não fora atacado.
Durante o ataque, muitos dos nossos notaram os valentes esforços dos pilotos americanos para decolar com seus aviões. Apesar da grande inferioridade numérica, voaram diretamente sobre nossos aparelhos para travar combate. Os resultados foram ínfimos, mas sua coragem impôs admiração e respeito.
Os aviões do nosso primeiro ataque levaram uma hora para concluir sua missão. Quando iniciaram o regresso aos navios-aeródromos, após terem perdido três caças, um bombardeiro de mergulho e cinco aviões torpedeiros, entrou em cena a nossa segunda vaga de 171 aviões.
O céu estava agora tão coberto de nuvens e de fumaça que era difícil localizar os alvos. Para dificultar ainda mais a missão, o fogo da artilharia antiaérea, naval e terrestre tornara-se intensíssimo.
O segundo ataque conseguiu excelente dispersão, atingindo os encouraçados menos danificados, bem como cruzadores e contratorpedeiros não atingidos anteriormente. Este ataque durou também cerca de uma hora, mas, devido à intensificação do fogo da defesa, houve novas baixas: seis caças e 14 bombardeiros de mergulho.
Depois que a segunda onda iniciou a viagem de retorno aos navios-aeródromos, dei novamente uma volta sobre Pearl Harbor para observar e fotografar os resultados. Contei quatro encouraçados positivamente afundados, três seriamente avariados. Outro encouraçado parecia consideravelmente desmantelado, e haviam sido destruídos numerosos navios de outros tipos. A base de hidraviões da ilha Ford estava presa das chamas, bem como os aeródromos, especialmente o de Wheeler.
Devido à densa cortina de fumaça não era possível determinar os estragos sofridos pelos aeródromos. Era evidente, todavia, que boa percentagem do poderio aéreo da ilha fora destruída: nas três horas em que meu avião permaneceu naquela região não encontramos um único avião inimigo. No entanto, vários hangares estavam ilesos, e era possível que alguns deles contivessem aviões utilizáveis.
Meu avjão foi talvez o último a voltar para a esquadra, onde os outros aparelhos, reabastecidos e rearmados, estavam se alinhando, preparando-se para outro ataque. Fui chamado sem demora à ponte de comando. O Estado-Maior do Almirante Nagumo, enquanto aguardava meu relatório, estivera entretido em uma discussão intensa sobre a conveniência de lançar novo ataque.
—Quatro encouraçados positivamente afundados — informei. — Alcançamos elevado grau de destruição nas bases aéreas e nos aeródromos. Há, contudo, muitos alvos ainda por atingir. Insisti por novo ataque. O Almirante Nagumo, porém— numa decisão que desde então tem sido alvo de muita crítica por parte de peritos navais—preferiu voltar à base. Imediatamente foram alçadas as bandeírolas de sinais e nossos navios aproaram para o norte a grande velocidade.




Texto extraído da Revista Seleções Reader's Digest de Abril de 1954

quarta-feira, 15 de abril de 2009

DINHEIRO FALSO COMO ARMA DE GUERRA





DINHEIRO FALSO COMO ARMA DE GUERRA
 
Pelo Major George J. McNally
e Frederic Sondern, Jr.

ANTES de entrar para o Exército Norte-Americano em 1942, George McNally foi agente do Serviço Secreto dos Estados Unidos, especializando-se na perseguição aos falsários. Em 1945 o Exército o escolheu para proteger as tropas norte-americanas na Europa contra a falsificação de dinheiro que sempre se verifica em grande escala durante as invasões e ocupações militares.
Frederic Sondern, Jr., redator itinerante do Reader's Digest, tem escrito muitos importantes artigos sobre acontecimentos da Europa Central.

Um estratagema fantástico de Himmler para desorganizar a economia da Inglaterra na última guerra.

