quarta-feira, 18 de março de 2009

Janeiro de 1945 - O Maior Naufrágio da História






No inverno de 1945, bem no final da 2ª Guerra Mundial, um navio alemão que transportava milhares civis refugiados da guerra, o Wilhelm Gustloff, foi afundando por um submarino soviético nas águas do Mar Báltico. Quase todos os que estavam a bordo pereceram afogados ou devido a hipotermia provocada pela baixíssima temperatura do mar. O número de vítimas foi tamanho – é tido como o maior naufrágio civil do mundo - que superou em muito as do transatlântico Titanic, cujo afundamento ocorreu em 1912, sem porém que provocasse a mesma comoção.


Fuga pelo Báltico
“Matem! Matem!.. Usem a força e quebrem o orgulho racial dessas mulheres alemãs. Peguem-nas como legítimo botim. Avante como uma tempestade, galantes soldados do Exército Vermelho.”Ilya Ehrenburg, jornalista soviético, 1945
Numa daquelas noites prussianas gélidas do Norte europeu, em 30 janeiro de 1945, com o termômetro marcando 10° abaixo de zero, o ex-cruzeiro de luxo alemão M/S Wilhelm Gustloff, de 25 mil toneladas - desde 1940 transformado em hospital flutuante - , deslocava-se apinhadíssimo de gente pelo Mar Báltico. Projetado para levar duas mil pessoas, carregava naquele momento mais de nove mil, a maioria mulheres e crianças que fugiam da invasão russa. O Exército Vermelho vinha , por assim dizer, nos calcanhares deles, seguindo a mesma rota que os seus antepassados mongóis, no século 13, usaram para atingir o Ocidente. Os que escapavam eram civis alemães que até então moravam na Prússia Oriental e nos Estados Bálticos que, apavorados, fugiam pelo Golfo de Danzig da vingança dos soviéticos. Organizaram para eles uma espécie de solução de emergência, recolhendo-os dos portos do leste da Alemanha para que alcançassem, por mar, as áreas mais seguras do Ocidente. Os que iam a bordo não tinha a mínima idéia que seriam os protagonistas da maior tragédia marítima de todos os tempos, quase superior seis vezes as vitimas do transatlântico Titanic, naufrágio ocorrido 32 anos antes (1.517 mortos).


O naufrágio
O naufrágio do W. Gustloff, janeiro de 1945 Quando haviam cumprido a metade do caminho, um pouco depois das 21 horas, três torpedos do submarino russo S-13 os atingiram. O Wilhelm Gustloff logo adernou. A multidão que se agarrava no convés começou a ser jogada na água. Outros, apavorados, saltavam diretamente lá do alto. A gritaria no convés era acompanha de tiros dos que preferiam suicidar-se ou atirar nos familiares antes. Os soldados feridos, imobilizados, despediam-se uns dos outros. Como distribuir os botes salva-vidas para 9.343 passageiros, sendo que muitos deles estavam cobertos de gelo? O SOS foi lançado e aos poucos começaram a chegar os auxílios. Os faróis dos barcos e das lanchas de socorro vararam a noite inteira em busca de sinais de vida, enquanto corpos, milhares deles, vagavam sem destino em meio aos blocos de gelo, boiando salpicados de neve. Os que conseguiam ser resgatados estavam enregelados, as mãos azuladas e encarangadas e o olhar petrificado. Ao amanhecer as equipes de salvamento haviam retirado 1.239 náufragos ( outros reduzem-nos para 996) daquele horror. A situação só não foi pior porque eles estavam próximos ao litoral da Pomerânia, mesmo assim supõe-se que oito mil pereceram.Os submarinos soviéticos continuaram por perto praticando a caça e, dez dias depois, afundaram o General von Steuben (3 mil mortos) e ainda, em 16 de abril de 1945, puseram a pique o Goya (cerca de 7 mil, a maioria soldados). Portanto, em matéria de matança de civis o M/S Wilhelm Gustloff, realmente empunhou a taça da desgraça. Se bem que a operação de remoção do maior número possível de civis alemães orientais foi tida como um sucesso, pois conseguiram o translado de 2 milhões deles para fora da órbita soviética, a tragédia daquele barco de turismo adaptado para às pressas para a fuga, perdurou no tempo como um desastre que poderia ter sido evitado, não fosse o clima de revanche que embalava os soviéticos. Revanche que se estendeu para os maus tratos da grande parte da população civil do Leste da Alemanha, com ondas de estupros, pilhagens, saques, desordens, espancamentos e brutalização geral dos vencidos.


Um roteiro de atrocidades
Na época dizia-se que era merecido. Que os alemães haviam se portado do mesmo modo quando adentraram na URSS em 1941. Quem começou a reverter esta opinião entre eles, foi Alexander Soljenitsine. Cada vez mais furioso com o regime comunista, Soljenitsine que fez parte das tropas de ocupação – era oficial de artilharia - pessoalmente testemunhou as atrocidades que seus conterrâneos haviam cometido. Envergonhado, acabou por denunciar aqueles horrores num longo poema intitulado Prosskie Nochi (Noites Prussianas, 120 páginas, 1974), revelando à opinião pública da então URSS, o que de fato acontecera na Alemanha naqueles meses de conquista e ocupação, quando pelotões inteiros de soldados russos submetiam as alemãs, dos oito aos sessenta anos, a estupros coletivos, cortando o pescoço daquelas que resistiam ou se lhes opunham. Ele acreditou que tudo aquilo decorreu, que deu-se tal roteiro de atrocidades, devido os comunistas “ terem afastado a Rússia de Deus”, retirando do soldado raso, dos Ivans que passaram a acampar na Alemanha, qualquer sentimento de piedade ou compaixão para com os derrotados. Ao contrário, incitou-os aos barbarismos a pretexto de estarem lutando contra o decadente mundo burguês em sua forma fascista.












Os Últimos Dias do Bismarck

(Condensado de «Harper's Magazine») 

Por Edwin Muller


O Couraçado Bismarck era o orgulho da marinha de guerra alemã, e o seu afundamento foi para os peritos navais uma transcendente lição de ordem profissional, que veio coroar vinte anos de experiência na construção de vasos de guerra, e no treino de marinheiros para combatê-los. O triste fim do Bismarck foi, na verdade, a primeira prova real de um grande couraçado moderno, posto em presença de navios e aviões de combate dos tipos mais avançados. Mas, além dos problemas de ordem puramente técnica, havia ainda a considerar, no caso, a questão do moral dos combatentes: que elementos contribuem para manter calmos e firmes os marinheiros, e quais as razões por que êles"perdem a cabeça" no momento culminante do risco?

As marinhas de guerra de todo o mundo lançaram mão dos recursos mais extremos, para coligir o maior número de dados sobre o desastre do Bismarck, sendo hoje possível, graças a isso, relatar os dramáticos acontecimentos que, a bordo do navio, precederam seus últimos
instantes. Todos os fatos, todos os incidentes aqui referidos são, pois, a expressão pura e completa da verdade.

Na noite de 22 de maio de 1941, acompanhado pelo cruzador Prinz Eugen, o Bismarck largava da costa da Noruega, rumo à vasta passagem situada entre a Groenlândia e a Islândia. Na madrugada de 24 o inimigo estava à vista: era a maior nave de guerra inglesa, o velho e famoso cruzador-couraçado Hood. Pouco depois surgia no horizonte outro navio inglês, o Prince of Wales.

Dos dois, foi o - Hood o primeiro a romper fogo contra o Bismarck, que respondeu por todas as baterias. Em seguida os alemães concentraram a artilharia sobre o Prince of Wales: seriamente atingido, este último ficou incapacitado de acompanhar a batalha móvel, que deste modo se transformou num duelo entre o Hood e o Bismarck.

A terceira descarga dos alemães, o Hood vomitou pela proa uma nuvem de fumaça negra, e adernou sobre bombordo; daí a pouco, o famoso vaso de guerra dobrava pelo meio, e partia-se em dois. A metade da ré afundou-se imediatamente, e a outra ficou flutuando alguns minutos, até que, lentamente, se sumiu também nas ondas...

A notícia correu veloz a bordo do Bismarck da popa à proa romperam manifestações de louca alegria. O tombadilho, que ficara deserto durante o combate, estava negro de gente, marujos e oficiais, que cantavam e se abraçavam uns aos outros.

Mínimo era o preço que o Bismarck pagara pela destruição do maior navio da marinha de guerra inglesa: fora atingido, é certo, mas o estrago era o que há de mais banal, e apenas alguns homens tinham ficado feridos.

As manifestações de júbilo duraram todo esse dia e o seguinte. O almirante Luetjens mandou formar a tripulação no tombadilho, e deitou discurso, um dos seus discursos fogosos e triunfantes. Os aplausos trovejaram, e sobre as ondas rolou o eco prolongado e grave do «Sieg Heill» O almirante fazia 52 anos nesse dia, e o fato dava mais relevo ao entusiasmo da vitória.
Não tardou que o rádio lhes trouxesse uma exultante mensagem do Fuehrer: o comandante Schneider, primeiro oficial da artilharia, era recompensado com o grau de cavaleiro da Cruz de Ferro, e outras condecorações chegavam pelas ondas do éter.

Mas eram os operadores cinematográficos do dr. Goebbels que andavam agora mais azafamados a bordo do Bismarck: já tinham filmado o combate com o Hood, e agora registravam as celebrações no celuloide. Em breve, os écrans de Berlim mostrariam ao povo alemão como tivera fim o poderio naval da Grã Bretanha!

A tripulação era constituída sobretudo por mancebos de pouco mais de vinte anos, mas iam a bordo também uns 500 aspirantes de marinha, todos com menos de vinte anos. Essa gloriosa vitória era exatamente o que todos eles tinham esperado com cega certeza. Novos como eram, só vagamente recordavam o que fora o mundo antes do advento de Hitler; na qualidade de membros da Juventude Hitleriana, todos os dias, ao acordar, lhes tinham martelado na cabeça a indiscutível crença na Raça Vencedora: «Hoje dominamos a Alemanha, amanhã será o mundo inteiro.» Uma cousa se tornava agora positiva para eles: a invencibilidade da Alemanha.

E o Bismarck era invencível também! Era na verdade, e de longe, o mais forte navio de guerra de todos os tempos. Fora do Alto Comando Alemão, ninguém conhecia exatamente a sua tonelagem: mas era com certeza muito superior às 35.000 toneladas que os tratados navais impunham como limite máximo. Havia mesmo quem lhe atribuísse 50.000 toneladas... Dizia-se que, durante as experiências, atingira 33 nós por hora, velocidade superior à de qualquer couraçado americano ou inglês.

Olhado de fora, não diferia muito de qualquer couraçado moderno: mas interiormente, abaixo do tombadilho, era um navio incomparável. A partir da linha de flutuação, para baixo, tinha cinco paredes de aço, que encerravam outros tantos compartimentos perfeitamente estanques.
 
Tinham afirmado à tripulação que o Bismarck era capaz de vencer não só qualquer navio inglês, mas toda combinação de navios que contra ele se congregassem. Era literalmente inafundável! E os marinheiros acreditavam nisso.

Havia contudo a bordo alguns homens, de mais idade e experiência, que o não acreditavam; por exemplo, o capitão Lindemann, oficial comandante, sabia que os navios alemães podiam ser metidos a pique como quaisquer outros. Era um oficial competente e calmo, um marinheiro alemão da velha escola, mais do que um fervoroso adepto do partido nazi.

Porém o comando superior fora confiado ao vice-almirante Gunther Luetjens, que era um nazista de alma e coracão: franzino de corpo, compensava a fraqueza física com a truculência do aspecto e a violência do caráter. Era um chefe emocional, capaz de arrastar seus homens ao rubro do fervor... O que a tripulação ignorava, todavia, é que o almirante sofria de crises depressivas, que contrabalançavam seus ímpetos de entusiasmo!

O moral fora sempre elevado no Bismarck, apesar das exíguas instalações da marinhagem. Além dos aspirantes e da tripulação normal, havia a bordo alguns centos de supranumerários, que elevavam o total a 2.400 homens. E as acomodações já não eram muito amplas para a força regular: o espaço que noutros navios se reserva para dormitórios, refeitórios, etc., fora aqui sacrificado à extra-proteção, aos complicados compartimentos do casco. A tripulação dormia à proa, em redes suspensas, tão juntas que se tocavam. À popa, os oficiais de menor patente se apinhavam aos quatro em cada camarote. O convés da mess era escuro e sem ar. Mas todos compreendiam que o desconforto era o preço a pagar pela superior resistência do couraçado. Ali, como em terra, o princípio reinava— «canhões em vez de manteiga»... .

Entre os homens da tripulação faziam-se hipóteses sobre o destino que o navio levava: pensava a maioria tratar-se de uma expedição de corso contra os navios mercantes da Inglaterra, do género que Luetjens levara tão brilhantemente a cabo, com o Scharnhorst e o Gneisenau. O número de marujos supranumerários tornava a hipótese lógica: eram talvez as tripulações destinadas aos barcos que fossem apresados... Alguns tinham ouvido dizer que o Bismarck ia tomar os Açores para o Reich; outros afirmavam que ia juntar-se à esquadra japonesa, no Pacífico. De todas as explicações, esta era a menos provável, pois os tripulantes não tinham recebido nenhum equipamento tropical.

Após o combate, o objetivo da excursão se esclareceu: ela tinha por fim destruir o Hood!
Mas o júbilo resultante da vitória não podia durar indefinidamente, e a reação inevitável declarou-se no segundo dia. O Prinz Eugen virou de bordo, e regressou à Alemanha. O tempo fizera-se fusco e frio, com borrascas intermitentes de granizo, neve e neblinas. A maioria dos homens do Bismarck tinham pouca experiência do alto mar, esse vasto deserto, e começaram a sentir-se longe da pátria, e sós...

Não tardou que percebessem estarem sendo alvo de caça. Ao largo da ponta sul da Groenlândia, na manhã do dia 26, ouviu-se o ruído de um avião, e daí a pouco um Catalina, de fabrico americano, saía dum rasgão das nuvens, quasi mesmo por cima do couraçado. Todos os canhões anti-aéreos começaram a bradar, erguendo uma barragem tremenda, e o avião desapareceu.

Mas pouco depois outro avião surgia, vigilante. A tripulação sentiu que uns braços longos, ameaçadores, se estendiam de terra para os agarrar...

Começou então a circular a bordo um estranho boato: o almirante Luetjens e o capitão Lindemann tinham tido uma violenta altercação. Alguém ouvira, através das portas fechadas, a voz irritada do almirante, gritando. Lindemann tinha tentado fazer prevalecer o seu plano de regresso imediato à Alemanha, visto que os ingleses iriam certamente concentrar todas as suas unidades disponíveis na caça ao Bismarck, e não descansariam enquanto o não apanhassem na rede.

Irritadíssimo, Luetjens opusera o seu veto à sugestão, e mandou anunciar aos marinheiros que os ia conduzir a novas e retumbantes vitórias. O pessoal o aclamou, e todos se sentiram aliviados.

Apesar disso, os homens ficaram de olho no horizonte cinzento, esperando a chegada de reforços.

No dia seguinte, porém, não foi ajuda que chegou: ouviu-se o zumbido de um enxame de gigantescas abelhas, e uma esquadrilha de aviões veio pelos céus afora,—as aeronaves da Real Marinha Inglesa; os «peixe-espadas» tinham enfim encontrado o seu alvo! Precipitavam-se lá de cima, um após outro, até quasi roçar nas ondas, largavam os torpedos, e disparavam para longe.

Um torpedo acertou justo a meia nau, erguendo no ar uma coluna de água mais alta que o mastro grande, e o couraçado estremeceu de popa a proa. A brigada de reparação verificou que um dos compartimentos estanques fora arrombado e se enchera de água.

O estrago não era decisivo, mas a-pesar disso teve efeito profundo no estado de nervos do almirante Luetjens; é provável, também, que nessa altura a rádio lhe tenha levado a incômoda notícia de grandes formações navais inglesas, que a toda a força convergiam para o Bismarck.

Essa notícia, conjugada com o ataque aéreo, era o bastante para provocar uma reviravolta completa no ânimo de um homem com o temperamento do almirante, que ia facilmente do entusiasmo ao desespero.

Convocou a tripulação, e fez-lhe um discurso espantoso, afirmando que o Bismarck ia ser forçado a travar batalha; a sua esperança era que os aviões e submarinos alemães acudissem a tempo, para amortecer o choque das forças britânicas: se não, o Bismarck arrastaria para o fundo, na morte, mais de uma unidade inimiga... «Marinheiros,—gritou no auge histérico—lembrai-vos do vosso juramento! Sede fiéis ao Fuehrer até à morte!»

Não precisava mais: o efeito dessas palavras foi devastador naqueles rapazes. Tinham-lhes assegurado que eram invencíveis, que o navio não poderia ir a pique. E agora, assim sem mais nem menos, vinham-lhes falar de morrer!...

Para reparar os efeitos da gafe do chefe, fez-se circular um telegrama entre a marinhagem: a ajuda já estava a caminho, dizia ele: aproximava-se uma flotilha de submarinos, e não tardaria que mais de duzentos aviões viessem voar sobre o Bismarck.

É possível que essa notícia fosse inventada do começo ao fim, mas a tripulação acreditou. O ânimo restabeleceu-se. Todo o dia os homens exploraram com os olhos o horizonte...

Depois do combate com o Hood, o Bismarck tinha rumado para sudoeste, c mais tarde para o sul. E agora, três dias corridos sobre a batalha, tomava o rumo do cabo Finisterra, na esperança de alcançar as águas territoriais da França, e navegar, chegado à costa, até porto de salvamento.

Mas, ao cair da noite, um esquadrão de «peixe-espadas» deu outro ataque repentino, acertando três vezes no alvo: dois dos torpedos pouco dano causaram, mas o terceiro atingiu o aparelho de direção, torcendo os lemes. E o couraçado começou a navegar em círculo, como uma fera que se arrasta...

A atividade a bordo se tornou frenética. Prometeram a Cruz de Ferro ao homem que fosse capaz de reparar os lemes. Pararam as máquinas, e um mergulhador foi por cima da borda. Fez esforços estrénuos, mas, quando o Bismarck se pôs de novo em andamento, continuava a navegar em círculo!

A vida normal do navio entrou em desorganização; gritava-se, e os homens corriam de um lado para o outro, desorientados. Em plena confusão, chegou esta mensagem do Fuehrer, que mais parecia uma ironia do destino: «Todos os nossos pensamentos estão com os camaradas vitoriosos».

Procuraram então, desesperadamente, dirigir o navio por meio das máquinas: mas o couraçado parecia ir coxeando lentamente, a dar guinadas para a esquerda e para a direita, como um ébrio.

Era uma da manhã, quando surgiu da treva uma flotilha de destroyers ingleses. Cercaram o Bismarck como a matilha cerca o urso ferido, e agora um, depois outro, aproximavam-se rapidamente para lançar-lhe um torpedo. Outros compartimentos foram atingidos e inundados.

O número das baixas aumentou.

Então, o comando do navio tentou dar uma nova injeção de moral nos seus homens. Desta vez a mensagem era terminante: «Pela madrugada virão rebocadores dar-nos auxílio, e oitenta aviões».

Alguns ainda acreditaram: não porém Luetjens. Teve então um gesto eloquente, e mandou a Hitler o seguinte rádio-grama: «Lutaremos até ao último cartucho. Viva o Fuehrer, chefe supremo da Marinha».

Foi o seu fim: ainda houve quem o ouvisse através da porta, gritando como louco: «Faça o que quiser! Para mim, acabou!».

Na manhã seguinte o tempo estava enevoado, e um vento frio fustigava o oceano, eriçando-o de espumas. Surgiram do horizonte os pêsos-pesados da Grande Armada Inglesa, o Rodney e o George V, que imediatamente abriram fogo com os canhões de 16 polegadas, a onze milhas, e em seguida vieram tomar posição a cerca de metade dessa distância. Um obus de 16 polegadas pesa 950 quilos, e viaja oitocentos e tantos metros por segundo... Cada vez que um desses bólides o atingia, o Bismarck balouçava e estremecia violentamente. Mas durante algum tempo ainda foi ripostando, tiro por tiro, salva por salva...

O desastre se deu quando um obus estourou com a estação central de comando: como máquina de guerra coordenada, o Bismarck estava acabado. E certo que a tripulação ainda se batia nas diversas torres de ação individual, mas o fogo era já desordenado.

O Rodney e o George V chegaram-se ainda mais, a duas milhas de distância. Todos os obuses atingiam o alvo com precisão matemática. O mastro grande do Bismarck, esburacado, pendia como uma árvore ferida, de envolta numa confusão de trepadeiras enredadas, até que outro obus o cortou cerce, e o fez precipitar-se com terrífico fragor no tombadilho. As chamas romperam de uma chaminé. Uma das torres estava inclinada, com os imensos canhões inutilmente arreganhados para o céu... Nunca um vaso de guerra apanhara tanta pancada sem se afundar!

Foi assim que o moral dos combatentes se desintegrou completamente: a tripulação de uma das torres se amotinou, e desertou o posto. Após um momento de hesitação, o oficial fugiu também.

Em outra torre, tendo os homens deixado de obedecer, o oficial abateu-os a tiro.

Pouco depois o barco começava a adernar lentamente para bombordo, e a água a jorrar para dentro, através dos rombos abertos pelos obuses, e das chapas despedaçadas. A água inundou os convéses um atrás do outro, borbotando e rugindo através do labirinto das câmaras e dos corredores. Alguns compartimentos estavam trancados, e os homens morriam afogados como ratos, quando a água inexorável atingia os tetos... Outros procuravam romper caminho até lá em cima, debatendo-se para alcançar as escadas.

Mas o tombadilho virara um inferno: os tiros abriam buracos como cavernas, as explosões arrancavam as roupas do corpo dos homens, a gritaria dos feridos era de ensurdecer, e por todos os lados jaziam os mortos. A horda, enlouquecida de terror, tentou voltar para baixo, fugindo ao tombadilho e à morte: mas as escadas estavam atulhadas de homens que se batiam ferozmente por abrir caminho para a vida e para a luz, fugindo às águas que subiam sempre lá do fundo, espumando e rugindo. Com as cabeças perdidas, em luta de morte, rolavam pelas escadas como serpentes enfurecidas.
 
Nessa altura o Bismarck estava quasi completamente de quilha para o ar. Muitos homens se debatiam já nas ondas, outros escorregavam e gatinhavam freneticamente no bojo negro e viscoso do casco. Vagarosamente, a proa se empinou para o céu,—e, de popa para baixo, o Bismarck desapareceu no oceano.

Os navios ingleses se aproximaram para recolher os náufragos. Cerca de cem alemães conseguiram agarrar-se às cordas que os ingleses lhes atiravam, e foram içados para bordo. Mas correu que os submarinos alemães se estavam aproximando, e os ingleses, para não serem apanhados a pairar no mar, puseram-se em marcha, abandonando centenas de alemães a lutar sem esperança com as vagas do Atlântico.

Os homens que foram salvos pareciam desvairados, e vinham com os olhos encovados como se tivessem sofrido meses de torturas. Mais tarde, depois de tratados e metidos na cama, depois de terem repousado e recebido tônicos, ainda se mostravam atoleimados. Mesmo entre si, mal podiam falar. Houve um observador que, ao vê-los, os comparou aos zumbis, que erram pelo mundo sem alma... O que sofreram aqueles homens era mais do que um simples choque físico: a fé em que os educaram, em que se inspiraram suas vidas, estava despedaçada, e morta a crença na sua invencibilidade!






Texto extraído da revista Seleções Reader's Digest de abril de 1942



Obs: Hood - 1412 mortos
  Bismarck - 2089 mortos













terça-feira, 17 de março de 2009





O Bombardeio a Ploesti!





No dia 11 de junho de 1942, ao cair da noite, 13 bombardeiros norte-americanos B-24 Liberator, comandados pelo Coronel Harry A. Halverson, levantaram vôo de bases britânicas no Egito, empreendendo viagem para o Norte, através do Mediterrâneo. Seu objetivo: a grande refinaria Astro Romana, a maior de toda a Europa, situada no centro petrolífero romeno de Ploesti, com uma produção anual de 2.000.000 de metros cúbicos de combustível. Se iniciou assim, com esse improvisado reide, a ofensiva de bombardeios contra Ploesti, que havia de atingir seu momento mais dramático 14 meses mais tarde, com o segundo ataque.

Os aviões de Halverson haviam partido dos EUA no mês de maio de 1942, com a missão de atacar, de bases chinesas, a cidade de Tóquio. No entanto, esta incursão foi tornada sem efeito, por terem sido os aeroportos chineses tomados por forças japonêsas antes da chegada dos americanos. Haverson recebeu, então do General Arnold, chefe da Força Aérea Americana, a ordem de bombardear a refinaria de Ploesti. A incursão, porém, não alcançou resultados importantes. De fato, as instalações dado o escasso número de aviões atacantes, receberam danos insignificantes. além disso, o bombardeio teve também um desenrolar desfavoravel para os Aliados, pois os alemães, alertados da incursão, reforçaram fortemente as suas defesas anti-aéreas.

O General Gerstenberg, chefe das forças alemãs na Romenia, solicitou e obteve o envio de unidades de terra e ar, que, em fins de 1942, chegavam a cerca de 50.000 homens. Dessa maneira, Ploesti se converteu numa verdadeira fortaleza terrestre, defendida por centenas de canhões pesados e leves e um grande número de metralhadoras.

Os organismos de planificação da aviação americana efetuavam, nesse meio tempo, minunciosos estudos sobre a importancia de Ploesti para a capacidade bélica da Alemanha. Chegou-se assim à seguinte conclusão: entre os possíveis alvos industriais do Eixo, as refinarias de Ploesti se destacavam como mais importante. A sua destruição reduziria radicalmente os disponibilidades de combustível da Alemanha, fato que teria consequencias decisivas no desenvolvimento da guerra. Calculava-se que um reide em grande escala reduziria a produção de combustível a uma terça parte e encurtaria a guerra pelo menos em seis meses.

Baseado nesses tentadores cálculos, na conferencia efetuada na Casa Branca por Churchill, Roosevelt e os principais chefes militares, resolveu-se ordenar um ataque maciço aéreo contra Ploesti. A missão foi confiada à 9º Força Aérea Americana, comandada pelo General Brereton, estacionada na Líbia. A planificação da operação, batizada como o nome chave de " Tidal Wave ", foi confiada a um grupo de chefes da aviação, en tre os quais se destacava o Corronel Jacob Smart, o qual recorreu aos serviços do Corpo de Inteligência da RAF e a diferentes especialistas britânicos, entre os quais se contava um antigo gerente da refinaria Astro Romana em Ploesti.

A operação apresentava inumeráveis dificuldades. Em primeiro lugar a enorme distância que separava o alvo dos aeroportos aliados na Líbia ( viagem de ida e volta era de 4.200 km´s ). além disso, uma vez alcançado o objetivo, os bombardeiros teriam cinco grandes refinarias distribuidas em um anel de umas cinco milhas de extenção, em torno da cidade de Ploesti. Era necessário portanto, uma grande precisão para arrasar as instalações chaves da refinaria, que se encontrava muito separadas umas das outras, prevendo incêndios ou catastrofes semelhantes. ainda, para conseguir uma margem ampla de destruição, devia-se procurar, a todo custo, preservar o fator surprêsa, coisa que á primeira vista parecia praticamente impossível. De fato, em sua profunda penetração atravéz do território inimigo, até chegar a Ploesti, os bombardeiros, indubitávelmente, seriam detectados pelas cadeias de radares e pelos obse rvadores, alertando assim as defesas anti-aéreas com tempo suficiente para causar graves baixas aos atacantes.