Poucos dias depois da rendição dos exércitos de Adolf Hítler, um oficial do Serviço de Contra-Espionagem dos Estados Unidos telefonou alvoroçado para o meu gabinete no Supremo Q.G. das Forças Expedicionárias Norte-Americanas na Europa, em Francforte. Queria comunicar-me que um capitão alemão havia entregue um caminhão carregado com milhões de cédulas de dinheiro inglês. Acrescentou que grandes quantidades de notas estavam boiando no rio Enns e que civis e soldados aliados as estavam recolhendo.
Surpreso e intrigado, corri ao local onde o capitão alemão e o seu veículo estavam detidos. Ali, dentro de 23 caixotes do tamanho de caixões de defunto, estavam maços e maços de notas do Banco da Inglaterra. Uma rápida avaliação da prêsa — com o auxílio dos manifestos escritos em caligrafia caprichada e pregados na parte interna de cada tampa—indicou que a quantia importava em nada mais nada menos que 21 miIhões de libras esterlinas!
Foi-me impossível determinar, mesmo com" uma forte lente de aumento, se as, notas eram verdadeiras ou não. Comuniquei-me com meus colegas ingleses em Francforte e, pouco depois, recebi um telefonema diretamente do Banco da Inglaterra. Quando fiz uma descrição do achado, ouvi uma longa exclamação de espanto do outro lado do fio. Pouco depois, chegava de Londres um representante do Banco, um cavalheiro alto, anguloso e reservado, de nome Reeves.
Levamos Reeves à sala muito bem guardada onde fora recolhido o tesouro, e ele começou a olhar de caixote em caixote, folheando as notas. Afinal, deteve-se e ficou de olhar parado no espaço. Em seguida, durante vários segundos, praguejou lenta e metodicamente na sua voz de inglês bem educado, mas com grande veemência.
—Desculpem, disse ele por fim. Mas a gente que fez esse dinheiro já nos deu muito prejuízo.
Daquele momento em diante Reeves, três detectives da Scotland Yard e eu colaboramos na reconsti-tuição da fantástica história da Operação Bernhard, a maior mistificação que um governo já perpetrou contra outro.
Para começar, disseram-me que no ano de 1943 uma quantidade alarmante de dinheiro inglês falsificado principiou a chegar a Londres, procedente de Zurique, Lisboa, Estocolmo e outros centros neutros. As notas apareciam no começo em lotes de 100 mil libras ou mais e a qualidade
da falsificação melhorava sempre. 
Os técnicos do Banco da Inglaterra chegaram, sem demora, à conclusão de que as notas estavam sendo fabricadas por homens de grande competência e distribuídas por uma quadrilha extraordinariamente bem organizada.
Um dia, um espião alemão foi preso em Edimburgo. Fora levado de hidroavião até à costa da Escócia e alcançara a praia num bote de borracha. A mala que levava estava cheia de notas—o dinheiro falso mais perfeito que já se vira no Banco da Inglaterra.
O Banco percebeu, então, que o falsário com.quem tinha de lidar era o próprio governo alemão e que aquilo bem podia ameaçar o crédito da Inglaterra. Durante dezenas de anos os bancos do mundo inteiro vinham usando notas do Banco da Inglaterra quase como se fossem ouro. Europeus e asiáticos receosos costumavam entesourá-las como reserva, caso houvesse desvalorização do seu próprio dinheiro. Havendo, naquela ocasião, centenas de milhares de libras em dinheiro falso em , circulação fora da Inglaterra, se houvesse dúvidas quanto à validade das notas nos países neutros e aliados, especialmente no meio de uma guerra, o resultado poderia ser extremamente perigoso não só para a Inglaterra como também para a causa aliada. Por fim, o Banco teve de ceder ante o inevitável.
O mundo financeiro internacional sofreu um choque quando o Banco anunciou que ia recolher todas as suas notas de todos os valores e substituí-las por notas de cinco libras de nova estampa. A partir de uma data determinada, todas as notas antigas perderiam o valor.