Ao analisar o problema que a incursão representava, o Coronel Smart chego a conclusão de que a tática que melhor perspectivas oferecia era um ataque maciço e em vôo rasante. Esse método, que se afastava radicalmente do procedimento tradicional da aviação de bombardeios americanos tomaria indiscutivelmente os alemães de surpresa, acostumados aos reides efetuados sobre o Norte da Europa, todos a grande altura. ainda, ao aproximar-se, a uma altura minima, os B-24´s que seriam empregados no ataque, dificilmente seriam detectatos pelo radar alemão e traria imenssa dificuldade para os aviões de caça e baterias anti-aéreas de defesa. Assim se poderia alcançar um maxímo de efetividade no bombardeio.

Smart apresentou o seu plano aos altos chefes aliados, que se reuniram em Washington, durante a conferência celebrada por Churchill e Roosevelt em maio de 1943. O chefe do estado-maior da aviação britânica, Marechal Portal, manifestou suas dúvidas acêrca doas possibilidades de exito do projeto e lembrou que, caso se fracassasse na tentativa de destruir de um só golpe as refinarias, dar-se-ia aos a lemães a vantagem de construir defesas muito mais poderosas. O general norte-americano Marshall, contudo, classificou a operação TIDAL WAVE como ação mais importante que podia ser realizada nesse momento para apoiar os soviéticos e aplainar o caminho para a invasão da Europa. Terminou a sua exposição assinando que mesmo um exito causaria um grave prejuizo ao inimigo. a realização do ataque foi aprovada, e dadas as correspondentes ordens à 9º Força Aérea Americana no Mediterrâneo.

Uma vez conseguido a autorização dos altos chefes aliados, o Coronel Smart se transladou á Grã-Bretanha, ali confiou a planificação do ataque ao Coronel Timberlake, um dos mais destacados comandantes de bombardeiros Liberator´s. Timberlake em conjunto com outros chefes norte-americanos e britânicos, elaborou os detalhes finais da operação.

Optou-se, como via de aproximação de Ploesti, pela direção que os alemães consideravam menos provavel, a noroeste. A rota mais lógica de entrada em território romeno, a partir da Líbia, era o sul. ali, o General Gerstenberg, chefe da defesa alemã, havia concentrado a maior parte dos seus efetivos. Os B-24´s ao se aproximarem vindos do Norte, teriam além disso a vantagem de contar com uma referência identificavel do ar: a via ferrovíaria que se dirigia em linha reta desde a localidade de Floresti até o centro petrolífero de Ploesti. Desta maneira, Floresti foi designada como ponto inicial para empreender a " corrida " de bombardeio.

Ao chegar a esta localidade, as esquadrilhas aproariam para o sul e se lançariam em vôo rasante para as refinarias, situadas a uma distancia de 13 milhas. Calculava-se que pràticamente não haveria defesa anti-aérea nesse setor, o que facilitaria a aproximação dos bombardeiros. Para realizar o ataque foram selecionados cinco grupos de bombardeiros B-24. Dois deles já se encontravam na Africa do Norte ( o 376º comandada pelo Coronel Compton, e o 98º capitaneada pelo Coronel Kane ) , outros três grupos ( o 93º sob o comando do Coronel Baker, o 44º do Coronel Jonhson e o 389º do Coronel Wood´s ) estavam estacionados na Grã-Bretanha e ali mesmo iniciaram suas primeiras missões de treinamento em vôo rasante. Posteriormente, as esquadrilhas com base na Inglaterra se dirigiram para a Líbia, onde encerraram a concentração nos primeiros dias de julho de 1943.

As refinarias foram classificadas pela colocação, da esquerda para a direita, em objetivo " Alvo 1 " refinaria Romeno Americana destinada á 376º, " Alvo 2 " refinaria Concordia Vega destinada á 93º , " Alvo 3 " refinaria Standard Petrol Block e Unirea Sperantza a ser atacada pela segunda secção da 93º , " Alvo 4 " a mais importante a Astro Romena destinada á 98º e o " Alvo 5 " refinaria Colombia Aquila a ser atacada pelo grupo 44º. Além disso se levaria a cabo o bombardeio de dois centros petroliféros, vizinhos a Ploesti: uma secção do 44º atacaria a localidade de Brazi ( objetivo " Azul " ) e o Grupo de bombardeiros 389º atacaria a localidade de Campina, ao norte de Ploesti ( objetivo " Vermelho" ).

Uma vez classificados os alvos e distribuídas as forças, se prepararam mapas especiais, para facilitar a sua identificação, e peliculas com modelos, em escala, do alvo, para treinar os pilotos. Com todos esses elementos, o coronel Smart rumou para Bengasi, sede do comando do General Brereton, chefe das esquadrilhas que interviriam no ataque. Em Bengasi começou a instrução dos pilotos e tripulações qu e atacariam o centro petroliféro de Ploesti.

O total de aviões que tomariam parte no reide chegava a 177 aparelhos B-24´s, armados com uma carga de 311 toneladas de bombas de demolição de 1.500 libras, todas elas com espoleta de ação retardada ( entre 45 segundos e 6 horas), alem disso, os aviões levariam 290 recipientes de bombas incendiarias britânicas e 140 " cachos" de incendiarias americanas. Os B-24 foram equipados com uma nova mira de bombardeio, e special para baixa altura, e em seus comaprtimentos de bombas foram instalados dois tanques suplementares que lhe deram uma capacidade de 3.100 galões de carga de combustivel.

Na última semana de julho todos os oficiais receberam um informe completo do reide. Posteriormente, o segredo foi tambem revelado aos subordinados. Os modelos em relevo do alvo foram exibidos as tripulações transportando-os atravez dos diverosos aeroportos.

Os vôos de treinamento se intensificaram e culminaram na manhã do dia anterior ao reide, 31 julho, com um ataque simulado de todas as forças a um alvo improvisado no deserto, que reproduzia esquemáticamente a conformação do objetivo. Distribuidas num arco de cinco milhas de largura, asa contra asa, os B-24 sobrevoaram o alvo em vôo rasante, a toda velocidade e o arrasaram em poucos minutos, lançando uma chu va de bombas de 200 libras.

Chegou-se então ao fim do longo preparativo, na tarde de 31, as tripulações foram reunidas e o General Brereton lhes dirigiu um discuros emocionado " O rugido dos vossos motores no coração do território inimigo continuará ressoando nos ouvidos dos romenose, com certeza, nós de todo o mundo, muito depois que o estampido de vossas bombas e crepitar dos incendios tenha se extinguido". em seguida, o Marechal-do-Ar Tedder despediu-s e das tripulações com as seguintes palavras " É uma missão dura e perigosa que exigirá toda a vossa coragem e habilidade...Desejo a todos a melhor sorte possivel...".

No último momento chegou uma ordem direta de Washington, no qual o General Arnold proibia ao General Brereton e aos Coroneis Smart e Timberlake de participar, tal como fora planificado, da missão, esses chefes, segundo o críterio de Washington, tinham conhecimento de muitos segredos vitais aliados para correr o risco de serem capturados pelos alemães. A direção do ataque, em consequência, ficou nas mãos do General Ent, que voar ia no avião do chefe do grupo 376º , encabeçando a formação.

Poucas horas antes de decolar, as tripulações foram reunidas pelos seus chefes. após as últimas instruções, os homens ficaram á espera do momento decisivo. As reações individuais, nos quais prévios, foram as mornais, como sempre, os capelões reuniram ao seu redor os centenas de homes, escutaram suas confissões, suas confidências, receberam suas mensagens, cartas, lembranças para os entes queridos e somas em dinheiro destinadas a pagar suas dividas... No momento que antecede ao instante supremo em que o homem se defronta com a morte, a brincadeira cede lugar ao silêncio, o riso à lembrança, as conversas à relembrar mommentos felizes passados, na pátria, junto aos entes queridos.

As 2 horas da madrugada de 1 de agosto de 1043, nos diversos aeroportos, reinava a calma mais absoluta. sob o céu estrelado do deserto, os B-24 estavam alinhados. Nas tendas e barracas, os homens aguardavam, alguns em silêncio, outros reunidos em pequenos grupos, a ordem final. De subito, com obede a um chamado, dezenas de jipes e caminhões arrancaram com estrondo, tocando as buzinas. Os oficiais, em voz alta, chamavam os homen s de suas unidades e os faziam subir aos veículos. Centenas de pilotos, navegadores, metralhadores, radioperadores, e bombardeadores saltaram para os carros e partiram, velozmente. A distância, as negras silhuetas dos B-24 os esperavam. Uma vez lançadas as tripulações, os homens recerem dos pilotos as ultimas instruções e palavras de alento. distribuiram-se, também, equipamentos de fuga, contendo um mapa dos Balcãs, traçando num lenço de sêda, um vocalulário mimeografado de palavras em romeno, búlgaro, gr ego, turco, moedas de ouro britânicas, dez notas de um dólar, dracmas e liras, pastilhas para purificar a água, biscoitos, chocolate, uma pequena bússola e mensagens escritas pedindo ajuda e identificando o seu portador como combatente aliado.

Os motores se puseram em marcha. Com um ensurdecedor rugido, 712 motores fizeram vibrar as pistas, levantando gogantescas nuvens de poeira. Os B-24, carregados ao maxímo, com 3.100 galões de gasolina e 4.300 libras de bombas em seus porões, começaram a se movomentar pesadamente rumo à extremidade da pista. a bordo 1.763 homens, dos quais somente dois não eram americanos, um era o sagento canadense Kingman e o chefe de esquadril ha inglês Brawell, que viajava como artilheiro em um dos bombardeiros.

Exatamente as 4 da madrugada foram disparados da torre de controle as bengalas que emitiam as ordens de levantar vôo, o bombardeiro "wingo-Wango", avião guia da formação, a bordo do qual viajava o navegador principal do vôo, acelerou ao maxímo os seus motores e ápós longa corrida se elevou, perdendo-se na escuridão. Com intervalos de dois minutos, dos diveros aeroportos. a uma altura de seiscentos metros, voavam em circulos, os cinco grupos foram se integrando. ao cabo de uma hora a operação de decolagem havia se concluido. Somente um dos B-24 se perdeu na manobra, ao falhar um dos motores, o aparelho ao procurar aterrisar, chocou-se contra um poste telegrafico e incendiou-se.

Minutos mais tarde, a poderosa frota aérea aproava para o norte, rumo à ilha de Corfu, no outro extremo do Mediterrâneo. Ali, deveria girar para o leste, internado-se através do território balcânico, até Ploesti. `A frente voava o chefe do Grupo 376º coronel Compton, imediatamente depois do avião-guia. No aparelho de Compton viajava também o Gerenal Ent, Comandante chefe da operação.

O silêncio radiofônico era absoluto, entretanto essa precaução seria inútil. o serviço de inteligência alemã, com sede em Atenas, hávia já captado e decifrado uma curta mensagem enviada pelo comando de Bengasi a todas as unidades do ar, mar e terra do Mediterrâneo, na qual se anunciava que uma grande formação aérea havia iniciado vôo da Líbia. Imediatamente todos os serviços defensivos instalados pela Luftwaffe na Itália, àust ria e Balcãs foram alertados. No centro de radar germanico situado em Bucareste recebeu-se uma segunda chamada, emitida da estação de Salônica, na qual se comunicava que os bombardeiros de dirigiam diretamente para o Norte, sobre o Mediterrâneo, a uma altura de seiscentos a setecentos metros de altura. Assim, enquanto os alemães já se encontravam em estado de alerta, embora sem poder precisar o rumo exato da formação de B-24, continuavam o seu vôo.

Uma hora depois da partida, dez aviões tiveram que abandonar os grupos por causa de falhas mecânicas, as formações comecaram a se distanciar entre si, Os primeiros grupos foram se separando do resto da força até perder o contato visual. Poucos minutos antes de alcançar a costa de Corfu produziu-se um novo incidênte. O avião " Wingo-Wango " se precipitou inesperadamente ao mar em trinta segundos desapareceu sob as águas. O apare lho que acompanhava o " Wingo-Wango", em que viajava o segundo navegador da rota, violando as disposições expressas de não romper a formação, perdeu altura e sobrevvou a zona da queda para verificar a existencia de sobreviventes. Impossibilitato já de retornar a frente das esquadrilhas, teve que retornar a base, na Líbia. Um terceiro avião , o " Brewery Wagon ", tomou o posto de guia e seu navegador, um jovem tenente, ficou então com a responsabilidade de conduzir a formação até Ploesti.

A esta altura dos acontecimentos, o número de aviões era de 165. a bordo dos aviões , os pilotos e navegadores abriram seus mapas especiais enquanto se aproximavam do primeiro grande obstáculo da rota: a cadeia montanhosa de Pindo, com uma altura de 3.000m . Para ultrapassar as montanhas, os B-24 deveriam subir a um nivel minimo de 3.300m. Ao se acercarem do maciço, minutos mais tarde, os aviadores norte-americanos comprovaram que o mesmo se encontrava coberto por grandes formações de cúmulos, o que tornaria sumamente dificil o cruzamento em formação. vôo atravez das nuvens, com visibilidade nula e turbulências, podia provocar colisões. Para evita-las, aForça aérea americana havia preparado uma manobra chamada " Penetração Frontal ", o método era o seguinte, o chefe da formação começava a voar em circulos diante da massa de nuvens até que toda a força se incorporasse a esse especie de carrosel. Uma vez concentrados assim todo s os aviões, iniciavam o cruzamento em grupos de 3 aviões e regressavam a manobra do carrosel até que todas as aeronaves atravessassem as nuvens, e depois retomavam a rota do alvo.

O coronel Compton, comandante do grupo que vava á frente, compreendeu logo que essa manobra, apesar de ser mais acertada, exigiria uma excessiva perda de tempo e combustivel, o que poderia acarretar graves consequencias no desenvolvimeto posterior do reide. Sem vacilar, tomou uma resolução, fazendo oscilar as asas do seu avião, à maneira de sinal para que os demais pilotos o seguissem, subiu em linha reta para as nuvens, em for mação de batalha. Atras dele, o segundo grupo, guiado pelo Coronel Baker, o seguiu na manobra audaciosa. Os três Grupos restantes, que avançavam atrasados, encabeçados pela formação do Coronel Kane, realizaram, por ordem deste a " Penetração Frontal " ou seja o classico carrossel. Deste modo, a já ampla separação entre as duas formações, se tornou ainda maior. Ao surgir da massa de nuvens que envolvia a cordilheira, as forças encabeçadas por Compton e Kane estavam separadas por uma distância de quase sessenta milhas.

Um poderoso vento de calda impulsionou os aviões de Compton ainda mais longe, aumentando a distância que os separava dos aviões de Kane. Entrementes, os observadores e radares alemães haviam detectado a aproximação da força de B-24´s rumo ao território romeno. As unidades de defesa entraram na primeira fase do alarme.

Uma vez superado o obstaculo representado pela cordilheira, os aviões de Compton, sobrevoando a planice romena, enfrentaram as ultimas 150 milhas que os separavam de Floresti, onde deveriam girar para o sul, e iniciar a " corrida " e seguir em direção ao alvo Ploesti. Voando a poucas dezenas de metros de altura, os gigantescos liberators, avançavam em vertiginosa velocidade, semeando a surpresa e espanto entre os camponeses que contemplavam a sua passagem.

Nos postos de radar germânicos, os operadores, desorientados, comprovaram que a formação aliada desaparecera das telas ( o motivo, por razões logicas, era a baixa altura em que os aviões voavam). Alarmado, o chefe do contrôle de caças emitiu ordem de decolar sem perda de tempo. O rumo : setor norte de Ploesti.

Às 13h30min, no momento em que os bombardeiros de Campton se achavam a vinte minutos do alvo, ressoaram os alarmes em Ploesti e Bucareste. Os Liberator´s, voando ainda mais baixo, rumaram para linha de aproximação de Ploesti determinada pela localidades de Pitesti e Targoviste. A identificação do terreno se fazia cada vez mais dificil. Assim foi que, ao aproximar-se de Targoviste, o Coronel Campton confundiu essa localidade com Floresti, ponto fixado de antemão para mudar o rumo via Sul. seu avião " Teggie Ann ", deu uma volta fechada para a direita e foi seguido pelos demais aparelhos. O êrro era total, agora os Liberator´s se dirigiam diretamente para Bucareste, Capital da Romênia.

Muitos dos pilotos que seguiam Campton compreenderam imediatamente que ele errara a rota. Um deles rompendo o silêncio de radio, até então zelosamente mantido, abriu o microfone e gritou a todo o grupo : " Não é aqui ! È um Erro !! ". Porém a formação de vanguarda do grupo 376º continuou para a frente. Poucos quilomêtros depois recebeu as primeiras descargas dos canhões de 88mm germânicos. a batalha de Ploesti se iniara. Alguns caças de modelo antiquado que defendiam Bucareste sairam ao encontro dos Liberator´s e picaram sobre eles.

No " Jersey Bounce" produziu-se a primeira baixa em ação, o artilheiro da cauda tombou, ceifado por uma rajada de metralhadora. Enquanto os aviões de Compton caiam sob fogo dos caças inimigos e das baterias anti-aereas, o segundo grupo, o 93º, comandado pelo Coronel Baker, na metade do caminho virou para a esquerda e se dirigiu diretamente para Ploesti.

Em terra, os observadores alemães assinalaram alarmados " Atacam Bucaresti e Ploesti ". No contrôle de defesa germânica, ao se receber a notícia, considerou-se a suposta incursão contra Bucaresti como uma manobra de distração para afastar os caças da zona de Ploesti. tudo, no entanto, fora fruto de um engano.

Aproximando-se, em formação cerrada, a seis metros do solo, os 32 B-24´s de Baker se dirigiram para o alvo em meio a um vendaval de tiros. dos aviões, os artilheiros respondiam o fogo incessantemente com suas metralhadoras contra as posições germânicas que passavam diante de suas miras a uma velocidade vertiginosa. Varios aviões já deixavam atras de sí longas esteiras de fumo, proveniente se seus motores incendiados ou danifica dos. No interior dos aparelhos, muitos dos tripulantes jaziam ensanguentados nos bojos repletos de capsulas usadas.

A formação, porém, continuava o seu inexorável avanço. O " Euroclyden " foi o primeiro avião atingido pelo fogo anti-aéreo e convertido numa gigantesca bola de fogo caiu. à frente da formação, o " Hell´s Wench ", pilotado pelo Coronel Baker, mergulhou num inferno de balas traçantes e recebeu um impacto direto de um projétil de 88mm. Em rápida sucessão outros disparos o atingiram e um dos projéteis acertou em cheio a sua cabine. Três minutos de vôo separavam o avião do alvo. Baker manteve o seu avião em vôo, guiando assim a sua formação numa demonstração de heroísmo sem limites. Pouco antes de atingir o alvo, outra granada explodiu no aparelho e este, raspando as altas chamines da refinaria, se precipitou num campo proxímo. Os demais aviões, entretanto, guiados agora pelo Coronel Brown, levaram a cabo o ataque em meio a um inferno de balas traçantes, explosões de bombas e rugir de motores.

Os grandes tanques de petróleo da refinaria começaram a explorir, atingidos pelas bombas. Um B-24 o " José Carioca " envolto em chamas, caiu ao solo, investindo contra um predio da refinaria, atravessando-o de parede a parede e deixando um rastro de gasolina incendiada na sua cega corrida.

Dos 34 aviões do grupo 93º de Baker, que iniciaram o ataque, apenas 15 emergiram da massa de fumo negro que cobria Ploesti, pelo lado oposto. Desses, somente cinco estavam com avarias leves. Os demais, seriamente atingidos, voavam com motores parados, incendiados e com grande quantidade de mortos ou feridos a bordo. Seu sacrifício, contudo, não estava concluido. Os caças alemães que patrulhavam o norte de Ploesti se dirigiam ao seu encontro e os atacaram encarniçadamente, derrubando varios deles. Finalmente, os Messerschimitt abandonaram a perseguição para enfrentar nova onda de B-24 que se aproximavam de Ploesti. Enquanto o grupo de Baker desenvolvia o seu ataque, a formação de vanguarda dirigida pelo Coronel Compton continuou avançando para Bucareste, em meio aos disparos da artilharia anti-aérea.

Ao aproximar-se da cidade, vislumbraram os campanários das igrejas e não as chaminés da refinaria, Campton e o General Ent, que viajava em seu avião, compreenderam o erro e viraram para o Norte, rumo a Ploesti. contudo, ao se aproximarem do alvo, defrontaram com uma cortina impenetravel de fogo anti-aéreo. O General Ent, então, tomando o microfone, ordenou aos aviões que dispersassem e golpeassem os alvos a sua escolha.

Um grupo de cinco aparelhos se manteve unidos em redor do avião do comandante Appold, e atravessou a cortina de fogo anti-aéreo, conseguindo colocar todas as suas bombas sobre a refinaria " Concordia Vega ", causando-lhes graves danos. Os restantes aviões de Campton, lançaram suas bombas ao acaso e se retiraram roçando o solo.

Os aviões de Appold, entrementes, cruzaram com parte da formação de Baker, enquanto sobre eles os aviões do Grupo 98º do Coronel Kane, que acabavam de chegar ao alvo, entraram no espaço aéreo de seu alvo a grande velocidade e baixa altura. Assim, num dado momento, o céu de ploesti ficou coberto por três grupos de B-24´s que voavam em direções diferentes, num caos espantoso, a artilharia alemã, enquanto isso, disparava com todos os seus canhões, a queima-roupa.

O grupo 98º, do Coronel Kane, junto com o 44º, do Coronel Johnson, haviam chegado a Ploesti, seguindo o rumo planificado originalmente. Johnson bombardeou o alvo que lhe fora designado á refinaria " Colombia Aquila "conseguindo o maior indice de destruição de todo o ataque, em troca da perda de nove dos seus 16 aparelhos. A refinaria ficou inutilizada por onze meses. Os outros 21 B-24 do grupo 44º se dirigiram ao alvo " Azul - refinaria Creditul Minier ", situada na localidade de Brazi, a dez quilometros ao sul de Ploesti. Esta fabrica era a mais moderna de toda a Europa e produzia gasolina de aviação.

A formação comandada pelo Coronel Posey lançou-se sobre o alvo em quatro ondas. a descarga de um canhão de 37mm alvejou o seu avião-guia o " V for Victory " , arrancando-lhe parte da cauda e matando um artilheiro. O avião, porém , prosseguiu o vôo, vomitando fogo com todas as suas metralahadoras contra os postos da artilharia germânica. Aproximando-se do alvo, o " V for Victory" subiu a 70 mm para evitar o choque com as altas c hamines e lançou todas as suas bombas. um avião da segunda onda acertou, com extraordianria precisão suas três bombas no edificio das caldeiras, arrasando-o por completo. Outro, saltando edificios, chamines e tanques, sobrevvou o alvo a um metro e meio de altura! E arrojou suas bombas com espoleta retardada, diretamente nos pontos predeterminados.

Os aviões da terceira onda colocaram suas bombas, com espoleta de meia hora de retardo, atraves do teto da usina elétrica e em um dos grandes tanques de armazenamento. a quarta onda voltou a atingir varios pontos da usina e um dos seus aviões passou sobre os tanques de combustivel segundos antes que estes voassem em pedaços. O artilheiro da cauda comentaria mais tarde " a tampa do gigantesco deposito se enroscou, com a deformaç ão, como se fosse a tampa de uma lata de sardinha".

A formação do Comandante Posey completou assim a sua tarefa sem perder um só avião. a refinaria Creditul Minier ficaria inutilizada pelo resto da guerra. Posteriormente, porém , os caças germânicos se lançaram sobre a esquadrilha e derrubou 2 B-24´s de Posey.

O grupo 98º, do Coronel Kane, em seis levas, mergulhou no inferno de Ploesti e arrojou suas bombas na maoir das refinarias, a Astro Romana, causando danos que reduziram à metade a sua produção. Esse resultado se obteve, entretanto à custa de um preço terrivel, dos 46 bombardeiros que iniciou o ataque, apenas 22 foram derrubados pelo fogo anti-aérea ou pelos caças. Dos que conseguiram escapar a destruição, apenas 12 podiam se m anter no ar.

O último ataque da terrivel jornada foi realizado pelo Grupo 398º, o " Sky Scorpions " do Coronel Woods. suas bombas arrasaram o objetivo " Vermelho refinaria Steaua Romana " situada na localidade de Campina, a dezoito milhas ao noroeste de Ploesti. Seis das 29 B-24 foram abatidas, porém as instalações terminaram destroçadas em sua totalidade pelos certeiros impactos.

Enquanto em Ploesti continuavam explodindo as bombas de espoleta retardada, acrescentando novos incendios a gigantesca fogueira, os B-24 se retiraram em desordem, em diferentes direções, desgarrados pelo fogo da artilharia alemã e transportando as suas tripulações dizimadas ou gravemente feridos.

A espantosa incursão durou apenas 27 minutos. Nesse breve lapso, 41 B-24 haviam sido derrubadas, dos 165 que chegaram no local, mais de 400 pilotos e tripulantes haviam perecido ou caido prisioneiros. Dos que escaparam a destruição, mas da metade estava seriamente avariada. a maior parte rumou para sudoeste, fustigada pelos caças alemães, que faziam novas vitimas. Oitenta e oito conseguiram retornar à sua base de onde partiram, em Bengasi, Libia. Outros 24 aparelhos aterrisaram em aerodromos aliados no Chipre, na Sicilia e em Malta. oito aviões se dirigiram para leste e desceram na Turquia, onde suas tripulações foram exiladas.

Assim se encerrou a grande reide que foi qualificada como o último ato de luta cavalheiresca na ofensiva de bombardeio aérea. Com efeito, não houve, em toda a guerra, outra ação de bombardeio contra um centro povoado em que morressem, como em Ploesti, mais aviadores aliados que civis.

À custa de seu próprio sacrificio, os valentes tripulantes de B-24 atiraram suas bombas certeiramente sobre as refinarias que rodeavam a cidade, limitando assim a destruição ás vitais instalações petroliferas. Desta forma, conseguiram causar uma proporção maoir de danos que nos ataques posteriores contra Ploesti, realizados a grande altura.



Caças em ação !


Relatos dos pilotos germânicos que enfrentaram os Liberatos americanos sobre Ploesti :

"      Coloquei-me bem alto, por cima da cauda de um B-24 e começei a disparar...Não sei se eles responderam ao meu fogo. Tudo aconteceu muito rapido. Eder (ala) e eu voltamos a situar-nos atrás dos B-24, dois minutos mais tarde. Os Liberator começavam a dispersar-se. Um dos motores do  que eu perseguia estava fumegando, possivelmente como resultado da minha primeira passada. ao lançar-me em picado, vi Eder completar o seu segundo ataque. Acerquei-me da minha prêsa e crivei de balas a fuselagem do avião.