O Ministro da Fazenda da Inglaterra explicou ao Parlamento atônito, com a devida reserva, que um dos motivos determinantes da providência era a falsificação em grande escala. Mais não disse, e a imprensa inglesa foi dissuadida de levar adiante as suas indagações.
A verdade era que, em três anos, os nazistas tinham imprimido quantidades incalculáveis de notas inglesas falsas que estavam desmoronando fortunas; abalando bancos e indústrias ecustando ao Tesouro Inglês milhões de esterlinos.
Baseados nessa informação, iniciamos as investigações para descobrir os homens e as máquinas responsáveis por essa obra colossal de falsificação.
Por acaso, não foi difícil encontrar as máquinas. O capitão alemão que nos entregara os caixotes de notas disse havê-las recebido de um oficial das Tropas de Assalto (SS), cujo caminhão enguiçara perto da aldeia de Redl Zipf, com ordem para jogar tudo dentro de um lago próximo. O capitão nada mais sabia além disso. Fomos a Redl Zipf e descobrimos uma das redes subterrâneas de depósitos e oficinas que ramificam o reduto alpino onde os nazistas pretenderam opor a sua última resistência. Ali, na Galeria 16—um túnel de 60 metros de comprimento partindo de uma grande escavação feita no flanco de uma montanha— encontramos prelos para imprimir notas e outras máquinas. Mas não havia clichés, nem papel nem escrituração. "O que temos a fazer agora, meu amigo", disse Reeves, "é procurar as pessoas que trabalhavam aqui!'
As indagações que fizemos em Redl Zipf revelaram que todos os homens que haviam trabalhado na fábrica subterrânea tinham sido levados para o campo de extermínio de Ebensee, a 65 quilometros dali, poucos dias antes da capitulação dos alemães. Fomos, sem demora, a Ebensee—mas já não encontramos nenhum dos falsários. O comandante do campo, sabendo que já havia tropas americanas na região, fingira acatar a ordem de gasear todos os 140 homens, mas não tomara nenhuma providência nesse sentido. Quando o campo foi libertado, os falsários saíram simplesmente, cada qual para o seu lado.
Felizmente, os livros do campo tinham sido mantidos em dia com a típica precisão germânica, até nos últimos dias alucinados do Reich. Os nomes e os lugares de nascimento de todos os membros do estranho grupo estavam ali registrados. Iniciou-se, então, uma busca que durou meses e nos levou aos quatro cantos do ex-império nazista.
Conseguimos reunir, um por um, mais de 40 dos mais importantes falsários. Pouco a pouco, fomos cotejando e articulando os seus depoimentos, que às vezes chegavam a ser incríveis. E, afinal, fizemos a mais importante das nossas descobertas. De vários desses depoimentos ficamos sabendo que um tcheco de nome Oskar Skala, prisioneiro político dos nazistas, fora o guarda-livros-chefe da operação. Graças ao auxílio da polícia tcheco-eslovaca, fomos encontrá-lo pacificamente vendendo cerveja numa cidadezínha perto de Pilsen. Skala nos ajudou bastante. Sendo homem metódico, tinha anotado, diariamente, numa caderneta pequena, todo o trabalho feito pelos falsificadores. Os capítulos finais da fantástica história da Operação Bernhard não tardaram a aparecer.
No começo da guerra, o Führer das SS, Heinrich Himmler, criara em seu quartel-general a Seção 6-F-4, organização destinada a abalar a economia inglesa por meio da falsificação, em grande escala, de dinheiro inglês. O plano foi realmente encaminhado quando o Major Bernhard Krüger foi nomeado diretor executivo, em 1942.