Neste momento, os dois B-24 voavam muito baixo, tratando desesperadamente de salvar-se, apertando-se contra o terreno. Ao tornar a atirar vi Eder fazer uma terceira passada sobre o seu alvo. Já não havia, nesta altura nenhum aparelho na minha frente. O  B-24 ficou para trás, espatifado, na terra. O bombardeiro de Eder ardia, à distantâcia de duas milhas..."

************************************************

"       Disparei o meu canhão e minhas metralhadoras e consegui atingir o bombardeiro na asa direita...Lancei-me sobre o B-24 crivando-o de balas, da popa à proa. suas metralhadoras procuravam atingir-me, porém os projéteis, embra passassem perto, não me alcançaram. Com o acelerador no fundo, fiz uma volta, inclinando-me para a direita, e olhei por sobre o meu ombro para verificar se era necessário outro ataque. Os dois tanques das asas estavam em chamas...O B-24 tratou de ganhar altura e prosseguiu voando uns 500 metros mais, antes de espatifar-se, envolto em chamas. Ninguem teve tempo de saltar. Aparentemente havia já lançado suas bombas, pois não houve explosão secundaria..."

************************************************

"       As metralhadoras disparavam em todas as direções...Escolhi um B-24 que voava a uns 150 pés do solo e o ataquei por trás. Desacelerei o meu Me-109, baixei os flaps para reduzir ainda mais a velocidade e varri o B-24 com uma descarga que o alcançou de uma asa a outra. Podia ver os projeteis traçadores, atingindo o avião, e as chamas surgirem por toda a parte. O artilheiro do teto e da cauda disparavam contra mim.  Alhinhei o meu avião para me situar a uns 70 pés de distância. Meu motor se incendiou e senti uma tremenda vibração. Arrastado pela velocidade deslizei por baixo e pelo lado esquerdo do B-24, que estava já fora de controle. O artilheiro do teto e da cauda  atiravam em mim com toda furia, e eu sem poder dominar o meu avião...Restava-me só um segundo para decidir o que fazer. a melhor possibilidade me pareceu deixar-me expulsar do avião quando este bate-se no solo. Livrei-me das correias, e abri o teto da cabine...Não recordo o momento do impacto. quando recuperei a consciência, encontrei-me sentado no solo, com meu uniforme destroçado e as pernas feridas. Perto, ardia os dois aviões, o B-24 e o meu avião..."

Inferno no Ar !!

 
Testemunhos de alguns homens que intervieram no ataque rasante as refinarias de Ploesti abordo dos B-24 Liberator´s :

"Avistei um 88mm atrás de uma fileira de árvores, num cruzamento de estrada. Pude ver o clarão do disparo na boca do canhão, e o projétil vir para nós...Lancei o meu avião para baixo da descarga. O projetil arrancou o aileron e o timão esquerdo do aparelho do Cap. Roper, que voava à minha direita.

Voltei-me a colocar junto a ele. Seu avião estava destroçado, porém se mantinha no rumo. Pude ver Roper, na cabine, olhando fixamente para a frente, mantendo seu avião estabilizado...

A resistencia se fazia cada vez mais violenta. Nossos metralhadores disparavam incessantemente. Nos aproximavamos do objetivo pela direção oposta à projetada, a uma velocidade de 245 milhas por hora, 65 milhas acima da usual, aplicando potência de emergência aos motores...

Tudo o que eu queria era transpor esse inferno de traçantes, tanques de petróleo explodindo, e aviões em chamas..."

                                         

" Vi Enoch Porter receber um impacto direto na barriga do seu avião e este se converteu numa massa de chamas. Duas linguas vermelhas surgiram dos lados do aparelho, envolvendo-o até a torre da cauda e projetando-se ainda para trás, no ar, num rio de fogo de duzentos pés de comprimento. Porter fez sua maquina subir num desesperado esforço de ganhar altura, para que seus homens pudessem lançar-se de para-quedas. O avião, porém, entrou em Stall, balançando-se no ar como uma bola de fogo e pela porta da proa cairam no espaço os corpos de Jack Warner e Red Franks "

                                                  

"O avião do Coronel Baker estava já ardendo fazia três minutos... começou então a inclinar-se sobre a asa direita. Não posso conceber como poderia haver ainda alguem vivo na cabine, porém alguem manteve o aparelho em vôo, guiando o resto do grupo a avançar atravez das chaminés da refinaria. Minutos mais tarde, o aparelho se ergueu, elevando-se a uns 300 pés, e três ou quatro homens saltaram... Depois, então, se inclinou sôbre a asa direita e se lançou velozmente contra o aparelho do Coronel Brown, que escapou a investida por uma escassa diferença de seis pês de distância. O avião do Coronel Baker passou então roçando por nós, convertido numa bola de fogo que impedia que vissemos o interior da cabine, e foi espatifar-se num campo descoberto".

                                            

" Procuravamos algum avião dos nossos para voar em formação. Encontramos um, porém doi derrubado pouco depois. Nos unimos a outro que tambem foi derrubado... Um caça se colocou na nossa cauda e as traçantes começaram a sibilar por cima e ao redor da cabine. hughes e eu tentavamos deseperadas manobras evasivas. Nosso artilheiro da cauda exclamou de repente, que o caça havia caido ao solo como uma tonelada de tijolos. a 50 pés mais abaixo distingui outro B-24  com um me-109 aferrando sua cauda, desceu bruscamente e o avião inimigo se incrustou no solo. Nos ocultamos em uma nuvem e analisamos a situação : não contavamos com combustivel suficiente para voltar á Libia, nosso timão esquerdo de cauda estava um verdadeiro agulheiro, um cabo de controle praticamente seccionado e três dos artilheiros seriamente feridos...Resolvemos rumar para a Turquia".

A Batalha do Rio da Prata - Graff Spee





segunda-feira, 16 de março de 2009

Estabeleça Contacto Com os Russos




Foi pouco antes do Dia da Vitória na Europa que se produziu um dos episódios mais fantásticos de toda esta guerra: quando um jovem tenente na 7ª Divisão Blindada do Exército Americano recebeu ordem de avançar com a sua força de reconhecimento para além das linhas americanas, afim de estabelecer ligação com as tropas russas, que avançavam em sentido oposto. Nunca o oficial, recem-saido da Escola Militar de West Point, teria adivinhado que, com menos de 100 homens sob as suas ordens, poderia galgar mais de 95 quilometros de território inimigo, rompendo caminho através de toda a zona por onde, estava espalhado o 12° Exército Alemão.

Cortadas as comunicações com o seu comando, e avançando à toa porque não ousava dar parte de fraco retrocedendo, o Capitão Knowlton perpetrou a façanha de desarmar muitos milhares de soldados inimigos, e forçar a rendição de diversas cidades alemãs.
A sua fluente e ágil narrativa, extraída duma longa carta à esposa (que naturalmente se não destinava a publicação), está recheada de drama, de situações empolgantes, de humorismo tipicamente ianque, e culmina no encontro cordial e vociferante com os nossos aliados russos.

Os oficiais que acompanhavam Knowlton nesta expedição eram os seguintes: Ten. William Sullivan (Sully), Ten. Earl Hairell, Ten. Harry Clarke Ten. Henry Temple.


 
"ESTABELEÇA CONTACTO COM OS RUSSOS!"