Krüger era um nazista jovem e imaginoso que sentiu um fascinante desafio nos problemas que estavam retardando a 6-F-4. Uma das dificuldades tinha sido o recrutamento do pessoal de elevada competência e especialização necessárias a uma grande oficina de falsificação. Os técnicos do Reichsbank e da Imprensa Oficial do Reich, na sua maioria velhos e conservadores funcionários civis prussianos, revoltaram-se ante a ideia de imprimir dinheiro de outra nação, mesmo em tempo de guerra. Krüger achou uma solução. Muitos dos mais competentes técnicos alemães em artes gráficas estavam em campos de concentração em virtude da sua origem racial. Podia-se pôr esses homens a trabalhar e, ao mesmo tempo, mantê-los calados.
Bernhard Krüger reuniu esses técnicos, prometeu-lhes tratamento preferencial pelo resto da vida e mandou transportá-los para o campo de concentração de Sachsenhausen, em Oranienburg, perto de Berlim. Ali, num conjunto de edifícios isolado, conhecido por Bloco 19, cercado de arame farpado eletrificado e guardado por sentinelas escolhidas da famosa Brigada da Morte, sob o juramento de manterem absoluto segredo, a Operação Bernhard entrou seriamente em fase de execução.
Instalaram-se oficinas com máquinas que eram a última palavra na impressão de notas. Os clichés foram então gravados com minucioso cuidado. Uma firma alemã fabricante de impressoras interrompeu a produção de guerra para fornecer a necessária maquinaria de precisão. Depois de muitas experiências, uma famosa fábrica de papel conseguiu reproduzir o fino e leve papel do Banco da Inglaterra, com as suas complicadas linhas-d'água.
A título de experiência, a Seção 6-F-4 enviou partidas do produto de Bernhard aos representantes da Gestapo nas embaixadas e consulados alemães na Turquia, na Espanha, na Suíça e na Suécia, com instruções para tentar passá-las nos bancos locais. Na maioria, as notas foram aceitas sem despertar dúvidas. Himmler exultou.
Depois, à medida que iam saindo das máquinas, as notas eram meticulosamente examinadas e classificadas. As de primeira classe, as melhores, eram distribuídas pela 6-F-4 para compras nos países neutros e com o dinheiro para despesas dos mais importantes espiões e sabotadores de Himmler no estrangeiro. As notas de segunda classe, que apresentavam ligeiros defeitos, mas ainda eram falsificações excelentes, eram distribuídas às unidades da Gestapo nos países ocupados para comprar informações e subvencionar colaboracionistas que gostavam de ter notas do Banco da Inglaterra à mão para alguma emergência.
As notas de terceira classe, também contrafações extremamente enganadoras, eram guardadas para a execução de um plano fantástico de Himmler. Essas notas seriam lançadas de avião sobre as Ilhas Britânicas! A esperança de Himmler era que o povo de toda a ilha as apanhasse c passasse adiante, colocando assim o governo e os bancos diante do difícil problema de separar o bom dinheiro do falso sem causar abalo econômico. Felizmente, quando havia notas em quantidade suficiente, a Luftwaffe já tinha sido expulsa do céu da Inglaterra e o plano foi abandonado.
Uma das vítimas notórias do dinheiro de primeira classe de Krüger foi o agora famoso "Cícero", o espião profissional albanês Eliaza Bazna, que foi mordomo do embaixador inglês em Angora durante a guerra e que se tornou, segundo ele pensava, o espião mais bem pago da história, por ter recebido 300 mil libras do Serviço Secreto Alemão em troca de segredos surrupiados ao cofre do embaixador. Outra vítima, essa mais típica, foi um homem de negócios da Suíça que aceitou, com absoluta boa-fé, notas inglesas no valor de cinco milhões de cruzeiros de um banco suíço as quais, depois de passarem por vários países neutros, chegaram por fim à sede do Banco da Inglaterra em Threadneedle Street. Ali, o produto do Major Krüger foi afinal descoberto por um tesoureiro perspicaz. Em alguns casos, porém, notas de primeira classe de Sachsenhausen foram enviadas da Alemanha a um país neutro, daí à Inglaterra, de novo soltaram a outro país neutro e finalmente à Alemanha mais uma vez, sem despertarem suspeitas em nenhuma das etapas.
Entretanto, ainda no período de maior êxito da Operação Bernhard, o Major Krüger andava apreensivo.A sua fábrica estava produzindo 400 mil notas por mês e em breve seria atingido o total que Himmler estimulara. Diante disso, o Major conspirou com os seus capatazes para retardarem o rendimento das máquinas e condenar como defeituosas grandes quantidades de notas de primeira classe. "Se não andarmos devagar", disse ele ao seu guarda-livros e principal assistente, "serei mandado para a linha de frente e vocês todos serão fuzilados. Seria uma grande pena." Para o Banco da Inglaterra foi uma felicidade ele pensar assim. Várias centenas de milhares de notas de primeira classe, que poderiam ter entrado em circulação, foram secretamente encaixotadas e postas de lado por ordem de Krüger.
Para manter a Operação Bernhard funcionando a pleno regime, Krüger empreendeu outro projeto que andava em suas cogitações havia algum tempo — a falsificação de dólares americanos. Isso, porém, foi mais difícil. O papel em que é impresso o dinheiro norte-americano nunca pôde ser imitado com êxito. Depois de exaustivas pesquisas, as melhores fábricas de papel da Alemanha só conseguiram uma imitação grosseira. Além disso, até os mais competentes auxiliares de Krüger se convenceram de que não poderiam produzir os complicadíssimos desenhos e as tintas coloridas necessárias.
Em algum ponto da Alemanha ou de um dos países ocupados, pensou Krüger, devia haver pelo menos um contrafator profissional com experiência de notas americanas capaz de resolver o impasse. A Gestapo e outros serviços secretos de Himmler entraram em ação. Numa prisão da Alemanha foram encontrar um tal Solly Smolianoff, cigano de nascimento e refinado falsário. Solly nunca estivera nos Estados Unidos, mas se especializara em fabricar notas "americanas" tão boas que mais de uma vez haviam chamado a atenção do Serviço Secreto dos Estados Unidos. Várias nações da Europa o haviam condenado e prendido pela fabricação desse dinheiro.
Solly achou o Bloco 19 um paraíso.
- Imaginem, dizia ele aos colegas, uma fábrica de dinheiro falso guardada pela polícia!
Em fins de 1944, Solly já havia conseguído uma nota de 50 dólares e outra de 100 que os técnicos da Imprensa Oficial do Reich e da 6-F-4 consideraram altamente satisfatórias. A Operação Bernhard preparou-se para a produção dessas notas.
Mas naquela época, a maré da guerra começou a voltar-se contra o Reich. Berlim era bombardeada dia a dia com mais violência e Sachsenhausen estava dentro da área visada. Himmler quis encerrar a Operação Bernhard, mas Krüger convenceu-o a deixá-lo transferir a oficina e o pessoal para uma das novas fábricas sUbterrâneas na zona do derradeiro reduto nos Alpes Austríacos. O Maior ponderou que, na hipótese de um Colapso, a Seção 6-F-4 poderia ser muito útil para os bons nazistas, pois poderia abastecê-los de dinheiro estrangeiro e de documentos de toda espécie, habilmente falsificados.
A mudança de Sachsenhausen levou meses. Só em abril de 1945 foi que a Operação Bernhard pôde instalar as suas máquinas na Galeria 16, atrás de Redl Zipf. Por esse tempo, as tropas americanas já se aproximavam do reduto. Solly Smolianoff nunca chegaria a utilizar os clichés que havia preparado com tanto carinho.
Uma tarde o Major Krüger, num veloz Alfa Romeo conversível e em companhia de uma loura espetacular, entrou roncando no campo de concentração que ficava à entrada da caverna de Redl Zipf. Levava ordens do próprio Himmler e as transmitiu precipitadamente. Todo vestígio da Operação Bernhard devia, ser apagado. Todos os registros deviam ser destruídos, as notas falsas e todo o estoque de papel ainda por imprimir seriam queimados, os clichés e as tintas jogados no ponto mais profundo do Lago Toplitz, que ficava perto. Os 140 membros da Operação Bernhard seriam levados para o campo de concentração de Ebensee e ali mortos.