Eu estava ativo, na tarefa de organizar as escoltas para os grupos de prisioneiros alemães, e tinha mesmo  acabado de mandar os meus pelotões lá bem para a retaguarda, onde ficavam fora de alcance das ordens pelo rádio, quando o Sully chegou-se a mim, dizendo: «Olhe, Bill, o coronel Woody anda procurando você pra lhe falar. Vá a Ludwigslust agora mesmo; eles têm outra missão pra você.» Soltei uma praga entre dentes: toda aquela noite tínhamos andado em marchas e contramarchas, atravessando o Elba debaixo de vento e duma chuvinha gelada que vinham lá de cima do Báltico, e desde o amanhecer eu estivera em missão de reconhecimento na vanguarda da coluna mista que acabava de tomar Ludwigslust, nas terras baixas a noroeste de Berlim. Mas dei instruções imediatas para que meus pelotões largassem logo o que estavam fazendo, e se concentrassem sem demora em Ludwigslust. Abri a sirene do meu carro de assalto, carreguei no acelerador até o fundo, e abalei estrada abaixo a 70 à hora. Quem havia de dizer que aquela ordem para me apresentar em Ludwigslust se ia tornar o momento supremo da minha carreira militar!
Os prisioneiros alemães, ainda fardados, eram mais que praga em Ludwigslust. Mal se podia andar nas ruas, de apinhadas que estavam. Mas afinal consegui descobrir o comando da nossa divisão. O coronel, assim que me viu, correu logo a dizer-me: «Knowlton, esta cidade é o ponto mais avançado que estamos autorizados a ocupar. As nossas tropas, neste momento, estão desdobradas numa linha norte-sul logo aí fora da cidade.
«O que eu quero que você faça é o seguinte: pegue nos seus homens, e vá estabelecer contacto com os russos. Eles estão para leste, entre 8o e 16o quilómetros daqui, segundo as notícias que nos chegam. Peca-lhes que mandem alguém do estado-maior deles para acompanhar você até aqui.
«Entre este ponto e os russos, você vai encontrar todo o 12º exército alemão,» continuou o coronel. «Se você cair nalguma encrenca, safe-se o melhor que puder e não espere socorro, que não podemos mandar. Veja em todo caso se não se compromete demais, e vá dando notícia dos seus progressos. E com isso, muito boa sorte!»
Estendeu-me a mão, coisa que me sensibilizou e, ao mesmo tempo, me deixou algo apreensivo: porque no exército a gente só aperta a mão a alguém que não espera mesmo tornar a ver senão muito mais tarde, e eu não gostei nada dessa ideia.
Para não perder tempo e fazer melhoi velocidade, resolvi deixar para trás a minha artilharia de assalto. O pelotão do Harrell estava por fora, em outra missão, de modo que larguei levando comigo apenas dois pelotões, menos uma seção, e três carros blindados de comando. Pus o carro do Clark à cabeça da coluna, depois alguns pequenos jipes, o meu carro, outros jipes, Sully, e por fim o que restava do primeiro e do terceiro pelotão. Ao todo, devíamos ser uns 65 homens, não mais.
Examinando o mapa, cheguei à conclusão de que tinha dois caminhos a seguir: ou me insinuava pelas estradas secundárias, assumindo o risco de me ver atacado e ter que responder, ou rompia em linha reta pela estrada principal, como se levasse um exército atrás de mim, e nesse caso talvez ninguém ousasse hostilizar-me. Resolvi meter a toda a velocidade pela estrada principal, e tocamos.
Era a minha primeira ação importante desta guerra, e meu coração pulava de contentamento à medida que nos enfronhávamos pela estrada. Mas também, confesso, batia um pouco de inquietação, porque aquele negócio bem que podia virar encrenca das peores, como de fato se veio a ver depois.
Daí a pouco tempo atravessávamos as nossas linhas avançadas. Passadas elas, a estrada apresentava-se atulhada de soldados alemães que «retiravam» para a zona americana. Vinham quase todos embriagados, e ao ver-nos desatavam aos berros e jogavam o armamento no chão. Isto nos dava uma ideia bem clara da situação, e aceleramos a marcha. A multidão dos retirantes alemães foi rareando, rareando, e daí a pouco, entre um grupo e outro grupo, começamos a percorrer trechos de estrada completamente desimpedidos. Produzia-se então um momento de tensão: os alemães apontavam as armas contra nós, depois detinham-se, como que perplexos de nos verem sentados a descoberto no alto das torrinhas dos nossos carros, sem pormos mão das armas; por fim, decidiam que, para nos comportarmos assim, é porque devíamos vir segui-• dos duma força medonha, e não valia a pena hostilizar-nos: largavam as armas!
Rodamos assim uns dez quilómetros, e chegamos a Neustadt, cujas ruas estavam tão apinhadas de paisanos e militares, que até parecia uma festa. O povaréu cantava, e, quando nos avistavam, os soldados riam-se e acenavam com as mãos, erguendo no ar as suas armas para nós vermos, e em seguida jogavam-nas fora... Parecia uma coisa contagiosa: tão depressa um soldado sacudia em terra as suas armas, todos desatavam a imitá-lo freneticamente.
Levou-nos quase duas horas para atravessar Neustadt, e não houve remédio senão assumirmos finalmente a direção do tráfego: aproximei-me dum tenente das tropas de elite (SS, ou seja, Schutz-Staffel), e ordenei-lhe que organizasse uma força de polícia de trânsito, com os soldados da sua arma que se encontrassem na cidade. Valia bem a pena ter pago o preço do ingresso, só para ver as caras dos soldados alemães, à medida que eles iam entrando na cidade para encontrarem o tráfego dirigido por americanos e soldados SS, de colaboração. Foi uma cena digna do circo!
Passada aquela cidade, a estrada entrava por um pinheiral cerrado. Achamo-nos ali detidos por um dédalo de caminhões alemães empanados de víveres e roupas. Comecei a sentir-me um pouco preocupado. Víamos sair da floresta numerosos soldados SS que, depois de terem obtido os seus víveres, voltavam a meter-se por entre o arvoredo. Donde estávamos, na estrada, podiam-se ver as suas metralhadoras assestadas. Achei que aquele pessoal tinha cara de poucos amigos... Então chamei-os, e disse-lhes que saissem do pinheiral e viessem cá para a estrada: pararam, ficaram olhando em volta, alarmados, e dispararam a correr para as suas metralhadoras. Pareceu-me que estávamos fritos: mas ao mesmo tempo eu não queria abrir fogo, para não atrair em cima de nós toda a cambada que andasse naquela zona. Deixamo-nos pois ficar sentados no alto de nossos carros, e continuamos a berrar para os SS, como se não pudéssemos compreender que alguém ousasse resistir a uma força tão nutrida como a que vinha atrás de nós. O truque deu resultado: os SS foram saindo da floresta, e depondo as armas.
Mas estas eram tantas, que nós não tínhamos maneira de destruí-las todas. Acabamos tirando apenas as pistolas aos «prisioneiros», e ordenamos que marchassem 15 quilómetros na outra direção, donde vínhamos, para fazerem entrega de todo o seu armamento aos americanos que deviam encontrar ali. Prometi-lhes que a força tremenda que nos seguia não atiraria neles; alem disso, acrescentei, essas tropas deviam estar tão perfeitamente camufladas, que os retirantes não dariam pela presença delas senão quando chegassem, bem à retaguarda, lá para Ludwigslust. Estou certo de que menti mais nesse dia do que em toda a minha vida passada!
Continuamos atravessando a floresta e, finda ela, nos metemos através de grandes espaços abertos. De repente olhei por acaso para o lado, e meu coração ficou do tamanho dum feijão: no nosso flanco, a menos de mil metros de distância, avistei uma bateria de quatro canhões anti-tan-ques, os maiores que até então tinha contemplado! Compreendi imediatamente que os meus camaradas não tin-ham dado por aquele perigo, e fiquei sentado ,na torrinha do carro, com tanta naturalidade como se tudo estivesse correndo no melhor dos mundos possiveis. Os quatro canhões foram-se movendo até ficarem assestados sobre a nossa coluna, e daí em diante as suas goelas ameaçadoras continuaram a acompanhar nossa marcha. Senti a garganta seca como palha, e o estômago, já apertado com frio, ainda se apertou mais. Acho que comecei a rezar pela salvação da minha alma, mas nem tenho bem a certeza. Não me lembro de nada, senão das goelas daqueles canhões nos acompanhando, assestadas sobre nós. E nisto, eles pararam, e eu vi surgir quatro cabeças sobre o parapeito: eram quatro alemães que nos ficaram olhando com muita atenção durante alguns instantes. Mas eu não estava ligando... Outras cabeças mais foram surgindo, até que por fim saíram bem 45 homens do reduto, e conforme iam saindo iam jogando fora as armas!
E a jornada continuou, sempre assim nesse tom. Chegávamos ao alcance dum bando de alemães, estes apontavam-nos as armas, nós berrávamos para eles que as depusessem, eles obedeciam—e nós seguíamos nosso caminho, triunfantes. Encontramos de passagem uma porção de tanques—«Tigres», «Panteras», tinha de tudo—e canhões de assalto, com suas guarnições inteirinhas. Depois de termos suado ao enfrentar esses tanques do diabo durante a campanha do bolsão do Rur, até parecia que estávamos agora nos bastidores do teatro da guerra, vendo como é que os alemães faziam mexer toda aquela carpintaria. Limitamo-nos a arrancar os pinos das culatras dos canhões, e deixamos os alemães seguir seu caminho.
Era realmente um espetáculo digno de ver: milhares e milhares de alemães jogando fora as armas, aos batalhões e aos regimentos inteiros! A certa altura um coronel inimigo encaminhou-se para mim ao longo da nossa coluna, fitou-me com insolência, e ordenou aos seus soldados que parassem de arremessar as armas no chão. Um soldado que estava ao lado, com uma bazuca nos braços e pronto a largá-la em terra, ao ouvir os berros do coronel, deteve-se e pôs-se a olhar para mim com uma expressão interrogativa. Outros soldados ficaram também parados, espiando a cena. Senti que estava em foco, e fiquei tenso. Não fiz mais nada: pulei do carro abaixo, fui-me ao coronel e, espalmando a mão na fuça dele, dei-lhe um valente empurrão. Depois virei-me para o soldado, que ainda estava de bazuca nos braços, e ordenei-lhe que a jogasse fora: ele ainda hesitou, mas eu dei-lhe dois berros num tom de voz que não consentia mais dúvidas. Então ele mostrou a dentuça num sorriso alvar, e lá foi a bazuca parar no chão. Voltando-me de novo para o coronel, disse-lhe certas verdades: afinal, quem é que ele pensava que estava agora comandando o regimento: ele—ou eu? Parece que era eu. E assim continuamos.
Cidade mesmo desgraçada como eu nunca julguei possível, foi Parchim. Alguém se lembrara de telefonar para ali que estava chegando o «exército americano», de tal sorte que quando minha pequena força deu entrada na cidade, havia dois soldados de polícia militar a cada esquina, para nos ensinar o caminho direito. Estava tudo preparado para assistir à nossa passagem, com as tropas SS contendo em respeito a multidão alvoroçada, que se apinhava nos passeios, para deixar a calçada desobstruída. Os soldados alemães, a seis de fundo, formavam alas todo o caminho, através da cidade, aclamando-nos com vigor. Alguém lhes tinha dado a entender, com certeza, que estávamos em marcha contra as tropas russas...
Chegamos por fim a Lübz, onde eu peguei o susto maior de toda a minha vida. Tínhamos acabado de tentar falar pelo rádio com o nosso comando, e verificamos que estava fora de nosso alcance. As comunicações cortadas! E ali estávamos nós, 65 homens a 6o e tantos quilômetros dentro das linhas alemãs, em pleno seio do 12º exército alemão, e sem um vislumbre sequer de escapar com vida se o inimigo resolvesse que devíamos deixar a pele lá. Foi em Lübz que encontramos alguns dos autênticos guerreiros da Wehrmacht, entre eles muitos soldados da SS, sentados em cima de tanques monstros e de canhões de campanha, todos de cara dura, sujos e barbados, e de armas aperradas em cima da gente. Eram soldados de meter respeito, e podia-se ver logo que não gostavam mesmo nada de nós.
Encontrei pela frente um colosso dum general, viajando num auto de estado-maior, em meio a numerosa escolta de tropas SS em motocicleta. Era imperioso que eu me resolvesse a fazer alguma coisa, pois do contrário estávamos fyaput— fritos. Dirigi meu carro de assalto para o auto dele, e postei-me mesmo em frente, barrando-lhe a passagem; como quem não quer, inclinei-me para fora, desviando com a mão o cano duma das pistolas-metralhadoras dos SS assestadas contra mim, e perguntei: «Wo gehen Sie, Herr General?» (Para onde é que o sr. vai, general ?)
Ele virou para mim uma cara que a raiva tornara apoplética, por eu haver ousado obstruir-lhe o caminho, e redarguiu: —Não entendo o que você quer dizer! Arrede do meu caminho!
—Onde é que você vai, compadre? teimei eu. —Eu só arredo daqui quando você me disser para onde vai!
—Vou para Parchim! bradou o general, fora de si.
—Está bem, respondi. —Ao menos agora eu já fico sabendo. Chofer, arrede-se para deixar passar o general! Abrimos passagem, e o general saiu disparado, entre uma nuvem de poeira e de soldados SS. Fiquei sabendo então quem ele era: nada menos que o comandante de corpo daquele setor! Mas a isso voltarei mais adiante.
A essas alturas eu já estava com ótima disposição, e quando tornei a ver o Sully quase que desatei a rir. Estava em plena encruzilhada um polícia militar alemão, esforçando-se freneticamente por dirigir o trânsito para leste; o Sully foi por trás dele sem ser notado, deu-lhe uma palmada no ombro, e o policial virou-se um pouco para lhe dizer que esperasse um momento. Foi uma autêntica piada de cinema! O polícia tornou a dirigir o trânsito, mas no mesmo instante percebeu que o oficial atrás dele não era alemão, e fez meia-volta volver, de boca aberta e queixo caído. O Sully agarrou-o pelos ombros, obrigou-o a dar outra volta, e pô-lo a dirigir o tráfico de leste para oeste...
Daí a poucos minutos o Harrell, que ficara para trás, reunia-se a nós. Foi então que um SS se dirigiu a mim, perguntando o que é que os americanos estavam fazendo ali. Respondi que éramos apenas a guarda-avançada duma grande força, e perguntei onde se encontravam os russos: a uns 50 quilómetros para leste, esclareceu ele. De maneira que tínhamos vencido 50 quilómetros de território inimigo, numa correria, para chegarmos a Liibz, e ainda ali estávamos a uma distância enorme dos russos, com quem tínhamos de entrar em contacto!
Tentei novamente estabelecer comunicação com o meu comando, mas sem melhor sorte ainda desta vez. Agora já os SS em massa rodeavam o meu carro, e numa atitude de aberta hostilidade. Qualquer indecisão da nossa parte poderia redundar em sérias dificuldades para a coluna e a sua missão.
Mais uma vez havia dois caminhos a seguir: podíamos continuar para a frente até dar com os russos—mas'estava escurecendo, e levantava-se com a noite o espinhoso problema da nossa identificação; o sinal era um foguetão de certo tipo, que não trazíamos conosco; quanto aos emblemas dos carros, a noite os tornaria invisiveis. Ainda acresce que, ao apro-ximarmo-nos das linhas russo-alemãs, era de esperar que os alemães atirassem contra nós. Ou, na segunda hipótese, podíamos dar meia-volta e arrepiar caminho: mas se nos mostrássemos indecisos, «o ponto de voltar para trás, podíamo-nos considerar mortos e enterrados. Tal era a sentença que se lia nos olhos daqueles soldados de elite que nos rodeavam. Ainda nos restava uma derradeira solu-.ção: era deixar-nos ficar em Liibz suando de inquietação uma noite inteira.
A artilharia alemã continuava passando pôr nós, e os seus canhões eram cada vez maiores; os tanques enchiam o ar noturno com o rumor do aço entrechocado, ouviam-se as ríspidas vozes de comando dos oficiais alemães,—e tudo isso junto constituía um dos espetáculos mais imponentes, ao mesmo tempo que um dos mais aterradores a que eu tenho assistido.
Tomei ali mesmo uma resolução, e mandei chamar o Sully: «Sully,» disse eu, «leve nossa coluna para fora da cidade, suba nalgum morro, e veja se pode restabelecer as comunicações pelo rádio. Sargento Ladd, você vem comigo.» A coluna seguiu pois ao seu destino, enquanto eu e ò sargento Ladd começamos a muito custo rompendo caminho por entre as tropas alemãs.
Quando chegávamos ao centro da cidade, vi um major com uma barriga fenomenal, que vinha quase rebolando por uma calçada abaixo, ao meu encontro, acompanhado dum paisano pequeno e insignificante, que trotinava ao lado dele.
 
—Eu entrego a cidade! tartamudeou ele. —O general não está aqui, de modo que eu mesmo faço a rendição em nome dele.
—Eu sei, retorqui. —Eu acabo de falar com o general, que ia a caminho de Parchim.
—Ah, nesse caso dá tudo certo! disse o major. —O sr. falou então com o general Hernlein! Eu entrego a cidade. Este cavalheiro que me acompanha é o Bürgermeister daqui.
O Bürgermeister engrolou umas frases quase ininteligíveis, para dizer que tinha muito gosto em ver o exército americano (ao todo, o sargento Ladd mais eu), e puxou uma chapelada muito em forma. Sem fazer caso dele, empurrei-o para o lado e dirigí-me ao major em tom de rudeza. Eu estava tão fatigado que nem já via direito, mas esforcei-me por aparentar grosseria e espírito prático: —Preciso que me arranje imediatamente um posto de comando.
—E ali mesmo, disse o major. —Os SS têm um Centro de Controle do Trânsito aqui. Também já foi posto de comando da divisão, até que os generais retiraram.
—Então ponha os SS na rua, que eu quero a casa já, ordenei. Metemos a caminho pela cidade fora, e a população se debruçava das janelas para nos ver passar; enquanto os soldados, nas ruas, se acotovelavam para olhar a cara do novo comandante militar que passava. Eu marchava rua abaixo sem olhar para os lados, com o major e o burgomestre esbofados, trocando o passo atrás de mim.
O PC, onde antes fora um bar, estava apinhado de SS e de oficiais paraquedis-tas. Sentado diante duma mesa enorme, sobre a qual se desdobrava um mapa, avistei um coroneL Declarei logo peremptoriamente: «E ali que eu quero me sentar.» O coronel ergueu-se da cadeira com evidente relutância, e cedeu-me o lugar. Os outros oficiais ficaram em volta, a observar-me com um olhar frio como o aço.
Para não estragar o meu joguinho, vime forçado a proceder com rapidez. Ordenei imediatamente que todos os paisanos se recolhessem a suas casas. Quanto aos soldados alemães, esses podiam atravessar a cidade, sob a condição de deixarem as suas armas. Combinei com o burgomestre que a fábrica de cerveja seria transformada em depósito de armas rendidas.
A divisão «Hermann Goering» de Para-quedistas, que era uma das formações de elite do exército alemão, estava naquela mesma cidade. Aproveitei-me dos seus homens para organizar uma força de polícia militar, e dei-lhes instruções no sentido de manterem o trânsito em circulação de tal modo que tudo passasse pelos pontos de arrecadação das armas e que todos os soldados fizessem entrega das mesmas. Os homens tomaram o seu papel muito a peito, e daí a coisa de uma hora o trânsito corria como um veludo.
Autorizei os soldados, porem, a conservarem todos os tanques de grande modelo, visto que muitos deles andavam correndo nessas máquinas, e eu queria induzi-los a levar o maior número possível delas para o lado das linhas americanas. 
A essa hora já eu estava suando por todos os poros. O meu rádio-operador veio anunciar-me que tinha remetido a minha mensagem, e trazia-me a «resposta» por escrito. Desdobrei o papel e li estas palavras: «Não consigo fazer contacto com nenhuma estação. Estamos com as comunicações cortadas com todas as forças americanas.» «Obrigado, sargento,» disse eu depois de ler. «Diga a eles que eu darei cumprimento às ordens,e fico aqui esperando novas instruções.» O rádio-operador fez a continência e rodou nos calcanhares.
Virei-me então para os alemães e anunciei: «Acabo neste momento de receber ordem do meu comando para passar a noite aqui, e avançar logo de manhã ao encontro dos russos.»
A estas palavras levantou-se um coro de protestos enfurecidos; todos os alemães queriam saber porque é que eu não marchava nessa mesma noite para a frente. Aguentei esse negócio durante alguns instantes, e depois banquei o bravo, declarei que nós éramos soldados, e se o nosso general nos mandava esperar ali aquela noite, havíamos de esperar mesmo. Isso eles compreenderam bem.
Mandei então concentrar na praça principal da cidade todos os nossos veículos, que estavam espalhados por fora. Tomei disposições para que dois dos meus pelotões ficassem comigo no PC, instalados num corredor que havia no andar de cima. Os alemães queixaram-se de que aquilo ali era alojamento dos SS, mas eu pus os SS no olho da rua, e daí a pouco estávamos aquartelados.
Até então o meu dia tinha sido a maior teia de intrujices de toda a história. E o meu blefe ia dando resultados, só porque os alemães julgavam que eu era a personificação do exército dos Estados Unidos, e porque confiavam que onde eu estabelecesse contacto com. os russos, ficaria traçada a linha de demarcação das zonas de ocupação. Pelo meu lado eu sabia apenas que, se me visse em dificuldades, ninguém viria socorrer-me; e que todo aquele território ficaria nas mãos dos russos depois de finda a guerra.
Mal eu me tinha instalado quando o telefone começou a tocar: era o major alemão que ficara tomando conta da cidade de Parchim, e queria saber quando que os outros americanos chegavam. Tratava-me de «Herr Kommandant.» «Ah!» respondi eu, suando feito cavalo de corrida, «as nossas tropas não devem tardar. Uma porção de tanques e de infantaria. Se não entrarem aí esta noite, estão lá com certeza amanhã de manhã.»
A voz do major denunciava a sua preocupação: «E o sr. tem instruções para me dar?» insistiu ele.
Agarrei essa oportunidade, para redobrar a importância da sua missão: «Como não!» exclamei. «O senhor vai recolher as armas de todos os soldados alemães, para entregar às forças americanas logo que estas cheguem aí.»
O major deu berros no telefone, que nem águia a quem atacam os filhotes no ninho. Mas eu lhe cantei: «O que o sr. pensa, não importa. O comandante militar sou eu, e a minha ordem é—desarme todo o mundo!» E nisto ocorreu-me uma ideia genial: «E não se esqueça do Comando de Corpo que está aí, com o tal general Hernlein!» Dito isso, desliguei o telefone.
Entrou a seguir no meu gabinete um capitão da Divisão «Hermann Goering» de Paraquedistas, declarando que o seu general não acreditava na presença das tropas americanas em Lúbz, e por isso exigia como prova que ele lhe levasse um cigarro americano. «Seria o cúmulo— pensei eu—se eu desse um dos meus preciosos cigarros para alemão fumar!» Em vez do cigarro mandei-lhe por escrito a nota seguinte:

Serve a presente para certificar que nesta data as tropas americanas capturaram Lübz, na Alemanha.
William A. Knowlton 1º tenente de Cavalaria 
Comandante

E nas dobras desta nota pus um pedaço de chiclete...

Entrou então outro capitão, desta vez da Brigada Motorizada de Infantaria de Marinha, um tipo grandalhão e de génio avinagrado. Falava inglês muito bem, e começou a dar-me que fazer. Comandava um setor das linhas de defesa alemãs, a leste, e pôs-se a teimar comigo para que eu saísse imediatamente ao encontro dos russos. Declarei que só sairia quando estivesse pronto para sair, e que não ia agora expedir nenhum dos meus soldados no escuro da noite, só pelos belos olhos dele: nem de ninguém. Ele se esforçou por ser mais esperto do que eu, levando-me a dizer-lhe quais as ordens que eu recebera, e quantos soldados estavam sob o meu comando, isto ao mesmo tempo que o meu telefone tocava a cada instante, e uma voz familiar me dizia: «Herr Kommandant, as tropas americanas ainda não entraram em Parchim!»
«Descanse, que elas chegarão!» respondia eu com a testa escorrendo suor que parecia uma fonte.
Vou agora tentar resumir em breve quadro o que era o ambiente daquele PC, e a conversa de que eu fui o centro.
A cena representa uma espécie de cervejaria meio rebentada, cheia de jovens e robustos soldados alemães. Ao fundo vê-se um retrato de Adolfo Hitler sobreposto a uma secretária monstruosa, à qual está sentado, com cara de poucos amigos, o nosso personagem central. A única luz. é, praticamente, a dum foco que incide na secretária, dando à cena a aparência caraterística duma delegacia policial onde se prepara um desses interrogatórios acompanhados de cassetete. A blusa de campanha do personagem mostra-se rasgada e esfrangalhada pelos estilhaços de granadas, a sua cara está medonha de sujeira e cansaço, e com um restolho de barba de dois dias. Quando sobe o pano, o Capitão da Brigada Naval
está esmurrando a mesa para acentuar o
que fala.
Capitão: O sr. deve sair daqui esta mesma noite para se encontrar com os russos. Eles estão avançando aqui neste quarto (a palavra inglesa room, quarto, traduzindo literalmente o alemão Raum, que significa espaço), e o sr. deve ir ao encontro deles. Eles estão aqui. (Murros no mapa que está em cima da mesa) O sr. precisa ir esta noite mesmo!
Knowlton: Não venha me dizer o que é que eu devo fazer! As ordens que eu tenho são estas: ficar aqui e encontrar-me aqui com eles.
Capitão: O sr. não está em contacto com o seu comando!
Knowlton: Ora essa! Claro que estou! A ordem é esperar aqui.
Sapador: Herr Kommandant, eu acabo de plantar um campo de minas aqui às portas da cidade, por ordem do meu general. Posso recolher agora a minha força à sede da companhia ?
Knowlton: Não pode não senhor! Vá lá fora já e desenterre todas as minas! Aqui tem um passe, para que as outras tropas americanas não o molestem. (Tropas estas imaginárias, claro está.)
Sapador: Mas o meu general me deu ordem para...
Knowlton: Mexa-se e desenterre essas minas já!
Capitão: O russo não avança esta noite, porque deve estar abusando das nossas lindas moças alemãs. Nossas adoráveis moças vão ser violadas!
Knowlton: Ora, isso é propaganda!
Cabo alemão: Herr Oberleutnant, estes homens aqui desejam verificar a lâmpada por cima de sua cabeça, «para eletricidade funcionar fazer!» (telefone toca)
Knowlton: (No fone) Já estão chegando. (Para o capitão) Não vou a parte nenhuma esta noite. (Aos operários) Dê já o fora, não vê que está pisando no meu pescoço ?
Cabo: Dá licença, capitão ? O burgomes-tre deseja saber se pode ir para casa, ele quer dormir.
Capitão: O sr. verá, quando tiver que se bater nas margens dos rios da Polónia—quando os russos estiverem fartos de abusar das nossas lindas moças alemãs! O sr. precisa sair esta noite.
Soldado americano: (entrando acompanhado dum soldado SS, que se debate) Seu capitão, este alemão patife tentou me balear.
Soldado SS: Dieses verdamnte amerika-nische Schwein... (repica o fone)
Telefone: Herr Kommandant, as tropas americanas ainda não chegaram em Parchim, e o Herr General deu ordem para que todas as tropas voltem a pegar em armas e regressem à frente. Quando é que os outros americanos vão chegar ?
Soldado americano: Cale essa boca, seu kraut; senão eu te quebro a dentadura!
Major alemão: Herr Kommandant, a fábrica de cerveja já está atulhada de armas. Opde é que os soldados devem passar agora a entregar o armamento? (Estoura lá fora uma salva de obuses soviéticos)
Capitão: Ouviu ? ouviu ? Aí estão eles, os
russos estão chegando! O sr. deve sair já ao encontro deles neste  «quarto»!, (room: Raum) Mande  levantar seus homens já!
Knowlton: Isso mesmo, o burgomestre que vá para casa. Justamente, as nossas 'tropas não tardam nada. Encontre outra fábrica para guardar as armas! Tira as patas de meu pescoço, bandido! Ponham esse Biirgermeister no olho da rua, que ele já está me enfezando! De que lado é que os russos estão disparando? Não senhor, eu não saio daqui esta noite com patrulha nenhuma!
E assim, até mais não poder.
Isso durou horas e horas, até eu me sentir completamente esgotado. Lembre-se de que havia dois dias e duas noites que eu não pegava olho! O golpe final caiu em cima de mim quando esse mesmo capitão da Brigada Naval se inclinou sobre a minha mesa, batendo com o punho no mapa, e bradou: «Na minha opinião, tudo isto é tapeação sua! Primeiro, garanto que v. não está mais em contacto com o seu comando; e segundo, aposto que não há tropa americana daqui até Ludwigslust, e que não estão chegando mais soldados americanos! Que me diz ?»
Pesou sobre a sala um súbito silêncio de morte—e olhos, só olhos implacáveis me fitando, trespassando-me até o íntimo dos pensamentos. E nesse silêncio os rumores lá de fora cresceram, avolumaram. Ouvi o ranger sinistro das esteiras de tanques, o arfar dos motores de caminhão, as canções dos soldados SS que o vento cortante e frio trazia aos meus ouvidos com maior nitidez, o craque-craque dos sapatos ferrados, as rudes vozes de comando dos oficiais alemães.
Senti que ia perder o equilíbrio interior, e disse com os meus botões: «Knowlton, você foi muito burro em pensar que seria capaz de continuar com esta farsa, e sair ileso. Aqui mesmo por cima da sua cabeça estão dormindo 6o homens que confiaram em você, e que você conduziu a esta ratoeira de morte. Esta é a última cartada que você vai jogar, e é bom que a jogue direitinho. Você teve sempre a vaidade de se julgar bom ator... Vamos a ver agora que tal representa! Olhe que é a sua última cartada!»
Endireitei os ombros e fitei aquela corja bem direito nos olhos: —Ora, não seja burro! Então você pensa que eu sou tão besta que era capaz de vir até aqui, uma distância enorme, tomando três cidades e desarmando centenas de milhares de soldados alemães, se não tivesse atrás de mim uma grande força militar?...
O capitão matutou, coçando a cabeça, e respondeu: —Não, com franqueza, acho que não! —Bom, nesse caso, eu vou dormir agora. Estou morto de cansaço.
Levantaram-se protestos ruidosos: todos os presentes bradando que os russos iam atacar durante a noite.
—Para mim, tanto faz! disse eu. —Pouco me importa que venham ou deixem de vir, enquanto eu não der uma boa soneca. Boa noite!
Todos os presentes bateram os calcanhares e ergueram a mão saudando à Hitler: «Gute Nackt, Herr Kommandant! »
Na manhã seguinte, quando desci, fui encontrar as coisas em condições verdadeiramente críticas. O alto comando alemão tinha descoberto que a minha coluna era a única força americana que se encontrava aquém de Ludwigslust, que nós tínhamos desarmado 275.000 soldados alemães, segundo a conta dos SS, e que o exército alemão inteirinho estava depondo e entregando as suas armas na cidade de Liibz. Todas as tropas alemãs receberam ordem para retomarem imediatamente as armas, e de nos fuzilarem se tivéssemos a veleidade de resistir,
Trayou-se logo uma discussão de meia hora entre mim e um coronel das SS, que fazia parte do estado maior do corpo. Chegamos por fim a um acordo pelo qual todas as tropas que marchassem para oeste deporiam as armas, ao passo que as que fossem para leste se conservariam armadas. O coronel aceitou essa fórmula porque o seu orgulho o impedia de confessar que houvesse tropas alemãs retirando da frente leste. Foi-se pois embora com a honra satisfeita, enquanto os meus rapazes continuaram fazendo um negócio em que não tinham mãos a medir, nos centros de colheita de armas, que eram agora meia dúzia.
Não tardou, contudo, que rebentassem as cenas de pancada entre os meus soldados e os SS, e só à coragem de alguns dos meus homens se deve que as coisas não tenham ido de mal a peor. A verdade é que essa situação já não podia manter-se por muito mais tempo, e a única solução que nos restava era sairmos da cidade em formação de patrulhas, não só para salvarmos as aparências, como também para escaparmos ao torneio final de tiro ao alvo em que tudo aquilo podia vir a acabar.
Mandei aprontar o meu carro de assalto, e ordenei que ò pelotão de Harry Clark me seguisse. Mas, antes de partir, requisitei dois oficiais dum grupo de sapadores alemães e mandei assentar cada um deles em cima duma das rodas dianteiras do meu carro. «Agora, cavalheiros, se o meu carro bater numa mina,» esclareci eu, «os senhores ficarão tão mortos, quanto qualquer de nós que vamos aqui dentro: talvez até um pouco mais mortos.»
Arrancamos, seguindo pela estrada real que levava a Piau, com os meus dois alemães sentados nos para-lamas como dois perdigueiros, de olhos esbugalhados para a estrada, no esforço de descobrir sinais de minas. Detectores de minas como eu nunca vi, isso eles eram.
Aquela região é ligeiramente acidentada, e à medida que nos íamos aproximando de Piau, íamos vendo a maior distância—e o mesmo se podia dizer de quem marchasse em sentido oposto, isto é, de leste para oeste. A distância, pela nossa frente, já se podia ouvir o tiroteio, e eu comecei a ficar preocupado com o problema do reconhecimento mútuo de russos e americanos. Tinham-me afirmado que todos os tanques russos apresentariam como sinal de identificação um triângulo branco; e que os russos também estavam informados sobre os nossos sinais de identificação. Mas se algum deles se lembrasse de atirar sobre nós, estaria a tal distância que as marcas, afinal de contas, não seriam visiveis.
Quando nos aproximávamos duma cidadezinha, um dos oficiais de sapadores alemães gritou de repente: «Lá vem a nossa artilharia alemã!»
Correndo de leste para oeste ao longo do perfil das colinas que se recortava no céu, via-se uma linha de cavaleiros, de carros de tiro animal, e de soldados marchando a pé, a mais longa que já me foi dado observar. Agarrei no meu binóculo de campanha, dei uma mirada à coluna que além marchava, e passei o binóculo ao alemão que falara: «Ora, torne a olhar, Herr Hauptmann,» disse eu, «e depois me diga desde quando é que ò exército alemão tem cossacos com capuzes de astracã!»
Tínhamos pois chegado até ali—e a questão agora era saber como executar a histórica junção sem dar lugar a que ficasse morta uma porção de gente inocente. Chamei um dos pequenos jipes, trepei no radiador do carro empunhando uma enorme bandeira branca, e rompi caminho por ali abaixo até a cidade. Ao darmos volta a uma esquina, que vejo eu de repente, senão um major russo que estava examinando um mapa! Pulei do carro abaixo, bati os calcanhares em continência e berrei, em russo macarrônico, com toda a força dos meus pulmões: « Ya Amerikanitz Oberlitnantl» Trocamos um forte aperto de mão.
E assim foi que se fez, às 9 h 25 do dia 3 de maio de 1945, a junção entre as forças russas e americanas ao norte de Berlim. Era o primeiro contacto entre os aliados ocidentais e orientais na margem direita do Elba.
Irradiei logo ordem para que o Harry trouxesse para ali os carros restantes, e depois o major russo guiou-nos através das suas tropas até à presença do coronel. O exército russo era uma coisa que não tem termo de comparação: eu esperava encontrar uma máquina de guerra manobrada por homens de cara dura e provida duma enormidade de equipamento motorizado: mas o que me aparecia agora pela frente era ainda mais confuso do que o exército americano! Verdadeira con-glomeração de cavalos, de caminhões alemães, de velhos canhões de campanha enferrujados, cossacos, espingardas-me-tralhadoras, motocicletas... Parecia não existir em tudo aquilo qualquer sistema, e o pessoal entrava e saía da forma à vontade, ao que parece sem esperar ordens, e sem motivo bem definido. Homem sim homem não, era um oficial; e todos riam, saudavam, fazendo uma algazarra ininte-ligivel—enquanto pela nossa parte nós ríamos, saudávamos, gritávamos, tornávamos a saudar, acenávamos com as mãos, e isto repetindo-se indefinidamente.
Acabamos encontrando o coronel: eu esperava ver um russo enorme, com o peito coberto de medalhas, e de espin-garda-metralhadora em punho: mas o que me surgiu pela frente foi um sujeito com ares de fazendeiro, guiando uma carruagem puxada por uma parelha de cavalos, como se estivesse no Central Park de Nova York num domingo de manhã! Vinha ao lado dele, na boleia, uma moça fardada, que mais tarde fiquei sabendo que se chamava Maria, e era enfermeira.
Quando o coronel soube quem nós éramos, e donde vínhamos, saltou da carruagem e começou a dar pulinhos em volta, se desfolhando todo, em sorrisos. Apertamos as mãos e abraçamo-nos com muitas palmadas nas costas. Não demorei muito em compreender que a melhor maneira de impressionar um russo é correr direito a ele, dar-lhe no lombo uma destas palmadas capazes de abater um boi, agarrar-lhe a mão num aperto de ferro, abraçá-lo, mostrar os dentes num riso de hiena, e berrar a plenos pulmões: «Tovarish!» (camarada) ou então «Ya Amerikanitz!» (Eu americano).
A   enfermeira   Maria   veio   até   nós voando, e nós a beijocamos na face e demos mais palmadas nas costas; tinha a estrutura dum bezerro atarracado, e um busto de tamanho 44. Enquanto o pessoal se abraçava e conversava, o coronel puxou do seu mapa russo, que para mim era como se fosse chinês, e eu tirei o meu mapa, e entre um e outro lá conseguimos tirar a limpo por que caminhos eu chegara até ali. Ele se mostrou muito admirado ao saber que eu fora capaz de perdurar as linhas alemãs, e de alcançar não sabe como pela retaguarda a sua coluna ista. Não fora nada má ideia, não, por-ue   os   russos   não   tinham   triângulo ranço nenhum pintado nos seus  tan-ues,   nem  sabiam  conhecer  os  nossos inais distintivos. A prova é que todos lês, ao verem os nossos carros, exclama-am com ar de grande novidade: « Olha, lha,   camarada,—os  carros  amerikanitz têm uma estrela pintada!»
O coronel tirou o seu lápis vermelho marcou no meu mapa, como eu mar-uei no dele, o ponto onde nos tírihamos encontrado. Depois saquei da garrafa de conhaque que levara comigo para algum presente que tivesse de oferecer, e entreguei-a ao coronel, que a passou para as mãos da enfermeira. E tornamos a rir uns para os outros.
Não levando comigo ninguém que soubesse falar russo, tinha em todo caso um soldado que arranhava menos mal o polonês. O coronel mandou chamar um oficial de língua polonesa, major ainda moço. A conversa até ali correra um tanto ou quanto desanimada, mas assim que o polonês apareceu, as coisas reanimaram-se um pouco.
DEPOIS o coronel mandou recado ao general da sua divisão, participando a ocorrência. O comandante da divisão retorquiu, por mensageiro, que estaria conosco sem falta à hora do almoço, e que lhe fossem escolhendo um bom PC. Ò coronel escolheu um bom posto de comando, conforme pedido, e o Harry e eu, com cerca de dez majores e capitães russos, acompanhados da enfermeira Maria, pusemo-nos a caminho do almoço no PC.
Eu só queria que o nosso Governo Militar pudesse ter visto de que jeito os russos se instalam em um novo PC! O coronel relanceou o olhar pelas casas circunvizinhas, escolheu a melhor de todas, e disse: «Eu fico com aquela.» Imediatamente alguns cossacos galoparam em direção à casa, pularam dos cavalos em terra, e entraram sem detença na casa. Ouviram-se logo alguns estrondos significativos, vidros quebrados, madeiras rachando (talvez alguma porta que estava trancada), um estampido maior, um berro—e a porta da rua se tornou a abrir: dois ajemães já de Idade saíram voando, manifestamente impelidos por uma sólida bota de soldado. Mal eles • tinham dado o fora, já surgia um cossaco na porta carregando um guri pelo pescoço e pelos fundilhos das calças. Com isto a entrada ficou desimpedida. Ainda se ouviram mais alguns estrondos lá dentro, de portas arrombadas e vidros estilhaçados, e o novo PC ficou à nossa disposição.
Quando entramos na sala de estar, já estavam dispostas em cima da mesa todas as compotas de fruta encontradas na despensa. Daí a pouco entravam duas moças russas de bela aparência, carregando uma grande travessa de ovos fritos, e outros comestíveis. Não tardei em saber que uma era «cabo» de infantaria, e a outra «capitão» de cavalaria.
O coronel deu entrada na casa, e mostrou-se satisfeito com o que seus olhos viram. Pegou então na garrafa de conhaque que eu trouxera, e noutra que o Clark tinha dado, e encheu todos os copos, que eram dos de água. Estava eu meditando em quanto via, quando de repente todos os oficiais presentes se puseram de pé, e o coronel bradou numa voz trovejante, erguendo bem alto o seu copo: «Trrrruman, Staaalin, Churchillll!» Todos os convivas entrechocaram os copos demoradamente.
Beberam. E digo beberam no sentido próprio, porque todos eles tragaram duma só vez o seu copo-de-água cheio de conhaque. Clark e eu tomamos uma boa golada, comprida, que me deixou a garganta ardendo durante alguns minutos. Os russos desataram a rir estrondosamente, dando murros uns aos outros, e deixando-nos entender que os americanos eram uns maricas, só porque não éramos capazes de tragar um golinho de conhaque...
Senti estremecer no túmulo as cinzas dos heróis do Far West, e tornou-se-me evidente que o prestígio da «fronteira» americana de outras eras dependia agora inteiramente de nós. Harry e eu nos pusemos de pé e despejamos os nossos copos de um só trago: depois tombamos como que fulminados, com os olhos lacrimejantes, tentando dar a impressão de que era aquilo mesmo que nós desde o começo tencionávamos fazer...
Mas logo a seguir, que vejo eu ? Outro grande copo em frente de cada um de nós, desta vez cheio de vodca, e todos os russos se pondo de pé. Erguemo-nos bem depressa, ainda que um tanto cambalean-tes, e o coronel propôs outra saúde: «Améééríka, Rúúússia,, Inglaterrrra!» E tornamos a despejar os copos. Esse negócio continuou assim, repetindo-se cada vez que um novo oficial entrava na sala, até que eu me senti pairando no ar, mais alto que um balão.
A certa altura oferecemos ao coronel um maço de cigarros, e esse simples gesto de cortesia levou-nos a compreender melhor por que é que tantos milhões de alemães vinham fugindo diante dos russos. O coronel pôs-se a remexer em todos os bolsos, mas não pôde achar neles os cigarros russos que em troca nos queria oferecer. Tornou-se evidente que estava em jogo ali a boa-vontade internacional; o nosso coronel resolveu chamar um cabo e murmurou algumas palavras mágicas no ouvido dele. O cabo reuniu logo uma força de meia dúzia de soldados, e saiu. Dois minutos depois, ouvi lá fora um grande banzé, e daí a pouco entrava o cabo com oito maços de cigarros alemães, que entregou ao coronel. Este por sua vez passou-os para as nossas mãos com grandes mostras de magnanimidade: «São alemães,» disse ele, «mas muito bons!»
Pouco depois dava entrada na sala o comandante da divisão. Era homem de inteligência incontestavelmente superior, e tivemos uma conversa que nunca hei-de esquecer.' Expliquei-lhe que o meu general me tinha mandado ali para conduzir um membro do comando russo até o quartel general americano. A resposta do comandante foi que ele mesmo iria conosco.
Fiz-lhe saber então que, entre o ponto onde estávamos e as linhas americanas, ainda havia muitos alemães em armas. O general mostrou-se bastante contrariado ao saber que eu não desarmara todos os 'alemães entre o Elba e o Báltico. Tive : que esclarecer que trouxera menos de cem homens, e ele aceitou minha explicação, acrescentando pela sua parte alguns comentários relativos às dificuldades muito maiores que os russos encontravam, forçados como se viam a combater para fazer prisioneiros. Fiz-lhe notar que nós também tínhamos tido que travar algumas batalhas desde o nosso desembarque na Normandia.
Esse comandante de divisão disse-me, finalmente, que convidasse o meu general a ir encontrar-se com ele na igreja de Lübz. Eu tinha agora que regressar a Ludwigslust com esse recado, levando em minha companhia o major que falava polonês, e que estava ainda muito ocupado fazendo saúdes para a direita e para a esquerda.
A guerra ficara totalmente suspensa durante a cerimônia do nosso almoço, mas, acabado este, ela recomeçou. Até aquele momento eu estivera matutando como é que os russos podiam aguentar tanta bebida, e só então achei a resposta: eles não aguentam, não... Vi o comandante da coluna mista dar a sua ordem de ataque: saiu cambaleando da casa para o campo onde os seus oficiais estavam reunidos, todos de olho alerta e de caderno de notas em punho, esperando ordens. O comandante ficou ali um momento, ergueu o mapa—de costas viradas para os oficiais, de tal modo que nenhum deles o podia ver—e começou a gaguejar qualquer coisa em que vagamente se podiam perceber as palavras: «Marchamos deste lugar aqui, para aquele lugar ali,» apontando sempre para o mapa que só ele podia ver, e mais ninguém. Eu, que não entendo muito o russo, compreendi aquelas instruções tão bem, ou tão mal, como qualquer dos russos ali presentes,
O comandante da coluna continuou assim mais algum tempo, até que os oficiais se entreolharam como quem diz: «Ele está na chuva outra vez...», meteram os livros de notas no bolso, e desataram a bradar ordens que eu interpretei mais ou menos desta forma: «Oh, pessoal! Os patifes estão ali daquele lado. Vamos a eles!» E assim, alguns milhares de russos despreocupados dispararam as armas para o ar, e uns para os outros, e a estranha coluna lá foi ondulando pela estrada abaixo.
Quando já estava a caminho de Lúbz, olhei por acaso em volta, e por pouco que não caio da torrinha abaixo: no assento do segundo artilheiro do carro de assalto de Clark, espetado como um fantoche, vinha o major russo embriagado! Com uma toalha pousada num braço e de enorme navalha de barba em punho, rindo como um perdido, fazia esforços sobrehumanos para raspar o queixo do artilheiro...
Chegamos por fim a Lübz, e desta vez não me foi preciso suar tanto para atravessar as linhas alemãs. As colunas de tanques russos já tinham tomado Neustadt. Chegados aqui, um capitão russo me chamou de parte, ofereceu-me bebidas, e forçou-me a partilhar com ele uma galinha. Tinha ao lado um major alemão dos SS, que trouxera prisioneiro no seu carro, e, enquanto comeu e bebeu, entre-tinha-se de vez em quando em dar-lhe socos e pontapés. Quando cheguei enfim a Ludwigslust, corri logo a apresentar relatório da missão que completara.
Resta-me acrescentar que no dia seguinte, pela tarde, fui chamado ao PC do general Gavin, que numa breve cerimônia me pregou no peito a Estrela de Prata, coisa que me fez sentir bastante orgulhoso, por vir duma divisão que não era a minha. Quem usa a medalha sou eu, mas quem a ganhou foi a «Tropa B »—e é em nome desta que eu a trago ao peito.






Texto extraído da revista Seleções de Reader's Digest de dezembro de 1945





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