O Major, calmo e polido como sempre, desculpou-se por não poder dirigir pessoalmente o serviço, alegando ter coisas mais urgentes para fazer em outro lugar. O Alfa Romeo estava carregado de notas legítimas do Banco da Suíça, adquiridas, como soubemos mais tarde por intermédio dos seus subordinados, em operações de câmbio negro nas capitais ocupadas. O porta-luvas do carro estava cheio de passaportes muito bem falsificados. O carro partiu veloz na direção da Suíça. Depois disso, nunca mais se ouviu falar no falsáriomor Krüger, apesar dos esforços combinados de meia dúzia de organizações policiais.
Durante os três dias que se seguiram à partida do Major, os oficiais das SS e os prisioneiros da Operação Bernhard encheram um grande forno com papéis e notas falsas de qualidade inferior. Um pelotão foi encarregado de jogar os clichés no fundo do Lago Toplitz. Mas ninguém teve ânimo de destruir as notas falsas me lhores, aquelas que Krúger tinha posto de parte a fim de evitar a aparência de superprodução. "Eram tão bonitas!" disse depois um dos falsários. Os caixões em forma de ataúde, cheios dessas notas, foram levados em caminhões por motoristas que receberam ordem de enterrá-los na vizinhança em lugares adequados, onde pudessem ser encontrados no futuro.
Foi um desses caminhões que o capitão alemão nos entregou. Alguns desapareceram, outros foram atirados no rio Enns por assustados membros das SS, cuja única preocupação era meterem-se em trajes civis e desaparecerem. No turbulento rio alpino, engrossado pélas chuvas da primavera, esses caixões de notas de primeira classe arrebentaram-se nas pedras e o povo dos arredores começou alegremente a recolher as cédulas.
Terminada a nossa investigação, fizemos um cálculo da produção total da Operação Bernhard. O resultado foi estarrecedor. De acordo com a caderneta de Oskar Skala e os depoimentos de outros elementos do grupo Krüger, a oficina do Major fabricou quase nove milhões de notas do Banco da Inglaterra, com um valor nominal de cerca de 140 milhões de libras esterlinas, equivalentes naquela época a quase 12 bilhões de cruzeiros! Cédulas no valor de 120 milhões de cruzeiros foram espalhadas pela Turquia e pelo Oriente Médio. A 6-F-4 distribuiu 240 milhões na França e nos Países Baixos. Contas alemãs no valor de 600 milhões de cruzeiros foram pagas em Portugal, na Espanha, na Suíça e nos países escandinavos. Cerca de cinco bilhões que escaparam do fogo em Redl Zipf foram ou pescados no rio Enns por austríacos, russos, americanos e ingleses ou escondidos por elementos das SS para futura utilização.
Durante muito tempo as cédulas retiradas do rio e não entregues às autoridades de ocupação foram aparecendo nos hipódromos da Inglaterra, nos centros de câmbio negro da Europa e até nas casas de câmbio de Nova York. Foi por isso que o Banco da Inglaterra teve de fazer o que fez. Estando o prestígio do Banco da Inglaterra de novo assegurado, a história da Operação Bernhard pode ser contada sem perigo.
Novas cédulas de cinco libras, com um finíssimo fio metálico embutido no papel mediante um processo secreto, e tanto quanto possível à prova de falsificação, substituíram as cédulas antigas. Graças a um esforço heróico, o Banco da Inglaterra salvou o crédito britânico e anulou uma tentativa desesperada de sabotar a economia aliada.
Mas para os ingleses e para os americanos a Operação Bernhard foi uma ameaça que quase se concretizou e que se pode repetir.




Texto retirado da revista Seleções do Reader's Digest de setembro de 1952


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